Esta nova realização de Juan José Campanella é uma comédia negra que, por ter como principais protagonistas quatro veteranos desta arte, se diverte a brincar às convenções dos filmes com o espectador, ao mesmo tempo que celebra a vitória da experiência de quem já viveu muito sobre a insolência de quem por ser jovem pensa que o mundo é seu e pode dispor dele, e dos outros, a seu bel-prazer.
Os protagonistas de O Conto das Doninhas são quatro veteranos do cinema reformados, que vivem juntos: uma diva e o marido, actor, um realizador e um argumentista. O realizador explica-se à Time Out sobre esta fita, que faz o elogio da terceira idade com muito veneno à mistura.
Porque é que fez o remake de um filme argentino dos anos 70, em vez de uma história original?
Eu tinha este projecto desde 1997, quando escrevi a primeira versão do argumento. E já teve várias encarnações. Entretanto, fiz teatro, voltei ao cinema, traduzi-o para inglês, até perceber que estava à espera de um momento especial da minha vida para o filmar, e também do elenco ideal. Porque é um filme que tem que ser interpretado por quatro grandes actores. E não me importa se é um remake ou uma história original. O Segredo dos Seus Olhos é uma espécie de remake, porque é a versão cinematográfica de um livro. O que importa mesmo é a nova versão.
O que é que lhe interessa mais no argumento, a história de amor e de amizade, ou a comédia negra?
São ambas importantes, porque totalmente distintas. Os afectos antigos, sejam amorosos, entre Mara e Pedro, ou de amizade, entre os quatro, têm a ver com o tema do filme. Sou muito interessado nas relações de longa data, em qualquer das suas formas. E o humor negro tem a ver com o tom da fita.
O filme brinca com a forma como o cinema funciona e a percepção que os espectadores têm dele. Isto já existia no original?
No filme original, só havia duas personagens, e não quatro, que trabalhavam no cinema. Mara, a grande diva, e o marido, um actor de segundo plano. Foi um dos elementos que me atraíram para rodar o remake. Converti a história numa homenagem ao cinema e a quem o faz. Daí também esse joguinho com os espectadores de ir explicando os mecanismos de um argumento, mostrar os clichés, etc. Homenageio – com carinho –, todos os defeitos daqueles que trabalham nesta profissão. Nada disto estava na fita original.
Fazem-se poucos filmes com personagens idosas. Foi importante mostrar aqui que há boas histórias sobre pessoas de idade para filmar, e bons actores para as interpretar?
Esse tema interessa-me muito, bem como outro dos grandes assuntos deste filme: a altura em que decidimos deixar de viver e começar a sobreviver. Essa escolha não existe aos 20 anos. Mas quanto mais uma pessoa avança nos anos, e mais coisas concretizou, mais isso está presente. E os idosos, nos meus filmes, recusam-se a fazer essa escolha. Por isso, tornam-se em pessoas mais jovens do que as outras personagens. É o que acontece em O Conto das Doninhas.