Richard Strauss, 1904
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10 obras para conhecer o outro Strauss

Três espectáculos na Fundação Gulbenkian, entre 4 e 13 de Maio, revelam três facetas de Richard Strauss, compositor que, embora não sendo tão popular como os Strauss das valsas, é compositor incomparavelmente mais talentoso

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Richard Strauss nasceu em 1864 em Munique, numa família que oferecia ambiente propício ao desenvolvimento de capacidades musicais (e sem relação de parentesco com os Strauss vienenses). O pai, Franz, desempenhava funções de primeira trompa na Ópera da Corte de Munique e era considerado um dos melhores trompistas da Alemanha, e a mãe tocava piano. Richard recebeu a primeira instrução musical de ambos e revelou talento precoce: ao ouvir a Serenata para 13 Instrumentos de Sopro que Richard Strauss compôs em 1881, com 17 anos, o maestro Hans von Bülow proclamou que desde Brahms que não surgira alguém comparável. O futuro daria razão a Bülow. Strauss faleceu em 1949, no palacete que fizera construir em 1907/8 em Garmisch-Partenkirchen, com os pingues lucros obtidos com a sua escandalosa ópera Salome.

Richard Strauss na Fundação Gulbenkian

Morte e Transfiguração

A Orquestra Gulbenkian, dirigida por Susanna Mälkki, espreita para os vastos espaços da eternidade, através do poema sinfónico Morte e Transfiguração, de Strauss, e Messages, de Jonathan Harvey, num programa que inclui ainda o Prelúdio da ópera Parsifal, de Wagner.

Fundação Gulbenkian, quinta-feira 4, 21.00, sexta-feira 5, 19.00, 12-24€.

Lieder

A soprano finlandesa Karita Mattila, acompanhada ao piano por Ville Matvejeff, traz sete canções de Richard Strauss, num programa que inclui também peças de Alban Berg, Johannes Brahms e Richard Wagner.

Fundação Gulbenkian, sexta-feira 12, 19.00, 20-40€.

O Cavaleiro da Rosa

Transmissão em directo de uma produção Met Opera Live in HD, com elenco encabeçado por duas cantoras excepcionais e que parecem talhadas para estes papéis: Renée Fleming como Marechala e Elina Garanca como Octavian. Com Erin Morley, Matthew Polenzani, Marcus Bruck, Gunther Groissbock e o Coro & Orquestra da Metropolitan Opera, direcção de Sebastian Weigle, encenação de Robert Carsen.

Fundação Gulbenkian, sábado 13, 17.30, 22€.

10 obras para conhecer o outro Strauss

Don Juan

Género: poema sinfónico
Estreia: 1889, em Weimar, com direcção do compositor

Composto aos 24 anos, sob a influência da leitura do Don Juans Ende (1844), de Nikolaus Lenau. Nesta versão do mito, Lenau providencia um nobre móbil para a pulsão de Don Juan para seduzir todo o rabo de saia com que se depara: busca a mulher ideal. É uma obra de esplêndido colorido, gestos ousados e inesperada maturidade.

[Pela Filarmónica de Berlim, com direcção de Herbert von Karajan, ao vivo em Osaka, 1984]

Morte e Transfiguração

Género: poema sinfónico
Estreia: 1890 em Eisenach, com direcção do compositor

Morte e Transfiguração (Tod und Verklärung) tem subjacente um programa que pode ser assim resumido: um velho artista agoniza num quarto esquálido e, sentindo a morte aproximar-se, vê desfilar perante si “o filme da sua vida”, a inocência da infância, as paixões da juventude, os combates da maturidade, a demanda de um sublime que nunca conseguiu alcançar. O velho sabe que a vida está no fim, mas, embora torturado pela febre e pelas dores, não renuncia à luta e ainda tenta alcançar essa meta que sempre lhe escapou. A morte acaba por levar a melhor e a luz extingue-se – mas o compositor ainda tem algo para dizer: “das infinitas vastidões do espaço celeste, uma poderosa ressonância vem de encontro [ao velho] aportando-lhe aquilo que, no baixo mundo, almejou e buscou em vão: redenção, transfiguração”.

