Margarida na Roca
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Sete canções românticas que precisa de ouvir

“Canções românticas” podem ser “Na Cabana Junto à Praia”, de José Cid, ou “Baby”, de Justin Bieber, mas aqui recorremos ao significado primordial desta expressão.

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Na música, o período Romântico cobre quase todo o século XIX e os primeiros anos do século XX. Há quem veja o Beethoven dos últimos anos de vida como o primeiro romântico e Rachmaninov, que continuou a compor música nos moldes oitocentistas muito depois das revoluções operadas por Debussy, Ravel, Stravinsky e a Segunda Escola de Viena, como o último romântico. Nestas contas não costumam entrar os Neo-Românticos da década de 1980, como os Duran Duran e os Human League, cuja contribuição se exerceu menos na área da música do que na do hairstyling & makeup.

Se o Romantismo na literatura foi uma invenção germânica, foi também a Alemanha a desempenhar o papel central no Romantismo musical e uma das formas mais cultivadas pelos compositores românticos foi o Lied (plural: Lieder), palavra alemã que tem o significado genérico de "canção", mas que, no contexto da música clássica, costuma designar a canção para voz solo e piano (mais raramente com orquestra) de compositores alemães. Os românticos não inventaram o Lied – Mozart e Beethoven compuseram um bom número deles – e o Lied não acabou com o fim do Romantismo – Schoenberg, Webern ou Eisler também compuseram canções em alemão para voz e piano, mas que são alheias aos padrões do Romantismo.

Sete canções românticas que precisa de ouvir

“Gretchen am Spinnrade” D.118, de Schubert

Ano: 1814

Em apenas 15 anos de actividade intensa, Franz Schubert (1797-1828) compôs o assombroso número de 625 Lieder. O primeiro que se conhece, “Hagars Klage” (“O Lamento de Agar”) D.5 data de 1811, tinha ele 14 anos, o último foi “Die Taubenpost” D.965, composto um mês antes da morte.

“Gretchen am Spinnrade” (“Margarida na Roca”) é uma das suas obras mais notáveis – embora tivesse apenas 17 anos quando a compôs – e recorre a um poema do símbolo máximo do Romantismo germânico, Johann Wolfgang von Goethe, que Schubert tinha em grande apreço e cujos poemas musicou repetidamente. O texto provém da I parte do Fausto e dá-nos a ver/ouvir Margarida a fiar, mecanicamente, numa roca, enquanto o seu espírito, que descobriu pela primeira vez o que é estar apaixonada, medita gravemente nas promessas que Fausto lhe fizera: “Foi-se a minha paz/ E pesa-me o coração”. O girar incessante da roca é transmitido pelo ritmo obsessivo do piano que só se quebra momentaneamente quando Gretchen, perturbada pela recordação de um beijo, se esquece de accionar o pedal que movimenta a roca.

[Por Brigitte Fassbaender (mezzo-soprano) e Erik Werba (piano), 1974]

“Der Leiermann” D.911/24, de Schubert

Ano: 1827

“Der Leiermann” (“O Homem do Realejo”) fica no outro extremo da vida de Schubert: é o Lied que fecha o ciclo Winterreise (Viagem de Inverno) D.911, sobre 24 poemas de Wilhelm Müller. O ciclo acompanha as ruminações de um homem a quem a rejeição pela amada deixou meio destrambelhado e que vagueia por uma paisagem invernal onde encontra sinais e metáforas da sua paixão e da sua solitária condição. Anda pela neve em círculos, como circulares são os seus pensamentos, assombrados por recordações de um tempo em que a vida parecia sorrir-lhe. Neste devaneio solitário e cada vez mais alienado, é preciso esperar pela 24.ª canção, “Der Leiermann”, para que surja, pela primeira vez, um ser humano na desolada paisagem. Mas será este um vulgar (e esfarrapado) tocador de realejo – cuja cegarrega monótona o piano evoca magistralmente – ou estaremos perante uma encarnação da Morte? A música, despojada e espectral, aponta para a segunda hipótese.

