comboio de Lisboa
© Francisco Romão Pereira / Time OutComboio de Lisboa
© Francisco Romão Pereira / Time Out

Todos os transportes de Lisboa estão a preparar sistemas de pagamento contactless

Os transportes colectivos estão a mudar à medida que as empresas se adaptam a um mundo cash-free. Toda a gente concorda que é o futuro. Os estrangeiros a viver cá avaliam a forma como se movem na cidade. Alguns chamam-lhe “uma experiência”.

Joana Moreira
Publicidade

“Socorro, o que é que eu faço agora?” Foi o que pensou Larissa Araújo, 32 anos, quando percebeu que precisava de apanhar um autocarro numa zona em que não tinha onde carregar o seu cartão, com um saldo insuficiente para realizar a viagem. “Não tinha dinheiro comigo. Tive de andar não sei quanto tempo a pé até achar um multibanco”, recorda a stylist de Brasília a viver há cinco anos em Lisboa.

A história teria sido outra se o percurso implicasse usar um comboio da Fertagus, onde desde finais de Novembro é possível viajar sem comprar bilhete antecipadamente ou ter dinheiro trocado. Basta encostar o cartão bancário ou o telemóvel no validador, seleccionar o destino e seguir viagem. A empresa portuguesa do Grupo Barraqueiro, que opera o serviço ferroviário suburbano de passageiros entre a estação de Roma-Areeiro, em Lisboa, e a estação de Setúbal, apresentou a novidade na Semana Europeia da Mobilidade 2022, em Setembro. Hoje, todas as estações têm pelo menos um validador para cartões bancários contactless e telemóveis com Google/Apple Pay. “Seria mais simples. Passava e estava resolvido. E para os turistas também seria muito mais fácil”, reconhece a brasileira.

À Time Out, Clara Esquível, administradora da Fertagus, revela que o sistema já foi utilizado para realizar “mais de 2500 viagens”, e que este se deve alastrar a todos os validadores no “segundo semestre de 2023”. O projecto, “pioneiro na região de Lisboa”, tem como parceiros a Mastercard, a Finaro, a Axians (do Grupo Vinci) e a Ubirider, uma startup portuguesa. “Tem sido uma tendência crescente nas grandes cidades, porque traz facilidade, conforto e rapidez no acesso aos transportes públicos”, justifica ainda a empresa numa resposta por escrito. “Permite um ganho efectivo de tempo nas deslocações dos nossos clientes.” O custo de cada viagem através desta forma de pagamento é igual ao de comprar na máquina, evitando ainda o valor do cartão Navegante Ocasional (0,50€).

A inovação não tardará a estender-se a outros meios de transporte. A Carris terá um sistema similar este ano, garantiu o presidente Pedro Bogas em Dezembro, numa entrevista à TSF. A CP – Comboios de Portugal, cujos serviços suburbanos incluem as Linhas de Sintra, Cascais, Sado e Azambuja, diz à Time Out ter “equacionada a substituição da sua rede de validadores (Lisboa e Porto) e a adaptação do sistema de controlo de acessos (gates) de forma a permitir esse tipo de pagamentos, o que exige, naturalmente a integração com os restantes operadores de transporte”. A Transportes Metropolitanos de Lisboa (TML), entidade que gere a Carris Metropolitana e o sistema de bilhética dos vários operadores da área metropolitana de Lisboa, afirma também estar “a trabalhar numa solução que irá permitir a utilização de cartões bancários nos transportes” e que “a solução englobará a Carris Metropolitana”. Nenhuma se compromete com prazos. No Metro de Lisboa, um serviço semelhante chegará “em breve”, confirma a empresa, que está a preparar os equipamentos. Na estação Jardim Zoológico, por exemplo, há já uma entrada/saída com este sistema, que por agora só aceita cartões Navegante. “Logo que estejam reunidas todas as condições de implementação do sistema que permite utilizar o cartão bancário ou o telemóvel para validar uma viagem ocasional nos canais de validação, o Metropolitano de Lisboa fará uma divulgação à imprensa com toda a informação sobre essa nova tecnologia”, lê-se nas respostas enviadas por escrito à Time Out. CP e TML também responderam por escrito.

Cais do Sodré
Francisco Romão Pereira/ Time OutEstação do Cais do Sodré

No metro, a tecnologia sem contacto já está a ser utilizada para carregar títulos nas máquinas automáticas desde Dezembro de 2020, depois de um investimento de “161,3 mil euros para equipar as 285 máquinas de venda automática de títulos existentes nas estações”. Isto quando as máquinas estão em funcionamento. Se por e-mail a empresa garante que “relativamente à estação Cais do Sodré as máquinas encontram-se em pleno funcionamento sem registo de anomalias”, a realidade de quem utiliza o metropolitano revela outro cenário. Aliás, no dia em que a Time Out fotografava para esta reportagem havia máquinas fora de serviço.