[Excerto, pela Filarmónica de Berlim, com direcção de Daniel Harding, ao vivo na Berlin Philharmonie, 2009]

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Assim Falou Zaratustra

Género: poema sinfónico
Estreia: 1896, Frankfurt, com direcção do compositor

Assim Falou Zaratustra (Also Sprach Zarathustra) inspira-se no livro homónimo de Friedrich Nietzsche. Strauss esclareceu que não se trata de uma tradução musical do pensamento de Nietzsche, mas de “um quadro do desenvolvimento da espécie humana desde as suas origens até ao advento do Super-Homem nietzscheano”. É, de longe, a obra mais conhecida de Strauss, sobretudo desde que a sua fanfarra inicial (“Nascer do Sol”, no programa delineado por Strauss) foi usada na banda sonora de 2001: Odisseia no Espaço; tem também sido frequentemente usada para sonorizar momentos que se pretendem apoteóticos, como entradas em palco de políticos, artistas canastrões (Elvis Presley usou-a regularmente entre 1971 e 1977) e outras criaturas que se têm em elevada conta.

[Abertura, pela Filarmónica de Berlim, com direcção de Gustavo Dudamel, ao vivo na Berlin Philharmonie, 2012]

Don Quixote

Género: poema sinfónico
Estreia: 1898, Colónia, com direcção de Franz Wüllner.

É uma “ave rara”, sem parceiro na história da música até à altura. Strauss deu-lhe como subtítulo “Variações fantásticas sobre um tema de carácter cavalheiresco” e é um híbrido entre poema sinfónico e concerto para violoncelo e orquestra. Nesta fantasia inspirada por Miguel de Cervantes, o Cavaleiro de Triste Figura é encarnado musicalmente pelo violoncelo, sendo o seu fiel e desajeitado escudeiro Sancho Panza representado, em diferentes alturas, pela viola, pela tuba tenor e pelo clarinete baixo.

[Excerto, pela Filarmónica de Berlim, com direcção de Semyon Bychkov e Bruno Delepelaire em violoncelo, ao vivo na Berlin Philharmonie, 2014]

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“Wiegenlied” op. 41/1

Género: canção para soprano e piano
Composição: Verão de 1899

Strauss compôs canções ao longo de toda a carreira (com um interregno em 1906-17), quase todas dedicadas à voz de soprano. As primeiras foram compostas para voz e piano, mas a partir do op. 33, de 1896, começou a compor também para voz e orquestra – algumas das peças para voz e piano seriam alvo de orquestração posterior. Entre as canções mais populares de Strauss está “Träume, Träume, du Mein Süsses Leben” (“Sonha, Sonha, Minha Doce Vida”), mais conhecida como “Wiegenlied” (“Canção de Embalar”), o n.º1 da colecção de cinco canções publicada como op. 41. O texto é de Richard Dehmel (1863-1920) e o tema é o amor maternal e Strauss converte o piano numa harpa geradora de ondulações embaladoras.

[Por Margaret Price (soprano) e Wolfgang Sawallisch (piano)]

Salome

Género: ópera
Estreia: 1905, Dresden, com direcção de Ernst von Schuch

As duas primeiras óperas de Strauss, Guntram (1894) e Feuersnot (1901), passaram quase completamente despercebidas, pelo que, em 1905, a sua fama decorria quase exclusivamente dos poemas sinfónicos. Salome iria mudar drasticamente essa percepção. O episódio bíblico de Salomé serviu de inspiração para artistas e escritores ao longo dos séculos – em 1890 foi a vez de Oscar Wilde escrever (em francês) uma peça de teatro de influência simbolista destinada a Sarah Bernhardt, que estreou em 1896. Richard Strauss começou por recrutar um libretista para adaptar a peça de Wilde, mas acabou por ser ele mesmo a tomar o trabalho em mãos. Os ensaios da Salome de Strauss passaram por alguns atritos com os cantores durante os ensaios – Marie Wittich, que fez de Salomé, alegou “motivos de moralidade” e recusou-se a dançar a “Dança dos Sete Véus”, que coroa a intriga doentia com um êxtase lascivo e malévolo. Salome é um decisivo passo em frente, não só pela “perversidade” do seu libreto como pela audácia e brilho da música. A crítica arrasou Salome, mas o público dispensou-lhe acolhimento triunfal. Embora enfrentando aqui e ali (Berlim e Nova Iorque) alguma resistência dos defensores dos “bons costumes”, o sucesso estendeu-se num ápice a quase todo o mundo ocidental.