[Por Matthias Goerne (barítono) e Markus Hinterhäuser (piano), numa performance com encenação e vídeos de William Kentridge]

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“Auf Einer Burg” op.39/7, de Schumann

Ano: 1840

Com excepção de alguns ensaios de juventude, Robert Schumann (1810-1865) não prestou atenção ao Lied até que em 1840 foi possuído por uma inspiração torrencial, que resultou na produção de 138 canções só nesse ano. Entre as jóias do ano prodigioso estão as duas colecções com o título Liederkreis, a op.24, sobre poemas de Heine, e a op.39, sobre poemas de Joseph Eichendorff, um dos nomes maiores do Romantismo alemão e que foi um dos poetas mais musicados por Schumann, bem como pelos seus colegas Mendelssohn, Brahms, Wolf e Richard Strauss (estima-se que existam cerca de 5000 canções a partir de poemas seus).

Uma das características do movimento romântico foi o interesse por uma Idade Média de fantasia, filtrada pelo véu das lendas, romances de cavalaria e canções de gesta. A canção “Auf Einer Burg” (“Num castelo”), do Liederkreis op.39, não podia ter tema mais “romântico”: um velho cavaleiro petrificado que se mantém em vigília, há séculos, num castelo abandonado e silencioso, e vê passar lá em baixo, junto ao Reno, um alegre cortejo nupcial.

[Por Christian Gerhaher (barítono) e Gerold Huber (piano)]

“Freudvoll und Leidvoll” S.280. de Liszt

Ano: 1844, revista c.1860

Franz Liszt (1811-86) é mais conhecido como autor de uma copiosa quantidade de peças para piano, algumas de mirabolante exigência técnica, mas também foi um notável compositor de Lieder, nomeadamente da pérola de requintada sensibilidade que é “Freudvoll und Leidvoll” (“Alegrias e sofrimentos”), sobre um texto de Goethe que já tinha sido musicado por Beethoven e Schubert e que nos dá conta das oscilações da alma humana, entre a felicidade que a lança aos céus e a depressão que a mergulha nas profundezas e conclui que “A única alma feliz é a que ama”.

[Por Barbara Bonney (soprano) e Antonio Pappano (piano), 2011]

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“Gestillte Sehnsucht” op.91/1, de Brahms

Ano: 1884

Johannes Brahms (1833-1897) não é tão conhecido como compositor de Lieder como Schubert e Schumann, mas deixou uma produção notável em quantidade (duas centenas) e qualidade.

As Duas Canções op.91, para voz de contralto, datam da parte final da sua carreira e têm a particularidade de somar uma viola ao piano, reflectindo uma ambição do compositor em extravasar as convenções do Lied e aproximar-se da linguagem orquestral. Mas, na arte nem tudo é movido por considerações artísticas e a junção da viola resultou também de Brahms ter concebido “Geistliches Wiegenlied” (que viria a ser a op.91/2), em 1863, como presente de casamento para o amigo Joseph Joachim, um violinista famoso (que também tocava viola), e a sua esposa, a contralto Amalie Schneeweiss. Em 1884, Brahms reviu a “Geistliches Wiegenlied” e juntou-lhe a “Gestillte Sehnsucht” (“Nostalgia Apaziguada”) e voltou a oferecer a partitura ao casal, numa tentativa de conferir alguma serenidade a um casamento que se revelara tormentoso.

“Gestillte Sehnsucht”, sobre texto de Friedrich Rückert, tem uma atmosfera de indizível serenidade e melancolia, com a música em perfeita sintonia com o verso de abertura: “Imerso no resplendor dourado do crepúsculo/ Quão solene se ergue o bosque”.

[Por Anne Sofie von Otter (mezzo-soprano), Bengt Forsberg (piano) e Nils-Erik Sparf (viola)]

“Ging Heut’ Morgen Über’s Feld”, de Mahler

Ano: 1884, orquestrada em 1896

Não há figura mais típica do Romantismo do que o Wanderer, o viandante solitário que caminha através de paisagens ermas, que por vezes lhe suscitam um sentimento de serena comunhão com a natureza, outras vezes parecem espelhar a desolação que lhe vai na alma – assombrada, quase sempre, pela rejeição pela mulher amada.

