Teatro
O primeiro momento de contestação não foi propriamente inesperado. Escolher o teatro para abrir à cerimónia dificilmente podia dar outro resultado. Vamos por partes.
Concorrendo com Bacantes – Prelúdio para Uma Purga, de Marlene Monteiro Freitas (curiosamente também nomeada na categoria de Dança), e Topografia, encenação Criação Colectiva Teatro da Cidade, o vencedor na categoria Melhor Espectáculo foi A Vertigem dos Animais Antes do Abate, encenado por Jorge Silva Melo a partir da obra de Dimítris Dimitriádis.
Com Silva Melo ausente, coube a Inês Pereira receber o galardão. E como o momento era propício a intérprete nem hesitou em ler o comunicado dos actores e actrizes, que, nos dias anteriores, recebera quase 700 adesões, e onde se escreve: “Fazemos teatro em condições cada vez mais precárias: sem contrato de trabalho, a recibo verde, sem previsão, muitos de nós com vencimentos em atraso”, prosseguindo: “Continuámos em 2017 a mesma situação de miséria que se instalou no quadriénio anterior. A maior parte de nós passará o ano de 2018 sem trabalho, sem saber se as futuras produções para as quais fomos convocados se vão manter, com salários em atraso constante ou com remunerações muito baixas.”
Ao receber o prémio destinado a Melhor Actriz, pelo seu papel em A Estupidez, de Rafael Spregelburd, com encenação de João Pedro Mamede, Rita Cabaço (em disputa com Sara de Castro, em Adoecer, e Joana Bárcia, em A Noite da Iguana) foi mais discreta, mas não saiu do palco sem afirmar como “é desconsolador e perigoso a desconsideração que é dada à comunidade artística.”
Conciso e discreto foi igualmente Romeu Costa, considerado o Melhor Actor (na compita com Romeu Runa em Duelo, e João Grosso em Inferno – Divina Comédia) pela sua interpretação em Órfãos, peça de Dennis Kelly encenada por Tiago Guedes.
E embora não nomeado na categoria Melhor Texto Português Representado, Jorge Silva Melo, o director artístico dos Artistas Unidos, mesmo ausente voltou ao palco, agora através do vencedor do prémio, João Pedro Mamede, autor do texto A Marcha Invencível (assim ultrapassando Tentativas para Matar o Amor, de Marta Figueiredo, e Mundo Distante, de Nuno Costa Santos).
Mamede, depois de breves agradecimentos, citou uma mensagem colocada pelo encenador no Facebook, onde Melo se congratula com o anúncio do reforço de 1,5 milhões de euros no apoio às artes para 2018, feito, na terça-feira, pelo primeiro-ministro, na esperança, escreveu, de que “assim serão reparadas algumas injustiças flagrantes e evitadas outras tantas.” Acrescentando ainda: “Mas não esqueçamos que o tremendo disparate começou com o tão anunciado ‘Novo Modelo de Apoio’ (um ano de ‘estudos’ para uma coisa daquelas?), com a confusão entre iniciativas de Estado e iniciativas fora do Estado, entre criação e programação, entre companhias e salas, entre salas e teatros... e tanta palavra incompreensível só para ficar bem no retrato.”
Também Rui Francisco, ao receber o galardão para Melhor Trabalho Cenográfico por Inferno – Divina Comédia, produção de O Bando, encenada por João Brites, não deixou de referir o estado da arte, acentuando a necessidade do tempo para a criação artística.