John Coltrane
© Francis WolffJohn Coltrane
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10 discos indispensáveis de John Coltrane

John Coltrane deixou este mundo a 17 de Julho de 1967, embora, a julgar pela música que então praticava, já passasse boa parte do tempo a vogar pelo espaço sideral. Eis 10 discos que cobrem diferentes fases de um gigante do jazz

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As primeiras gravações de John Coltrane não deixam adivinhar o que estava para vir: estávamos a 13 de Julho de 1946, o saxofonista tinha 21 anos, era marinheiro e estava destacado no Havai, e os seus colegas de sessão também prestavam serviço na Marinha de Guerra dos EUA.

Seriam precisos mais dez anos para que Coltrane inscrevesse o seu nome no livro de honra do jazz, ao gravar a “tetralogia” Cookin’, Relaxin’, Workin’ e Steamin’ com o quinteto com que Miles Davis marcou o seu regresso à ribalta, após anos de problemas de toxicodependência. O quinteto, cuja secção rítmica era constituída por Red Garland, Paul Chambers e Philly Joe Jones, gravou uma sucessão de álbuns brilhantes, que atestam o rápido amadurecimento de Coltrane. Em meados de 1957, a originalidade de Coltrane chamou a atenção de Thelonious Monk, que o recrutou temporariamente para as suas formações. Após este interregno, decisivo na sua evolução musical, o saxofonista regressou, no início de 1958, para as fileiras de Davis, com quem gravou em 1959 o clássico Kind of Blue. Em Abril de 1960, numa altura em que era aclamado, juntamente com Sonny Rollins, como o novo expoente do saxofone tenor, Coltrane deixou Davis para se consagrar integralmente à carreira a solo.

10 discos indispensáveis de John Coltrane

Blue Train (Blue Note)

Ano: 1957
Músicos: Lee Morgan (trompete), Curtis Fuller (trombone), Kenny Drew (piano), Paul Chambers (contrabaixo), Philly Joe Jones (bateria)

Em Abril de 1957, Coltrane assinou um contrato de dois anos com a Prestige, para a qual gravou abundantemente, em nome próprio ou em sessões lideradas por outros músicos – mas que a Prestige reeditou sob o nome de Coltrane na viragem dos anos 50-60, quando o prestígio do saxofonista estava a subir vertiginosamente. Ironicamente, o disco mais famoso deste período – e também aquele que Coltrane, anos depois, elegeria, numa entrevista, como o seu melhor desta fase – é o único que gravou para a Blue Note. Esta “ovelha tresmalhada” nasceu quando, em 1956, Coltrane se deslocou aos escritórios da editora em busca de discos de Sidney Bechet e se cruzou com Alfred Lion, o “patrão” da editora, e os dois acordaram, com um aperto de mão, na gravação de um disco. A 15 de Setembro de 1957, embora já estivesse sob contrato com a Prestige, Coltrane honrou o compromisso assumido com Lion e registou Blue Train, sob os cuidados de Rudy Van Gelder, que era o engenheiro de som usual da Blue Note mas também registou a maior parte dos discos de Coltrane para a Prestige e para a Impulse!. Coltrane gravaria discos mais importantes do que Blue Train, mas seriam bem mais ousados, ásperos e espinhosos, pelo que Blue Train, que se conforma genericamente aos moldes do hard bop, continua, 60 anos depois, a ser o seu disco de maior difusão.

[“Blue Train”, faixa de abertura do álbum homónimo]

Giant Steps (Atlantic)

Ano: 1959
Músicos: Tommy Flanagan ou Wynton Kelly (piano), Paul Chambers (contrabaixo), Art Taylor ou Jimmy Cobb (bateria)

Em 1959 Coltrane trocou a Prestige pela Atlantic e a avassaladora faixa de abertura, homónima, do seu primeiro disco na nova editora mostra que houve mudanças dramáticas nos conceitos musicais do saxofonista, com as sheets of sound – “frases muito longas, tocadas num tempo tão rápido que as notas deixam de ser meras notas, fundindo-se num fluxo contínuo de puro som” (Zita Carno) – que começara a desenvolver ao lado de Davis e Monk, a tornarem-se proeminentes.

