East Atelier
© Francisco Romão PereiraEast Atelier
© Francisco Romão Pereira

Cor, equilíbrio e criatividade: eles dominam a arte das flores

São mais do que simples arranjos de flores. É arte floral ao mais alto nível e estes flower designers são mestres.

Mauro Gonçalves
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Seja Primavera, Verão, Outono ou mesmo o mais rigoroso dos invernos. As flores são para todas as estações. Sobretudo se quem as trabalhar tiver em atenção a sazonalidade, a evolução das tonalidades ao longo do ano pode revelar-se surpreendente. Esqueça as floristas tradicionais – nada contra, são só outro campeonato –, estes cinco projectos (quatro individuais, um assente numa dupla) são autênticos mestres do flower design, capazes de tornar momentos verdadeiramente inesquecíveis, usando o que a natureza lhes dá e muita imaginação à mistura. Alguns, até já receberam atenção internacional. Ora espreite.

Este artigo foi originalmente publicado na edição de Primavera 2024 da Time Out Lisboa.

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Cinco flower designers em Lisboa que tem de conhecer

Bosque

Gustavo e Tiago são os rapazes do Bosque. O nome pegou, muito antes de imaginarem que o passatempo dos fins-de-semana se ia tornar numa séria ocupação a tempo inteiro. “Começámos a ir para zonas verdes, jardins abandonados, áreas de floresta, fazer recolha de material, para depois criarmos algo que fosse diferente”, começa por explicar Tiago Bettencourt. “Havia muito esta imagem nossa no meio da mata. Vivíamos em Santa Catarina, então passávamos pelo meio da rua com ramos de árvores da nossa altura ou mais. Já aí trazíamos da natureza algo que pudéssemos trabalhar”, recorda Gustavo Camacho, que segura até hoje o leme criativo do Bosque, estúdio dedicado ao design floral.

Seis anos depois das primeiras experiências dentro de um T0 no centro do Porto, a dupla reinstalou-se. Deixou a cidade onde deu os primeiros passos – e onde angariou os primeiros clientes – e rumou a sul para se fixar nos arredores de Lisboa. Uma nova rota para quem já antes tinha mudado de vida para se dedicar às flores.

Naturais da Ilha da Madeira, Gustavo e Tiago vieram para o Continente há nove anos. O primeiro estabeleceu-se como engenheiro civil, o segundo seguiu o caminho do design. De conterrâneos passaram a namorados, de namorados a parceiros num possível novo negócio. “Cresci num meio onde vivíamos muito as flores. Na Madeira, é algo muito presente, principalmente em épocas especiais – no Natal, nas visitas pascais. E os meus familiares sempre trabalharam com flores, então sempre houve uma curiosidade da minha parte em explorar a flor”, continua Gustavo.

Em 2018, os primeiros trabalhos chegam ao Instagram e com eles os primeiros contactos e potenciais clientes. No ano seguinte, Gustavo virou costas à engenharia e dedicou-se em exclusivo ao Bosque, mas teve de esperar até 2020 para que Tiago lhe seguisse os passos. A pandemia fê-los voltar à estaca zero, mas também apurar a sensibilidade estética. Rodeados de flores – o que também teve o seu efeito terapêutico – encontraram aquela que hoje é a identidade do estúdio. Sem descurar espécies botânicas, com vista à harmonia das cores e volumes, a linguagem foi ficando mais depurada. “Um dos estilos com os quais nos identificamos é o japonês, o ikebana. Tem a ver com uma questão de equilíbrio, de refinamento e minimalismo. Quando olhamos para um arranjo ou para uma instalação floral, vemos sempre algo sobrecarregado, intenso, uma explosão de flores. É para criar impacto, no fundo. Queremos fazer o contrário disso e depurar cada vez mais. A partir daí dissemos: este é o nosso nicho”, explica Gustavo. O respeito pelo que a natureza dá impera dentro do estúdio, agora instalado na Malveira, a meia hora de Lisboa. Por estes dias, o espaço pinta-se de amarelo, culpa das mimosas que abundam por estas bandas. Sempre que possível, os florescimentos sazonais são trazidos para a bancada de trabalho.

Os casamentos dominam a agenda, tendência que a dupla quer equilibrar. Se, por um lado, o Bosque quer investir em relações com clientes fora deste universo, como já acontece com o JNcQUOI e com o Sublime Comporta, por outro, quer continuar a elevar a fasquia dos projectos desenvolvidos para momentos de celebração, segmento que lhe tem valido atenção internacional. No ano passado, um casamento em particular transbordou das revistas da especialidade para as redes sociais. A Herdade do Freixo, no coração do Alentejo, serviu de cenário. A cerimónia aconteceu a 40 metros de profundidade, o jantar junto à entrada para as vinhas. “Era tudo muito cénico, performático quase. Uma das instalações deitava fumo. Sentimos que ali quebrámos as normas”, aponta Tiago.