O ciclo Canções do Viandante (Lieder eines Fahrenden Gesellen) nasceu precisamente de um dos desgostos amorosos de Gustav Mahler (1860-1911), a sua paixão pela soprano Johanna Richter, que cantava no Teatro Real de Kassel, onde Mahler assumira, em 1883, funções de maestro – paixão que não foi correspondida. Entre a dezena de poemas que a paixão por Richter lhe inspirara, Mahler tomou três, sobre o tema da ruptura amorosa, somou-lhes outro adaptado da colectânea de poesia popular Das Knaben Wunderhorn e transformou-os num ciclo de Lieder para barítono e piano, que ganharia depois roupagens orquestrais, numa versão que estreou em 1896.

“Ging Heut’ Morgen Über’s Feld” (“Caminhei Esta Manhã Pelos Campos”) abre num tom luminoso e jovial, com as flores a saudar o belo dia e o viandante, mas o “bom dia” e o “belo mundo” ensombram-se na estrofe final: “Começará agora a minha felicidade/ Não, não, a felicidade por que anseio/ Nunca irá desabrochar!”

[Versão orquestral, por Thomas Hampson (barítono) e a Filarmónica de Viena, dirigida por Leonard Bernstein]

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“Der Genese an die Hoffnung”, de Wolf

Ano: 1888

Hugo Wolf (1860-1903) consagrou quase toda a sua carreira ao Lied, tendo composto cerca de 250. O período 1888-91 foi particularmente prolífico assistindo ao nascimento de 193 canções, sobre textos de Mörike, Eichendorff e Goethe e versões alemãs de poemas espanhóis e portugueses (o Spanisches Liederbuch).

“Der Genese an die Hoffnung” (“O Convalescente Dirige-se à Esperança”) é o primeiro dos 53 Mörike-Lieder, escritos de jacto, em apenas alguns meses, sobre poemas do obscuro Eduard Mörike. Abre numa atmosfera tenebrosa – “Tétrica desponta a manhã” – mas ganha determinação e vigor, à medida que o convalescente sente as forças regressarem e agradece à esperança por nunca o ter abandonado”. A temática da canção retoma a das que compusera em 1887, versando a tenacidade frente à adversidade, e reflecte talvez as angústias existenciais do compositor, que lutou arduamente para se afirmar no meio musical vienense, mas que, por possuir uma natureza temperamental e uma língua e uma pena viperinas, sempre se deparou com fortes resistências. Na verdade, a fértil produção de Lieder de 1888-91 não teria sido possível se não tivesse sido “subsidiada” pelos amigos – isto é, pelos amigos que não tinham sido repelidos pelo seu mau génio.

[Por Dietrich Fischer-Dieskau (barítono) e Gerald Moore (piano)]

Clássicos da clássica

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Oito sonatas para piano de Beethoven que precisa de ouvir
Oito sonatas para piano de Beethoven que precisa de ouvir

Em 1792, o Conde Ferdinand von Waldstein, um dos principais mecenas de Beethoven, despediu-se deste, que tinha então 22 anos e deixava a sua cidade natal Bona para ir estudar em Viena, com uma recomendação: “Através de inabalável diligência, recebereis o espírito de Mozart das mãos de Haydn”. Mozart terá sido o modelo de Beethoven na juventude. Já as aulas que teve com Haydn parecem ter sido pouco profícuas. Mas se Beethoven começou por ter Mozart como modelo, em breve desenvolveu uma voz própria.

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Wolfgang Amadeus Mozart legou-nos abundante produção para solista e orquestra, antes de mais para o seu instrumento de eleição, o piano, para o qual compôs 27 concertos, a maior parte destinados a servir de veículo ao seu virtuosismo no instrumento. Mas a criatividade de Mozart foi também posta ao serviço de instrumentos como o violino, o clarinete, a trompa, o oboé ou o fagote, e até mesmo a flauta, um instrumento com o qual embirrava.

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Franz Liszt começou a aprender piano aos sete anos, aos nove já se apresentava em concertos públicos e aos 12 publicou a sua primeira obra, numa colecção em que surgia ao lado de Beethoven e Schubert. Tornou-se num dos maiores virtuosos do piano de todos os tempos e percorreu a Europa em frenéticas tournées, suscitando uma idolatria similar à das estrelas rock de hoje e fazendo palpitar muitos corações femininos com as longas melenas e a pose estudada para causar sensação.

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