[“Giant Steps”]

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My Favorite Things (Atlantic)

Ano: 1960
Músicos: McCoy Tyner (piano), Steve Davis (contrabaixo), Elvin Jones (bateria)

O álbum seguinte traria mais novidades, bem audíveis logo na faixa de abertura, uma versão de “My Favorite Things”, uma ingénua cançoneta composta em 1959 por Rodgers & Hammerstein e que Julie Andrews imortalizaria na adaptação cinematográfica do musical Música no Coração (1965), e que Coltrane transmutou num metal raro e refulgente (e dilata até quase 14 minutos de duração). Outra novidade é a adopção por Coltrane do saxofone soprano (então raramente ouvido no jazz), que é usado em “My Favorite Things” e na outra peça do lado A, “Ev’ry Time We Say Goodbye”. A formação do grupo sofrera mais uma alteração, com o recrutamento de Elvin Jones, deixando quase definido o quarteto que viria a gravar alguns dos discos mais marcantes de Coltrane para a Impulse! (só faltaria que Jimmy Garrison assumisse o posto de contrabaixista).

[“My Favorite Things”, composição de Richard Rodgers/Oscar Hammerstein II, na versão de Coltrane]

[Excerto de Música no Coração em que Julie Andrews canta “My Favorite Things”]

Coltrane’s Sound (Atlantic)

Ano: 1960
Músicos: McCoy Tyner (piano), Steve Davis (contrabaixo), Elvin Jones (bateria)

O material de Coltrane’s Sound provém das mesmas produtivas sessões que tinham dado origem a My Favorite Things, mas o álbum só foi lançado em 1964, quando Coltrane já gravava na Impulse!. A Atlantic procedeu como antes a Prestige tinha feito com as gravações de 1957-58, editando o material inédito sem consultar o músico, o que não impede Coltrane’s Sound de ser muito mais do que um reaproveitamento de sobras.

[“Liberia”]

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Africa/Brass (Impulse!)

Ano: 1961
Músicos: McCoy Tyner (piano), Reggie Workman (contrabaixo), Elvin Jones (bateria) e metais e palhetas em diversas combinações

O primeiro álbum de Coltrane na Impulse! enquadra o seu quarteto com uma secção de metais e palhetas arranjada, não por Gil Evans, como Coltrane planeara, mas por Eric Dolphy, que, por esta altura, tocava regularmente com o grupo de Coltrane. Os 16 minutos da “Africa”, que ocupava todo o lado A do vinil, denotam influências de música africana e assentam em elementos mínimos, constantemente repetidos e criando um efeito embalador. A edição original deixou de fora algum material, que foi editado em 1995 na íntegra como The Complete Africa/Brass Sessions.

[“Africa”]

Live! at the Village Vanguard (Impulse!)

Ano: 1961
Músicos: McCoy Tyner (piano), Jimmy Garrison ou Reggie Workman (contrabaixo), Elvin Jones (bateria); Eric Dolphy (clarinete baixo) toca numa faixa

Os concertos de 2 e 3 de Novembro no clube Village Vanguard são mais um passo na emancipação de Coltrane em relação ao jazz mainstream e o disco que os documenta causou consternação entre a crítica mais conservadora, que falou de “anti-jazz”, e até entre alguns dos seus anteriores admiradores, como Ira Gitler, que achou os 16 minutos de “Chasin’ the Trane” tão enfadonhos como “a passagem de um comboio de mercadorias de 100 vagões”.

[“Chasin’ the Trane”]

Na verdade, as sessões no Village Vanguard tinham sido ainda mais radicais do que poderia supor-se em 1961, como se descobriria em 1997 quando a Impulse! lançou a caixa de quatro CDs The Complete 1961 Village Vanguard Recordings, que inclui faixas em que o quarteto é expandido com o cor anglais (uma variante de oboé) de Garvin Bushell e a tanpura (instrumento de cordas indiano) de Ahmed Abdul-Malik, atestando o forte interesse de Coltrane pela tradição musical indiana.

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Impressions (Impulse!)

