Jordi Savall nasceu a 1 de Agosto de 1941 em Igualada, na Catalunha. Começou por estudar violoncelo no Conservatório de Barcelona, mas não tardaria a descobrir o instrumento a que consagraria a vida: a viola da gamba, um instrumento de sonoridade doce, nasalada e calorosa, cuja popularidade entrara em declínio em meados do século XVIII, ao ser suplantado pelo violoncelo, e acabara reduzido à condição de fóssil.
[“Les Folies d’Espagne”, de Marin Marais (1656-1728), por Jordi Savall, num concerto ao vivo]
A Schola Cantorum de Basileia, na Suíça, para onde foi estudar em 1968, despertou Savall para a música da Idade Média, Renascença e Barroco (a “música antiga”) e para os instrumentos nela empregues, bem como para a redescoberta da forma de os tocar e de fazer justiça às intenções originais dos compositores – aquilo que se designa usualmente como “interpretação historicamente informada”.
[Prelúdio da Suíte em Fá maior de Sainte-Colombe filho (c.1660-1720), por Jordi Savall, num concerto ao vivo, em 2014]
Outra vertente em que colocou grande empenho foi na redescoberta da música ibérica, que começou a divulgar activamente na década de 1970, numa altura em que os repertórios de música antiga eram ainda exclusivamente dominados por compositores germânicos, italianos, franceses e britânicos.
Mas Savall não empreendeu sozinho estas “campanhas”: fê-lo com a sua esposa e musa, a soprano Montserrat Figueras (1942-2011), o ensemble instrumental Hespèrion XX, fundado, ainda em Basileia, em 1974 (e rebaptizado Hespèrion XXI à entrada do século XXI), o ensemble vocal La Capella Reial de Catalunya, fundado em 1987, quando regressou a Barcelona, e o ensemble instrumental Le Concert des Nations, fundado em 1989 e vocacionado para a repertório barroco (ficando o Hespèrion XX/XXI com a Idade Média e Renascença). Os grupos de Savall são verdadeiros “exércitos de generais”, em que todos os postos estão ocupados com músicos superlativos, muitos deles com marcante carreira como solistas e maestros.
[“Bourrée d’Avignez”, de autor anónimo, no concerto “The Teares of the Muses”, com repertório da “Idade de Ouro da música para ensemble de violas e alaúdes na Inglaterra dos Tudor”, pelo Hespèrion XXI]
A vasta e irrepreensível discografia de Savall foi editada pela Reflexe (a chancela de música antiga que a EMI inaugurou em 1972), depois pela Astrée (a chancela de música antiga da Auvidis, hoje Naïve) e, a partir de 1998, na sua própria editora, a Alia Vox. O nome da editora (“outra voz”) dá conta da vontade de Savall em divulgar música nas margens do repertório usual e em, mesmo quando aborda obras consagradas, lançar sobre elas novas perspectivas. A diferença da Alia Vox afirma-se também nos cuidados postos no registo sonoro (selecção de locais com excelente acústica, ênfase num som natural e o menos manipulado possível, aposta na alta resolução da tecnologia Super Audio CD) e na apresentação dos discos, que por vezes assumem a forma de luxuosos livros de capa dura com 400 ou 500 páginas e abundante e relevante documentação e iconografia.
Além de lançar novas gravações, a Alia Vox tem vindo a reeditar, em som remasterizado, os registos realizados para a Astrée e, nos últimos anos, tem apostado nos livros-CD “conceptuais”, em que o programa é urdido em torno de temas vastos e transversais, como a descoberta das Américas (Paraísos perdidos: Christophorus Columbus) ou a música do tempo de Cervantes (Don Quijote de la Mancha) ou de Erasmo (Éloge de la Folie). A sua visão humanista e o entendimento da música como linguagem universal tem levado a que Savall se tenha associado a músicos de outras paragens e géneros musicais, com o intuito de estabelecer pontes entre civilizações e tempos: dão disso testemunho os seus discos dedicados à música da Arménia, da Turquia e dos Balcãs ou o projecto Mare Nostrum.
[Excerto de um concerto em Veneza do projecto Mare Nostrum, que coloca em diálogo a música europeia com as tradições otomana, árabe-andaluz, sefardita e arménia. Com La Capella Reial de Catalunya e Hespèrion XXI, reunindo instrumentistas de Espanha, Israel, Grécia, Arménia, Turquia e Marrocos]