monumento ao calceteiro
Fotografia: Duarte DragoMonumento ao Calceteiro, em 2017
Fotografia: Duarte Drago

Monumentos de Lisboa: estátuas de A a bronze

Falar dos monumentos de Lisboa e de todas as estátuas resultaria numa enciclopédia. Mas este é um bom ponto de partida.

Renata Lima Lobo
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As estátuas são como aquele amigo que está sempre lá, mas com quem nunca conseguimos combinar um café. Estas são algumas das obrigatórias, para conhecer melhor e, de preferência, de bem perto. Há muitas coisas que os turistas fazem e que os lisboetas deveriam experimentar. Uma delas passa, por exemplo, por uma visita à Casa dos Gessos para ver o molde que deu origem à estátua de D. José I na Praça do Comércio. Mas desta vez queremos que preste mais atenção às obras finais, da mais antiga à mais polémica, ali no topo do Parque Eduardo VII.

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Monumentos de Lisboa: estátuas de A a bronze

A retornada

Tem sido uma história atribulada para as duas esculturas em homenagem aos calceteiros que moravam em frente à Igreja de São Nicolau, na Rua da Vitória, onde ficaram apenas dois anos. Após terem sido vandalizadas e recolhidas pelos serviços da Câmara Municipal de Lisboa, em 2008, regressaram à rua onze anos depois, mas com uma nova morada na Praça dos Restauradores. Uma representa um calceteiro a esculpir a pedra e a outra um ajudante com o maço de serviço, ambas sobre um desenho em calçada artística portuguesa de uma barca de São Vicente, um molde antigo que também serviu para decorar o chão na Rua da Vitória.

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A literária

Como dar a volta ao texto sem falar no Fernando Pessoa da Brasileira? Falando de outra escultura do poeta instalada desde 2008 no Largo de São Carlos, no dia em que se celebraram os 120 anos do seu nascimento. Aqui Pessoa está irreconhecível, com um livro em substituição da cabeça, obra do belga Jean-Michel Folon (1934-2005), feita primeiro para uma mostra de escultura realizada no Castelo de São Jorge em 2001. "Homage a Pessoa", com quatro metros de altura, foi adquirida pelo município e colocada mesmo em frente ao prédio onde Fernando Pessoa nasceu e viveu até aos cinco anos.

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A apostadora

Lotaria Clássica, da Páscoa, de Natal ou de Fim-de-Ano. A Santa Casa vende e dá os prémios, e um dos locais onde pode tentar a sua sorte é no quiosque em frente à sede da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, no Largo de São Roque, que teve a iniciativa de homenagear os antigos vendedores de cautelas da lotaria, umas das figuras mais típicas da Lisboa antiga. A estátua do cauteleiro, da autoria de Fernanda Assis, foi inaugurada em 1987, tem tamanho real (de certeza que já existiu um cauteleiro com 1,78m) e inclui um boné com chapinha, um cigarro no canto da boca e um bilhete onde se lê "Homenagem da Santa Casa da Misericórdia. Lotaria Nacional. Ao cauteleiro".

A polémica

No alto do Parque Eduardo VII mora este Monumento ao 25 de Abril de 1974, da autoria de João Cutileiro, talvez o escultor mais incompreendido da nossa praça. Este monumento foi encomendado pelo município e inaugurado a 25 de Abril de 1997. E o povo chama-lhe "O Pirilau". Na altura o escultor lembrou que "o jacto de água do Lago de Genebra tem uma ejaculação muito maior". Feita a partir de um pedestal que estava destinado a uma estátua do Santo Condestável, pesa 90 toneladas e a forma fálica que se destaca simboliza mesmo a força viril e o vigor da revolução de Abril.

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A desportista

Era jogador do Sport Lisboa e Benfica, o que pode mitigar o interesse de alguns adeptos de outras cores. Mas Eusébio da Silva Ferreira, uma figura ímpar do desporto nacional, foi o maior marcador do Campeonato do Mundo de 1966 (em Inglaterra), ajudando a selecção nacional a alcançar um incrível, e podemos dizer glorioso, terceiro lugar na competição. Só isso já vale mais que uma visita à estátua do Pantera Negra, oferecida por um sócio do clube radicado nos EUA, Vitor Batista. Inaugurada em 1992, é da autoria do escultor americano Duker Bower. Relembramos que após a morte de Eusébio, a estátua de bronze foi inundada por cachecóis e camisolas futebolísticas em sua homenagem, levando o museu a conservá-los dentro de uma cobertura transparente que só foi retirada passado um ano.

A milagreira

Nem só em templos religiosos se faz o culto. Pelo menos em Lisboa, onde uma das estátuas costuma estar rodeada de flores e velas acesas. É a do Dr. Sousa Martins, um médico que se recusava a receber dinheiro quando tratava os mais desfavorecidos, o que lhe valeu a alcunha "Pai dos Pobres". Este monumento foi erigido em 1907 no Campo Mártires da Pátria através de subscrição pública e concretizado por Costa Motta (tio, porque há o Costa Mota, sobrinho), autor de várias estátuas em Lisboa e dos túmulos de Camões e Vasco da Gama no Mosteiro dos Jerónimos.

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A política

A Avenida da Liberdade é um verdadeiro festival de estátuas e bustos, do Marquês de Pombal aos Restauradores. Algumas herdadas do tempo do Passeio Público, um local de passeio aristocrata no século XIII (como as esculturas mitológicas que representam o rio Tejo e o rio Douro), outras acrescentadas com o passar dos séculos. Como é o caso da estátua de Simon Bolívar, o herói da independência sul-americana, inaugurada em 1978 e oferecida pela comunidade portuguesa radicada na Venezuela. Volta e meia são depositadas coroas de flores a seus pés, uma delas pelo já falecido Hugo Chávez quando visitou Lisboa em 2008.

