Jean-Baptiste Lully
Jean-Baptiste Lully por Chabert

Dez compositores que tiveram mortes invulgares

O habitual é que os compositores levem vidas pacatas e morram de velhice. Mas alguns tiveram mortes pouco ortodoxas

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O que é habitual é que os compositores levem vidas pacatas sentados ao piano a compor e que morram de velhice ou, no período Romântico, de tuberculose. Mas houve quem tivesse mortes muito pouco ortodoxas. Desde acidentes de bicicleta (caso de Ernest Chausson) a punhaladas (Jean-Marie Leclair e não só), queda de móveis (Charles-Valentin Alkan), sentinelas demasiado zelosas (Anton Webern) ou até pequenas feridas de aspecto inócuo que acabam por gerar infecções mortais (por exemplo, Aleksandr Scriabin ou Jean-Baptiste Lully) – foi assim que uns quantos grandes compositores viram a sua carreira abruptamente interrompida.

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10 compositores que tiveram mortes invulgares

Alessandro Stradella (1644-1682)

Stradella, prolífico compositor italiano de óperas (seis), oratórias (seis) e cantatas (cerca de 170), teve uma vida assaz conturbada. Começou por se ver obrigado a fugir de Roma por ter tentado desviar dinheiro da Igreja. Após novos sarilhos com a Igreja e segunda fuga de Roma, em 1677, o nobre veneziano Alvise Contarini contratou-o como professor de música da sua amante, mas Stradella apaixonou-se pela aluna e fugiu com ela para Turim. Contarini enviou esbirros no seu encalço, que o apunhalaram na rua e fugiram, crendo que o tinham morto, mas Stradella sobreviveu e buscou refúgio em Génova, onde se envolveu com a mulher de um nobre da família Lomellini. E desta vez o assassino contratado pelos Lomellini não deixou o trabalho a meio.

[Cantata Furie del Nero Tartaro, por Riccardo Ristori (baixo) e o Alessandro Stradella Consort, dirigido por Estevan Vellardi]

Jean-Baptiste Lully (1632-1687)

Giovanni Battista Lulli nasceu em Florença mas foi levado aos 14 anos para Paris por um nobre francês que precisava de um rapazinho gracioso que conversasse em italiano com a sua sobrinha e a entretivesse. Os dotes de bailarino de Lulli chamaram a atenção do então jovem Luís XIV, um aficionado da dança, e a amizade estabelecida com o rei, aliada ao indiscutível talento, à determinação e a intrigas, permitiu-lhe dominar por completo a música no país de adopção (entretanto naturalizara-se francês). Quando dirigia um Te Deum de sua autoria para celebrar o restabelecimento do Rei-Sol de um achaque, acertou no dedo grande do pé com o pesado bastão com que marcava os tempos no estrado. A ferida não foi devidamente tratada, gangrenou e Lully recusou-se terminantemente a que fosse amputada, pois assim deixaria de poder dançar. Três meses após o incidente, Lully morreu de septicemia.

[Abertura instrumental do Te Deum LWV 55]

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Jean-Marie Leclair (1697-1764)

Após uma noite passada a jogar bilhar com os amigos, Leclair, um prodigioso violinista francês que compôs vários concertos e sonatas para o seu instrumento, foi encontrado apunhalado em casa, num mal frequentado subúrbio parisiense, para onde se mudara após ter deixado intempestivamente a sua esposa. O crime nunca foi esclarecido mas há três suspeitos: o jardineiro, que foi quem encontrou o corpo; o sobrinho de Leclair, Guillaume-François Vial, também violinista e que se sentia injustiçado por o tio não apoiar mais a sua carreira; e a sua esposa, que, abandonada e sem meios de subsistência, passava por sérios apertos financeiros – e que após a morte de Leclair tirou proveito da reedição das suas obras.

[“Chaconne” da Récréation de Musique op.8 (1737), para dois violinos e baixo contínuo, por Les Nièces de Rameau]

Louis Moureau Gottschalk (1829-1869)

Pianista norte-americano, nascido em New Orleans, de ascendência mista judia e crioula, passou boa parte da vida em tournée pelas Américas. Em 1865, um caso escandaloso com uma aluna de piano forçou-o a abandonar os EUA e a viajar pela América do Sul. Faleceu num hotel na Tijuca, no Rio de Janeiro, a 21 de Novembro de 1869, após ter contraído febre amarela – um rumor pretende que o pianista terá colapsado após ter executado uma sua peça intitulada “Morte!!”, mas outra versão sugere que terá sido quando iniciava a execução de outra peça sua, “Tremolo”. Há quem sugira que a morte não terá sido provocada directamente pela febre mas por uma overdose de quinino, medicamento usado para a combater. Outra versão ainda defende que a morte não resultou da febre amarela mas da acumulação de pus resultante da ruptura de um abcesso no abdómen.

[“Morte!!”, por Georges Rabol]

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Charles-Valentin Alkan (1813-1888)

Alkan, nascido em Paris numa família judia, foi um notável pianista e compositor, cuja obra foi consagrada quase exclusivamente ao seu instrumento. Durante anos circulou o rumor de que Alkan teria morrido sob uma estante que se despenhou sobre ele quando pretendia chegar a um exemplar do Talmude. Fontes mais credíveis indicam que assassino terá sido antes um porte-parapluies, uma espécie de bengaleiro para guarda-chuvas e casacos.