O acervo de peças cresce a olhos vistos – muitas são desenhadas por Tiago e produzidas em olarias locais, outras são repescadas em armazéns de antiguidades. São jarras, vasos, taças, terrinas e castiçais e só uma pequena parte é mantida à vista. “Temos o nosso espólio, mas somos um bocado chatos, na medida em que não queremos repetir aquelas peças. Como acaba por ser tudo personalizado, vamos acumulando e acumulando”, prossegue Tiago, o homem que se dedica ao design, à fotografia e à comunicação nas redes sociais. No Bosque, já se pensa num estúdio maior, mais amplo e de traça industrial. Nisso e em desenvolver um calendário próprio de workshops. O primeiro aconteceu no início de Abril e trouxe a Portugal dois ases do design floral: Frida Kim e Wagner Kreusch.

Oh, Maria Flores

A comida está na mesa. Há cenouras, rabanetes, mirtilos, meloas, uvas, citrinos, couves-flor e, claro, flores. A mesa está posta – e bem composta – neste amplo estúdio em Paço de Arcos. Mas não se iluda, porque a arte floral continua a ser o prato forte, mesmo que os produtos frescos desempenhem um papel importante nas composições de Maria Figueira. “Já não é um trabalho que inclua apenas a flor. Continua a ser um projecto floral, mas que junta as peças em cerâmica e o food styling, com a utilização de frutas e legumes”, começa por explicar a criativa, a mesma que, em 2020, abriu a Oh, Maria Flores.

O nome mantém-se até hoje, mas a marca mudou de trajectória. Há um ano, fechou a pequena loja junto à Gulbenkian – onde se vendiam sobretudo ramos de flores frescas, secas e preservadas – para se instalar num espaço maior e sem venda ao público, para pensar, criar e responder aos desafios lançados pelos clientes mais exigentes. Os casamentos – sobretudo os planeados a partir do estrangeiro – voltam a predominar. “Os pedidos para eventos e destination weddings começaram a ser cada vez mais. Acho que chegou uma altura em que percebi que era o que gostava mesmo de fazer, estava a ter a oportunidade de estimular a minha criatividade.”

Os ramos ficaram para trás e deram lugar a conceitos desenvolvidos de raiz, com cartas mais brancas do que outras. “Acaba por haver sempre um briefing”, assinala. “Seja porque preferem tons neutros, porque são foodies e gostam da parte do food styling ou porque dizem que os cogumelos são muito importantes para eles”, resume. Há, obviamente, que contar com as inclinações criativas de quem assina esta arte floral escultural e contemporânea – dos dias em que pende para o maximalismo àqueles em que só quer contemplar uma única flor numa jarra.

Os ingleses chamam-lhe tablescape, mas para Maria é o pão nosso de cada dia. Pensar uma mesa de uma ponta a outra (com excepção da ementa) do ponto de vista criativo, mas também à luz de valores como a sazonalidade ou a proveniência das cerâmicas. Muitas das peças nas estantes são da A La Pata, uma marca lisboeta, enquanto os baldes se enchem com os primeiros botões da Primavera. Maria escolhe os ranúnculos para preparar um arranjo sobre duas colunas de acrílico. A época vai no auge e estes são os mais farfalhudos que alguma vez lhe apareceram. Como se não bastasse são cor-de-rosa, a cor que, provavelmente, mais puxa para as composições. Em suma: “Não há ranúnculos como os de agora.”

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Kokuga Flower Studio

O pequeno espaço de trabalho de Nathan Kunigami pode muito bem ter sido uma retrosaria, tal é a simetria das estantes em arco. Hoje, cheira a flores, mas nem por isso se assemelha a um jardim. É que o estilo que aqui se pratica vive do equilíbrio e não do excesso, do minimalismo e não da profusão. O ikebana, arte floral japonesa com séculos de história, é aqui seguido à risca.

Passaram seis anos desde que se mudou para Portugal e mudou de carreira. Hoje, trabalha para elevar a fasquia do estúdio que ele próprio construiu, a começar pela escala. “É algo que sempre quis explorar e agora existe uma tendência muito grande. As pessoas começam a entender que o design floral é mais do que um arranjo. Sempre tive vontade de fazer instalações que ocupem salas inteiras”, refere Nathan.

Aos poucos, o Kokuga Flower Studio espalha as suas cores pela cidade – uma mistura de contenção japonesa e exuberância tropical, que sintetiza o perfil criativo do próprio autor, filho de pai japonês e mãe brasileira. Há criações no restaurante Kabuki, no Vago, bar em Santos, na loja Benamôr do Parque das Nações e no hotel Corinthia. Muitas delas reflectem o actual fascínio de Nathan por orquídeas – uma flor com milhares de variedades espalhadas pelo mundo, mas apenas alguns exemplares dentro deste pequeno estúdio. À semelhança de todas as outras espécies, são cuidadosamente manuseadas com a ajuda de tesouras e de um par de pauzinhos. Aqui, não há sushi, mas há flores e é preciso tratá-las com delicadeza.

