Ruth
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António Pinhão Botelho: "O Eusébio queria era jogar à bola"

Apesar de ser sobre Eusébio, ‘Ruth’ não tem gente a jogar à bola nem imagens de arquivo de jogos de futebol. Nem é apenas para benfiquistas, como explica o realizador, António Pinhão Botelho.

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Filho de benfiquistas (a jornalista Leonor Pinhão e o realizador João Botelho), e benfiquista dos quatro costados, António Pinhão Botelho estreia-se a realizar longas-metragens com Ruth, escrito pela mãe. É a história da rocambolesca luta entre o Benfica e o Sporting pela contratação de Eusébio, no início dos anos 60. Ruth era o nome da filha de um talhante de Lourenço Marques, benfiquista ferrenho, sob o qual o futebolista viajou de Moçambique para Lisboa, às escondidas dos sportinguistas. O realizador diz à Time Out que não quis fazer um filme "só para benfiquistas". Ruth é sobre “Eusébio antes de se transformar numa lenda”.

Esta história já foi contada nalgum livro ou numa reportagem de jornal, ou corre apenas por aí, é matéria de conversas do meio do futebol?

Não há nenhum livro, nada. O próprio Eusébio falava muito sobre isto, mas só saiu nos jornais da altura. Na edição de 16 de Dezembro de 1960, A Bola noticia a chegada de Eusébio a Lisboa sob este nome falso, Ruth. Foi uma coisa que se soube então, não ficou escondida, mas depois caiu no esquecimento. Ficou mais viva a polémica entre Benfica e Sporting do que os pormenores deste enredo rocambolesco.

Ruth não é um filme sobre futebol, nem tem sequências de futebol. O destaque vai todo para esta história quase policial da luta pela contratação do Eusébio. Porquê?

Nunca nos apeteceu fazer um filme sobre futebol porque actores a jogar à bola não é uma coisa muito bonita de se ver. O que nos interessou foi fazer um filme antes da lenda. O filme acaba onde a lenda começa. Tentámos fazer um retrato social de época e de costumes, aproveitando este símbolo, esta lenda que eu tive a sorte de ainda apanhar em vida. Não é um filme sobre futebol, mas aproveita este lado de ópio do povo que o futebol tinha no antigo regime, e que ainda continua a ter agora, em democracia. Este lado negativo do futebol existe ainda, mas muito mais azedo do que nessa altura, pelas polémicas, pela violência e tudo isso.

E você põe todos os problemas dessa época a serem subalternizados por esta história do Eusébio.

Sim, o eclodir da guerra em Angola, o assalto ao Santa Maria, as pressões da ONU e da administração Kennedy sobre Portugal, tudo isso passa para segundo plano. O que interessa é onde vai jogar o Eusébio, no Benfica ou no Sporting. E hoje em dia passa-se o mesmo. Fala-se mais nos penáltis do jogo do fim-de-semana do que da Síria ou do Trump. Fizemos a ponte para o nosso tempo através dessa crítica social e deste espaço que o futebol ocupa na vida portuguesa.

E o Eusébio também não tinha preocupações políticas, pois não?

Não. O Eusébio queria era jogar à bola, fosse no Benfica ou no Sporting. Ele mesmo dizia isso.

Ruth foi rodado em Portugal e em Moçambique. Foi fácil filmar lá?

O Ruth é uma co-produção com uma casa moçambicana, que nos ajudou logo à partida e foi sempre muito útil para facilitar a rodagem e ajudar a encontrar a casa do Eusébio no bairro da Mafalala, por exemplo, entre outras coisas. Lá em Maputo ainda há muitas fechadas que estão como nos anos 60. Acabou por ser um bocadinho mais fácil filmar a época em Moçambique do que em Lisboa. É muito difícil fazer um filme de época em Lisboa, a cidade mudou muito, está muito turística. Aproveitámos o que pudemos, e tudo o que estivesse fora de época apagámos digitalmente.

Como é que encontrou o actor que faz de Eusébio, o Igor Regalla?

Foi o único papel para o qual fiz casting, lá e cá. Eu sou um privilegiado por ter nascido no meio do cinema e por isso conheço muitos actores. Este filme foi a melhor experiência humana da minha vida. É o filme de um cinéfilo que está acompanhado por pessoas que deram tudo, é um grande esforço de equipa. Mas para o papel do Eusébio, vi mais de 100 pessoas. O Eusébio era um bocado tímido, e sempre manteve esse seu lado tímido e humilde. E o Igor, que encontrei cá em Portugal, tem um sorriso carismático que nos faz acreditar que ele é o Eusébio, acreditamos naquela timidez dele. Ele tem ascendência guineense e só tinha feito pequenos papéis em novelas, mas conseguiu acartar com esta responsabilidade de ter uma lenda viva às costas, de retratar este homem que foi maior que o próprio clube, que a selecção nacional, que o próprio país.

O filme é sobre uma glória do Benfica e feito por benfiquistas, mas pretende ir além desse público de adeptos e cinge-se aos factos. Acha que foi a opção correcta?

Sim. Nós fomos o mais fiéis possível à época e aos factos, embora, por exemplo, tivéssemos que condensar cinco anos da vida do Eusébio, desde a partida de Moçambique, em dois. Por outro lado, tentámos ser imparciais, mas sendo escrito pela minha mãe e realizado por mim, o filme vai ser sempre conotado como sendo pró-Benfica. Sinceramente, não acho que o seja. O Benfica e o Sporting são ambos gozados e na realidade, o Ruth não é sobre o Eusébio. É sobre este episódio rocambolesco da vida dele, sobre a eterna rivalidade Sporting-Benfica e sobre o Portugal dessa época. 

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