[I andamento (Allegro) da Sinfonia para Piano Solo (1857), por Marc André Hamelin, num registo ao vivo]

Ernest Chausson (1855-1899)

O compositor francês deixou uma obra breve – 39 números de opus – mas de grande valor, entre as quais se conta o Poème para violino e orquestra (1896), o ciclo de canções orquestrais Poème de l’Amour et de la Mer (1882-92), uma sinfonia (1890) e um quarteto de cordas inacabado. Numa estadia numa das suas casas de campo, em Limay, perdeu o controle da bicicleta ao descer uma encosta e estatelou-se contra um muro, tendo morte instantânea. Pode ser considerado como um trágico precursor do downhill.

[“Le Temps des Lilas”, do ciclo de canções orquestrais Poème de l’Amour et de la Mer (1882-92), por Ruby Hughes (soprano) e a Orquestra Sinfónica da BBC, dirigida por Pascal Rophé]

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Aleksandr Scriabin (1872-1915)

O compositor russo era dado a arrebatamentos místicos, compôs obras inflamadas, atormentadas e extáticas com títulos grandiloquentes. E a sua megalomania e extravagância foram intensificando-se com o passar dos anos, deixando entender pelas suas declarações e escritos que se via como um Messias. Ironicamente, a sua morte nada teve de heróico ou grandioso: sucumbiu, aos 43 anos, a uma septicemia causada, segundo uns, pela infecção de um corte que fez ao barbear-se, segundo outros pelo carbúnculo transmitido por uma picada, num lábio, de uma mosca-dos-estábulos.

[“Vers la Flamme”, por Vladimir Horowitz, em 1972]

Enrique Granados (1867-1916)

Foi, com Isaac Albéniz e Manuel de Falla, um dos expoentes da música nacional espanhola na viragem dos séculos XIX-XX. Em 1915, viajou até Nova Iorque, para supervisionar a estreia na Metropolitan Opera da sua ópera Goyescas. No regresso a Espanha, fez escala na Grã-Bretanha e o paquete Sussex, que tomou para atravessar o Canal da Mancha, rumo ao porto francês de Dieppe, foi torpedeado por um submarino alemão. Granados foi resgatado da água para um salva-vidas, mas ao ver a sua esposa em dificuldades, saltou para a água para a salvar e morreu afogado.

[“Quejas o La Maja y el Ruiseñor”, peça n.º 4 da suíte para piano Goyescas op. 11 (1911), por Jorge Luis Prats]

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Alban Berg (1885-1935)

O compositor austríaco foi, com o seu mestre Arnold Schoenberg e o seu co-discípulo Anton Webern, uma figura central da “Segunda Escola de Viena”, que aboliu a tonalidade na música e instituiu o dodecafonismo e o serialismo. Uma picadela de uma mosca terá sido a causa de um carbúnculo nas costas, que a sua esposa tentou remover com a ajuda de uma tesoura, uma operação desastrado que deu origem a uma septicemia.

[Cena final da ópera Lulu, com Marlis Petersen (Lulu), Bo Skovhus (Jack o Estripador), Daniela Sindram (Condessa Geschwitz) e a Bayerisches Staatsorchester, direcção de Kirill Petrenko e encenação de Dmitri Tcherniakov; gravação ao vivo na Bayerische Staatsoper, 6 de Junho de 2015]

Anton Webern (1883-1945)

Quando se alertam os fumadores para os malefícios do tabaco, a morte de Webern não costuma ser mencionada, mas não deixa de reflectir um sério inconveniente associado ao tabagismo. Em Setembro de 1945, a II Guerra Mundial já tinha acabado há alguns meses, mas na cidade austríaca de Mittersill, sob ocupação americana, ainda vigorava o recolher obrigatório. Webern sentiu o impulso de dar umas passas num charuto e, a fim de não incomodar com o fumo os netos, que dormiam, saiu para o exterior da casa e foi abatido por um disparo de um soldado americano demasiado zeloso em fazer cumprir o recolher obrigatório.

[Cinco Andamentos para Quarteto de Cordas op.5 (1909), pelo Cuarteto Casals]

Mais clássica

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Na música, o período Romântico cobre quase todo o século XIX e os primeiros anos do século XX. Há quem veja o Beethoven dos últimos anos de vida como o primeiro romântico e Rachmaninov, que continuou a compor música nos moldes oitocentistas muito depois das revoluções operadas por Debussy, Ravel, Stravinsky e a Segunda Escola de Viena, como o último romântico. Nestas contas não costumam entrar os Neo-Românticos da década de 1980, como os Duran Duran e os Human League, cuja contribuição se exerceu menos na área da música do que na do hairstyling & makeup.

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Sete obras clássicas compostas por miúdos
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Num cartoon de Calvin & Hobbes, a dupla está a ouvir música e o tigre, lendo a contracapa do LP, informa Calvin de que Mozart teria composto a peça que estão a ouvir aos quatro anos. Calvin fica perplexo e responde que essa foi a idade com que ele tinha aprendido a fazer as suas necessidades na casa de banho. A forma como o cérebro humano se relaciona com a música é um enigma e uma fonte de prodígios e permite que crianças e adolescentes imaturos nos restantes aspectos da vida sejam capazes de criar obras musicais de sofisticação e profundidade comparáveis às de um compositor adulto.  

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