Diogo Maia Caeiro

É dia de Diogo Maia Caeiro fotografar a sua mais recente criação – uma espécie de altar, onde as rendas brancas são parte de um velho vestido de noiva e os antúrios, cobertos de cera, têm um aspecto especialmente polido. Para este jovem criativo, parece não haver limites à manipulação das flores. Com as próprias mãos e recorrendo a todo o tipo de materiais, dobra, tinge, molda e transforma, explorando a plasticidade da natureza. “Há sempre um elemento, em quase tudo o que faço, que não está na sua forma natural. Gosto da manipulação das pétalas e das flores e de experimentar coisas diferentes – de algo mínimo, criar algo maximalista”, partilha.

Encontrou o design floral depois da pandemia. Uma amiga levou-o a descobrir um exercício criativo com possibilidades praticamente infinitas. Pouco tempo depois, rumava a Madrid para aprender mais sobre a arte. Ganhou-lhe o gosto, aperfeiçoou a técnica e, há dois anos, regressou a Lisboa com uma certeza – tinha de destacar-se com uma estética diferente de todas as outras. “Adoro pintar antúrios com spray, usar troncos de magnólia ou mimosa sem mais nada. A flor é um material e pode ser apresentado de várias formas. De repente, uma rosa já não é uma rosa, uma costela-de-adão já não é uma costela-de-adão. Quero descontruir a flor enquanto símbolo”, continua.

Hoje, o trabalho que faz anda de mãos dadas com o set design. No estúdio que criou no final do ano passado, os dois universos convivem e entrecruzam-se. A Lisboa, diz faltar o culto das flores – um estigma que insiste em remetê-las para casamentos ou funerais. É essa a ironia do altar branco erguido por Diogo num estúdio fotográfico. De velas acesas, a composição assume uma dimensão performática, à medida que a cera vermelha começa a escorrer. Lágrimas de sangue? Talvez, a provar que tudo é possível quando se trata de flores – até pô-las a chorar.

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East Atelier

Se há quem trabalhe o aparato e a transformação, Anita Parilova está no extremo oposto. Em Moscovo já costumava entregar arranjos, mas a vinda para Lisboa – há oito anos – fê-la explorar outros caminhos. Da cozinha para o catering de eventos, o design floral voltaria a bater-lhe à porta, muitas vezes em relação directa com a comida. Hoje, é as mãos por trás do East Atelier, projecto próprio criado há dois anos, assente na simplicidade das flores locais.

“Gosto de coisas muito simples. No caso dos casamentos, tenho de atender ao que as pessoas pedem, por vezes espécies mais raras. Mas no resto do meu trabalho, uso as flores de que ninguém gosta. Acho que os meus olhos conseguem ver beleza onde os outros não vêem”, afirma. Instalou um pequeno atelier dentro de casa, um apartamento na Mouraria, onde – garante – 98% das flores são de proveniência local. Para isso, conta com a ajuda de pequenos produtores e jardineiros sediados em Lisboa e arredores. São quantidades reduzidas, possíveis sempre que trabalha à escala de um nicho ainda pouco explorado.

“A natureza em Portugal é algo brutal, as pessoas têm de conhecê-la e aprender mais sobre ela”, continua. O sonho de Anita passa por aí – ter a sua própria quinta e poder cultivar as suas próprias flores e, ao mesmo tempo, abrir o atelier a uma vertente mais cultural e educativa, com venda de flores, workshops, leituras e exposições, sempre em torno da botânica. Fala também em trabalhar onde as flores e o cinema se encontram. “É um trabalho que exige imensa investigação, sobretudo se forem filmes de época.”

O melhor da criatividade lisboeta

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Luz não falta neste último andar lisboeta. Estamos em São Bento, onde a pacatez das pequenas ruas contrasta com o alvoroço dos principais eixos da cidade. Aqui, a vida segue praticamente imperturbável, além de preenchida e colorida. Mais pé-direito houvesse e Sofia Tillo saberia exactamente o que pendurar. Afinal, são já mais de dez anos a comprar arte e o mínimo que uma coleccionadora pode exigir da sua nova casa é que tenha muitas e generosas paredes para encher a seu bel-prazer.

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São lojas com universos próprios, com espaço para moda, decoração, livros, acessórios e até comida. E ninguém se chateia, todos ganham em ver os diferentes produtos reunidos em torno de um único conceito. Se procura uma peça especial, é muito provável que a encontre numa destas concept stores lisboetas, afinal a curadoria é a alma destes negócios e propor objectos que não se encontram ao virar da esquina é a sua especialidade. Resumindo, é uma espécie de elite dentro do roteiro de compras da cidade. Fique a conhecer as melhores concept stores de Lisboa.

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  • Tatuagens e piercings

É agulha, mas não pica. É desenho, mas nem sempre tem cor. A tatuagem já foi marginal, mas hoje está ao virar de cada esquina e faz parte do pulsar da cidade. Pode ter um significado profundo, ou ser só mais um ornamento. Para provar que o desejo de desenhar sobre a pele arde mais do que nunca, batemos à porta de dez tatuadores lisboetas – dentro ou fora dos principais estúdios. São eles os mais recentes embaixadores de uma arte que continua a crescer em estilos, tons, temas e linhas. 

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