Ano: 1961-63
Músicos: McCoy Tyner (piano), Jimmy Garrison e Reggie Workman (contrabaixo), Elvin Jones ou Roy Haynes (bateria); em duas faixas, junta-se Eric Dolphy (clarinete baixo, saxofone alto)

Duas faixas dos concertos de 1961 no Village Vanguard veriam a luz do dia logo em 1963, no álbum Impressions, que inclui também gravações de estúdio de 1962 e 1963. Uma das faixas ao vivo, “India”, em sexteto, com dois contrabaixos (Garrison e Workman) e o clarinete baixo de Dolphy e Coltrane em saxofone soprano, é um dos momentos mais encantatórios da história do jazz.

[“India”]

A Love Supreme (Impulse!)

Ano: 1964
Músicos: McCoy Tyner (piano), Jimmy Garrison (contrabaixo), Elvin Jones (bateria)

A aproximação entre jazz e música indiana deu mais um passo decisivo com A Love Supreme, uma suíte dividida em quatro partes – “Acknowledgement”, “Resolution”, “Pursuance” e “Psalm” – e alicerçada em apenas quatro notas. É um disco de intensa espiritualidade, em que os êxtases das religiões e misticismos orientais se confundem com os da música gospel e da religiosidade cristã. No plano musical merecem atenção, além do discurso eloquente do líder da “congregação”, as teias polirrítmicas criadas por Elvin Jones, que também estava a dilatar as possibilidades da bateria.

[“A Love Supreme part I: Acknowledgement”]

A edição original de A Love Supreme deixou de fora parte do que aconteceu no estúdio. A intenção de Coltrane para este disco contemplava não o quarteto mas um noneto e, embora o disco tenha sido gravado em quarteto a 9 de Dezembro de 1964, no dia seguinte chegou a ser realizada uma sessão em sexteto, com Archie Shepp (saxofone) e Art Davis (contrabaixo), que viria depois a ser editada em 2015 em A Love Supreme: The Complete Masters.

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Ascension (Impulse!)

Ano: 1965
Músicos: Freddie Hubbard e Dewey Johnson (trompetes), Marion Brown e John Tchicai (saxofones alto), Pharoah Sanders e Archie Shepp (saxofones tenor), McCoy Tyner (piano), Art Davis e Jimmy Garrison (contrabaixo), Elvin Jones (bateria)

As ideias de Coltrane para gravar em formação alargada teriam concretização no ano seguinte, com Ascension, uma peça de quase 40 minutos, dominada pela improvisação colectiva. Coltrane recrutou para a sessão alguns jovens promissores, que viriam a ser importantes actores do jazz das décadas de 60 e 70, como Archie Shepp, Marion Brown, John Tchicai e Pharoah Sanders. O resultado foi um caldeirão fervilhante onde se mesclam frenesim, ascese, drama e hipnose.

[Parte final de Ascension]

Live at the Village Vanguard Again! (Impulse!)

Ano: 1966
Músicos: Pharoah Sanders (saxofone tenor), Alice Coltrane (piano), Jimmy Garrison (contrabaixo), Rashied Ali (bateria) e Emanuel Rahim (percussão)

É um disco de uma intensidade assustadora, capaz de fazer debandar o público que aplaudira as lendárias sessões no Vanguard quatro anos antes. Regressa o clássico “My Favorite Things”, mas Julie Andrews é agora um corpo calcinado só identificável pelos registos dentários. Entretanto, a banda de Coltrane sofrera mudanças de monta: Pharoah Sanders entrara definitivamente para a banda em Setembro de 1965 e mostrar-se-ia capaz de uma intensidade e exasperação capazes de rivalizar com as de Coltrane; Rashied Ali entrara como segundo baterista no final de 1965, mas Elvin Jones, descontente com a partilha de funções e cada vez menos capaz de compreender as concepções musicais do líder, saíra no início de 1966; McCoy Tyner segui-lo-ia, sendo substituído por Alice Coltrane, a segunda esposa do saxofonista.

[1.ª parte de “My Favorite Things”, versão de 1966]

Coltrane faleceu a 17 de Julho de 1967, de um cancro no fígado. O seu último disco de estúdio, um duo com Rashied Ali num registo essencialmente improvisado, gravado a 22 de Fevereiro desse ano, foi Interstellar Space.

[Salvo indicação em contrário, todas as composições são de John Coltrane. Os anos referidos dizem respeito à gravação, não à edição]

Jazz para todos

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