João Salaviza
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“Este filme traz o desejo de um outro cinema”

Conversámos com o casal luso-brasileiro de realizadores de "Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos", filme premiado em Cannes agora nas salas de cinema

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João Salaviza e Renée Nader Messora passaram quase um ano na aldeia dos índios Krahô, no Brasil, que Renée já visitava desde 2009. Lá rodaram, sem equipa, Chuva é Cantoria na Aldeia
dos Mortos. É um filme algures entre o documental e o ficcional, sobre Henrique Ihjãc Krahô, um jovem índio, casado e com um bebé, que não consegue consumar o luto pelo pai e foge da aldeia para a vila. Foi Prémio do Júri da secção paralela Un Certain Regard no Festival de Cannes.

Os seus filmes são todos feitos em Lisboa e arredores. De repente, depois de Montanha, atravessa o oceano, vai para o Brasil, para o mato, filmar uma tribo de índios. O que motivou esta vontade radical de mudar o seu cinema?
João Salaviza (JS) –
Por um lado, senti
 que o Montanha era o culminar de um processo de pesquisa e de aproximação a temáticas que me interessavam muito. A adolescência, Lisboa, coisas que considero próximas. E também senti um certo esgotamento de um modelo de fazer cinema que me começava a espartilhar. A Renée
 foi assistente de realização no Montanha, conhecemo-nos em Buenos Aires, em 2006, na Universidad del Cine, onde estudámos. Desde 2009 que ela vai à aldeia Krahô,
 e tem uma relação de proximidade com eles. Começámos a ser um casal depois da rodagem do Montanha e eu acabo por a acompanhar à aldeia, para limpar a cabeça e depois começar essa outra odisseia que é a montagem. E fiquei encantado pelos Krahô e por algumas pessoas que conheci nessa primeira viagem.


E como surgiu o filme?
JS – Inicialmente como o desejo de encontrar uma forma de viver naquele lugar, de tentarmos aproximar-nos de coisas daquele mundo que são tão diferentes da nossa tradição ocidental. O filme foi feito de uma forma quase doméstica, quase não-industrial, de ofício. Expressa o desejo de uma outra vida, de um outro cinema, de uma forma de fazer, de produzir e de viver, relacionado também com o nosso amor, que se foi construindo pelo meio. Neste filme há uma proximidade enorme entre todos, num modelo muito pequeno. Não houve uma ideia programada de mudar radicalmente. Aconteceu, apenas, embora já houvesse uma sensação de esgotamento, sim.


Sempre quiseram esbater a fronteira entre o documentário e a ficção?

Renée Nader Messora (RNM) –
Essa nunca foi uma preocupação. Sempre soubemos que
 o filme ia ter que caminhar um pouco no fluxo das coisas, porque sabíamos até onde ele podia ir. É claro que se vamos filmar uma festa de luto, muito importante para aquela comunidade, não vamos interferir nela de uma forma invasiva. Porque
 aquela festa também é nossa, nós estamos naquela comunidade e participamos na rotina daquelas pessoas. Estamos também a chorar aqueles mortos. Filmámos duas festas diferentes e conseguimos que fizessem sentido dentro da narrativa.

Mas também têm sequências encenadas.
RNM –
Sim, há sequências que são pura encenação, superclássicas, com diálogos escritos e sempre com intermediação dos protagonistas. Cada sequência pedia um olhar específico. E no final saiu este monstro que ninguém consegue enfiar numa caixinha [risos].

JS – As situações colectivas, de rituais, estavam a acontecer no calendário festivo da aldeia e não porque precisávamos de
as filmar. As cenas mais trabalhadas são muito encenadas. Depois, a montagem agrupa estas cenas e dá-lhes um sentido
e uma lógica. Mas as nossas propostas de cinema sofriam sempre um processo de apropriação por parte dos Krahô. Se alguma coisa não fizesse sentido, eles recusavam fazer, boicotavam a cena ou propunham outra coisa. Há sempre uma convicção nas palavras e nos gestos que equilibra as partes mais documentais e as mais ficcionais, o que dá coesão ao filme.


RNM – Trabalhámos a ficção dentro de um espectro possível da realidade Krahô. Não há nada ali que não fosse possível acontecer com aquelas pessoas.

Em termos técnicos, foi fácil fazer este filme?
JS –
Menos do que possa parecer e as pessoas possam pensar. Não havia equipa, mas havia tempo. E filmámos em negativo, com uma câmara de ferro com 20 anos, onde os únicos problemas possíveis são mecânicos e não electrónicos ou digitais.


RNM – Havia tempo para as coisas acontecerem, havia todo o planeamento necessário e a possibilidade de 
refazer o que não resultava. Tudo o 
que sentíssemos como necessário,
 era possível. Tudo o que um filme geralmente não tem. E tínhamos uma comunidade inteira disposta a ajudar no que fosse preciso.

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