“Não é assim tão mau”

Problemas técnicos vão sendo recorrentemente apontados por quem utiliza os transportes. Mas, no geral, a situação é menos grave do que as partilhas nas redes sociais aparentam, garantem os especialistas. “Lisboa não está tão mal quando comparada com outros países”, diz Miguel Padeiro, investigador da Universidade de Coimbra em áreas como o planeamento urbano e das mobilidades. “Há países com situações muito piores. Temos de ver o que são cidades equivalentes. Comparações comuns que se fazem com Londres, com Paris… Estamos a falar de cidades muito mais populosas. Quando olhamos para cidades que têm mais ou menos o mesmo tamanho de Lisboa – estou a pensar em Lyon, em França, e noutras cidades europeias do mesmo tamanho –, o caso de Lisboa não é assim tão mau ao nível do transporte público”.

Nuno Marques da Costa, professor e investigador do IGOT – Instituto de Geografia e Ordenamento do Território, da Universidade de Lisboa (UL), e co-coordenador da Rede Mov – Mobilidade Urbana Inteligente da Universidade de Lisboa, também se regozija com a qualidade dos transportes na capital portuguesa. E aponta um ponto de viragem: a possibilidade de carregar os bilhetes no multibanco. Lembra também que a tecnologia pode estar ao serviço dos transportes colectivos, mas que é preciso cautela a identificar problemas consequentes. "Temos falta de informação sonora. Muitos invisuais nem percebem qual é o autocarro que está a chegar e se está a chegar. É outro problema tecnológico. Hoje temos cada vez autocarros mais eficientes energeticamente, mas fazem muito menos barulho. Ao não fazerem ruído as pessoas não percebem que vem lá o autocarro”, alerta. “Uma das coisas que vai acontecer é a necessidade de informação interna às viaturas da Carris e informação sonora nas paragens também para colmatar essas necessidades”. “Todas as viaturas novas já têm essa indicação, de dizer qual é a paragem, tal e qual como no metropolitano”. A sinalização deverá chegar entretanto às paragens.

Paula Moncada, 35 anos, é agente imobiliária e designer de interiores. Viveu os últimos anos em Berlim e Paris, antes de se mudar para Lisboa e assentar na Lapa, uma zona que não é servida por comboios ou metro, deixando-a dependente dos autocarros. Descreve os transportes em Lisboa como “uma experiência”. “Sem Google Maps não consigo chegar a lado nenhum”, troça. Mas só recentemente se tornou possível pesquisar a oferta de transporte público de praticamente toda a área metropolitana de Lisboa (AML), com a chegada da Carris Metropolitana à maior aplicação de mapas do mundo – os Transportes Colectivos do Barreiro são agora o único operador da AML em falta. É lá que Paula confirma o horário do autocarro que a leva diariamente até ao escritório no Marquês de Pombal e, depois, às casas que vai visitar. Só que o seu sentido de orientação não é a única coisa em que a colombiana não confia. “Eu acabo muitas vezes por apanhar um Uber, ou um Bolt”, admite. “Às vezes [a Carris] diz que chega em 20 minutos e outras nunca chega. Ou chega 40 minutos depois ou uma coisa do género”, desabafa. “Em grandes cidades é preciso circular rápido”. “Quando não tens tempo para esperar, acabas a apanhar um táxi”. No seu caso, nem a possibilidade de enviar uma SMS para o número da Carris na paragem a salva. “Como tenho um número internacional, não recebo a mensagem. Tenho de mandar SMS a uma pessoa amiga, que é portuguesa, para me dizer”, relata.

Para aumentar as cadências seriam necessários mais veículos, mais material circulante e mais recursos humanos. Isso é uma questão de dinheiro. — Miguel Padeiro, investigador da Universidade de Coimbra

Além do tempo de espera, entre as queixas transversais aos estrangeiros residentes em Lisboa, habituados a outros ritmos, está a imprevisibilidade. “Não é uma coisa que dá para você contar, que vou pegar nesse horário e vou chegar no horário do meu compromisso”, corrobora Larissa Araújo. Especialistas refutam o grau de imprevisibilidade, mas encontram explicações possíveis. “Tem muito a ver com o trânsito automóvel”, sugere Miguel Padeiro. “A maior parte das vezes em que o autocarro chega muito depois do tempo em que devia chegar tem a ver com os constrangimentos pelos quais vai passar. São os carros estacionados em segunda fila, é o próprio trânsito, são os carros que se metem na fila de BUS. Provavelmente haverá alguma desactualização a nível tecnológico, mas na verdade usando o Google Maps acaba-se por se ter os horários relativamente fidedignos. A imprevisibilidade acaba por ter muito a ver com isto”.