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A olímpica

Neptuno passeou-se por Lisboa antes de vir parar ao Largo Dona Estefânia em 1951. Esta estátua em mármore, da autoria de Machado de Castro, começou por decorar o antigo Chafariz do Loreto no século XVIII. Após a demolição desse chafariz, Neptuno seguiu para a Mãe de Água, depois esteve no Museu do Carmo e ainda encaixou uns tempos no Depósito de Água dos Barbadinhos. No actual lago, Neptuno é brindado por jogos de água iluminados por projectores debaixo de água.

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A veterana

O mesmo autor de Neptuno também idealizou D. José I para o Terreiro do Paço. E esta obra foi pioneira em muitas coisas: é a estátua pública mais antiga de Portugal, a primeira estátua em bronze fundida em território nacional e a primeira estátua equestre. Foi erguida sobre um pedestal de pedra vinte anos depois do terramoto de 1775, ainda o rei estava vivo. Após a inauguração houve festa durante três dias, com cortejos alegóricos, fogo-de-artifício, exercícios militares, ópera, baile e banquete.

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A militar

A quem folheia jornais é familiar o nome do cartoonista e caricaturista Augusto Cid (1941-2019), cujo traço passou por inúmeros jornais e revistas, como os antigos Diário de Lisboa e O Século, e, mais recentemente, o semanário Sol. Mas o artista, que frequentou o curso de Escultura das Belas Artes de Lisboa, também deixou o seu cunho na arte pública da cidade. Em Lisboa são da sua autoria os painéis de azulejo do viaduto de Sete Rios e o monumento em memória do navegador Gonçalves Zarco, em Belém, freguesia que recebeu em Novembro este portento em bronze. A estátua de Nuno Álvares Pereira, o Santo Condestável, ganhou vida em 2016 graças a um projecto vencedor da edição de 2013 do Orçamento Participativo e está no Jardim Ducla Soares.

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A LGBT+

Inaugurado em Junho de 2017 no dia da Marcha de Orgulho LGBT, é um monumento de homenagem às vítimas de homofobia, que teve como mentor António Serzedelo, presidente da Opus Gay. Da autoria do artista plástico Rui Pereira, a estátua no Jardim do Príncipe Real, de cimento e ferro, apresenta duas figuras. De um lado um homem e do outro lado uma mulher, ambos dentro de um armário. Se já passou por lá e ficou irritado com pessoas a usar a estátua como banco, respire fundo. É o próprio António Serzedelo que convida todos a sentarem-se.

A desejada

Oh, triste fado. O rei desejado, o que nos vem salvar numa manhã de nevoeiro, desapareceu uma segunda vez, mas à luz do dia e à frente de boquiabertos transeuntes. Em Maio de 2016, um turista escalou o edifício para tirar uma selfie com a estátua de D. Sebastião na fachada da Estação do Rossio e o regicídio aconteceu: o rei partiu-se no chão aos bocadinhos, desamparado. Mas regressou, num dia de sol, em 2021. Quer dizer, mais ou menos. A estátua foi restaurada, mas continua armazenada à espera de voltar a ver a luz do dia e a que está na fachada da estação é uma réplica encomendada ao escultor Pedro Lino.

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A emigrante

Por ter sido a partir da Estação de Santa Apolónia que muitos portugueses partiram em busca de um futuro melhor, foi inaugurada em 1981 esta homenagem ao emigrante português no vizinho Largo do Museu de Artilharia. Uma iniciativa do extinto semanário O Tempo (1975-1990) e uma escultura em bronze da autoria de Dorita Castel-Branco (1936-1996).

Mais coisas para fazer em Lisboa

  • Arte
  • Arte urbana

Vhils, Bordalo II, Aka Corleone, Smile, ±MaisMenos±, Tamara Alves ou Mário Belém são alguns dos nomes mais sonantes neste roteiro de arte urbana em Lisboa. A eles juntam-se artistas de todo o mundo, que escolhem Lisboa para servir de tela aos mais variados estilos e mensagens. Se por um lado Lisboa está em guerra com taggers com pouco talento para a coisa – e que fazem questão de espalhar assinaturas por tudo quanto é sítio –, por outro a cidade é cada vez mais um museu a céu aberto de belíssimas obras de arte urbana. Embarque connosco num passeio alternativo pela cidade.

  • Atracções
  • Monumentos e memoriais

Por todo o lado, são os homens que se vêem mais representados na arte pública, entre estátuas, monumentos ou memoriais, um reflexo dos principais livros de história. No entanto, a história portuguesa também está representada no feminino, embora em menor número, graças a mulheres que acabaram por marcar o seu tempo. Das artes à política, todas estas mulheres, das mais diversas classes sociais, mereceram homenagem nas ruas da cidade de Lisboa. E muitas mais o merecerão, mas isso já é outra história. Para já, fique com algumas das estátuas de Lisboa que celebram mulheres portuguesas.

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  • Monumentos e memoriais

Cidadãos de todo o planeta têm-se insurgido contra representações em bronze e pedra de figuras pouco consensuais no que diz respeito à história dos direitos da humanidade. O rastilho é o conhecido movimento global Black Lives Matter, uma luta já longa demais que clama por soluções para um mundo mais justo entre todos, independentemente da cor da pele. No entanto, não estamos a começar do zero. Em Portugal, há um conjunto de obras públicas que prestam homenagem a vítimas de injustiças cometidas ao longo dos séculos, em território nacional e não só. Fomos visitá-las.

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