O investigador alerta para a importância do financiamento. Neste caso, da falta dele. “Noutros países há uma maior participação das empresas, por exemplo. Há um imposto específico para financiar o transporte público. Quando não há financiamento, é difícil implementar medidas e tecnologias que permitam torná-lo mais competitivo, mais previsivel”, explica. “Para aumentar as cadências seriam necessários mais veículos, mais material circulante e mais recursos humanos, é isso que falta. Isto é uma questão de dinheiro, sobretudo”. “Com o actual executivo municipal a coisa tornou-se ainda mais difícil. O presidente da Câmara, Carlos Moedas, e a equipa dele, são menos favoráveis ao transporte público do que foram os seus antecessores. Portanto, nesta altura não estamos num contexto muito favorável para a implementação de medidas deste género”.

metro de Lisboa
Francisco Romão Pereira/ Time OutMetro de Lisboa

Nuno Marques da Costa, do IGOT, acredita que “as coisas agora estão a reorganizar-se”, depois de um período de regressão, no caso do Metro de Lisboa (que está sob a alçada do Governo). “Já tivemos frequências de três minutos”, recorda. “Tivemos uma grande redução das frequências e das próprias velocidades nomeadamente no período da troika, e ainda estamos nessa situação”. “Não foi só o aumento da diminuição da frequência, como também a redução da velocidade. Porque isso é que faz o custo energético. Andar mais devagar consome menos electricidade.”

Próxima paragem: integração

O futuro dos transportes em Lisboa reside, concordam os especialistas, na integração das várias ofertas de transportes. “Vamos pouco a pouco fazendo essa integração. Por exemplo, será interessante quando integrarmos o passe de Lisboa na utilização de Gira, e isso está mais perto do que imaginamos", diz Nuno Marques da Costa. A inclusão das bicicletas Gira no passe de transporte da AML é uma medida prometida que tem sido arrastada no tempo. Discutida publicamente desde 2019, a sua entrada em vigor chegou a ser apontada para o primeiro semestre de 2022, mas nunca aconteceu. Em Novembro, obteve aprovação em reunião de Câmara e, desde então, o site da CML anuncia que a medida “deverá avançar no primeiro trimestre” de 2023, para já apenas para estudantes até aos 23 anos e pessoas com mais de 65 anos, que actualmente beneficiam do passe Navegante gratuito. De acordo com o vereador da Mobilidade, Ângelo Pereira, a segunda fase, “a determinar oportunamente, considerando entre outros factores o seu impacto em termos de operacionalidade do sistema, em todas as suas variáveis, deverá prever futuramente que a medida” se estenda “aos munícipes da cidade de Lisboa, com residência fiscal no município de Lisboa”, entre os 24 e os 64 anos. Mas esta será só a segunda fase. Sobre a primeira, a um mês do prazo limite anunciado, reina o silêncio.

gira
Francisco Romão Pereira/ Time OutEstrangeiro a usar Gira na cidade

Numa cidade que, apesar de tudo, é conhecida pelas suas colinas, as bicicletas Gira tem conquistado adeptos. É o caso do artist and PhD student Rouzbeh Akhbari, 30 anos. “Aqui as biciletas são geralmente eléctricas e, pelo preço, é incrível. Posso ir a qualquer lado por 25€ por ano. E estão muito bem conservadas, são seguras e é um grande prazer porque tenho oportunidade de sentir a cidade de uma forma diferente.” A viver em Lisboa desde Abril, optou pela subscrição anual e não podia estar mais satisfeito. Em Toronto, Canadá, onde esteve 12 anos, era diferente. “O sistema de bicicletas existe lá, mas em primeiro lugar não são eléctricas, portanto para longas distâncias não servem, para ir para o trabalho por exemplo, a não ser que já vivas no centro da cidade. E é muito mais caro. Tinhas de pagar por uso ou mensalmente, e não é muito acessível. Além disso, durante a maior parte do ano, não podes realmente andar de bicicleta porque [a temperatura] está abaixo de zero graus.”

Este artigo foi originalmente publicado na edição de Fevereiro do jornal Lisbon by Time Out

Transportes em Lisboa

Recomendado
    Também poderá gostar
    Também poderá gostar
    Publicidade