[Excerto do final, com Teresa Stratas (Salome) e a Filarmónica de Viena, com direcção de Karl Böhm e encenação de Götz Friedrich]

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Elektra

Género: ópera
Estreia: 1909, Dresden, com direcção de Ernst von Schuch

Strauss, que ganhara fama e fortuna com a sanguinolenta e malsã Salome, não tardou a encontrar assunto para mais uma ópera capaz de atentar contra o decoro e suscitar a indignação das elites bem-pensantes na peça Elektra, de Hugo von Hofmannstahl, a partir de Sófocles. Richard Strauss assistiu à peça em 1903 e aliou-se a Hofmannstahl para a escrita do libreto. O enredo do mito original é cruento e o libreto de Hofmannstahl não o amaciou: Agamemnon, rei de Creta, foi assassinado pela mulher, Clitemnestra, e pelo seu amante, Egisto. Elektra, filha de Agamemnon e Clitemnestra, vive com uma obsessão: vingar o pai e matar Clitemnestra e Egisto. Para tal tenta obter a colaboração da irmã Chyrsotemis e do irmão Orestes. Chrysotemis é a irmã boazinha e só deseja que todos façam as pazes, mas Elektra é um dínamo de ferocidade e determinação e impele a acção para uma inexorável espiral de sangue e loucura. Não é a música que suaviza este drama macabro, pois Strauss providenciou generoso fornecimento de atmosferas malignas, frenesins extáticos e valsas infernais. Quando lhe censuraram a violência da música, retorquiu o compositor: “Havendo um matricídio em cena, o que querem que faça? Que componha um concerto para violino?”

[Excerto de filme de 1982 de Götz Friedrich, com Leonie Rysanek (Elektra), Dietrich Fischer-Dieskau (Orest) e a Filarmónica de Viena, com direcção de Karl Böhm (seria uma das derradeiras actuações do maestro, um especialista na ópera de Strauss, que morreria meses depois, aos 86 anos)]

O Cavaleiro da Rosa

Género: ópera
Estreia: 1911, Dresden, com direcção de Ernst von Schuch

E quando o mundo esperava que a ópera seguinte de Strauss fosse mais uma orgia de famílias disfuncionais, perversão e violência, aliada a música de um expressionismo cru e cheio de espinhos, o compositor apresentou uma requintada comédia de sabor mozartiano sobre amor, maturidade, capacidade de resignação e nobreza de carácter. O libreto foi novamente de Hugo von Hofmannstahl, que se inspirou livremente no romance Les Amours du Chevalier de Faublas, de Louvet de Couvrai, e na comédia Monsieur de Pourceugnac, de Molière. A Marechala está verdadeiramente apaixonada pelo seu ardoroso amante adolescente, Octavian (um papel em travesti, cantado por uma mezzo-soprano), mas sabe que embora o amor que ele lhe dedica seja sincero, não tardará a ser tentado por alguém mais compatível com a sua tenra idade – e essa ocasião surge quando o primo da Marechala, o caduco Barão Ochs (um dos burgessos mais deliciosos da história da ópera), encarrega Octavian de ser o portador do seu pedido de casamento à jovem e cândida Sophie. Strauss embrulhou esta comédia agridoce em música nobre e elegante, onde a valsa tem aparições frequentes, quase sempre tingidas de ironia.

[Final, numa versão antológica com Gwyneth Jones (Marechala), Birgitte Fassbaender (Octavian), Lucia Popp (Sophie) e a orquestra da Ópera de Munique, com direcção de Carlos Kleiber, 1979; está disponível em DVD Deutsche Grammophon]

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Metamorfoses

Género: música orquestral
Estreia: 1946, Zurique, com direcção de Paul Sacher

O estudo para 23 cordas Metamorfoses (Metamorphosen) é, em mais do que um sentido, uma obra crepuscular: foi terminado em Março de 1945, na villa de Strauss em Garmisch, quando o compositor se aproximava dos 80 anos, a Alemanha estava exangue e à beira da capitulação e o mundo de cultura e refinamento em que Strauss vivera tinha sido pulverizado. Há quem sugira que o que desencadeou a composição de Metamorfoses foi a destruição da Ópera de Munique, em 1943, pelos bombardeamentos aliados. O final das Metamorfoses cita a marcha fúnebre da Eroica e Strauss inscreveu nesse ponto da partitura as palavras “In memoriam” e, embora haja discussão em torno do significado da citação e das palavras, a maioria dos estudiosos crê que se trata de uma homenagem à memória de Beethoven – e não de Hitler, como outros pretendem. O compositor teve uma relação ambígua com o regime nazi – chegou a colaborar com este e a aceitar cargos de relevo, mas, por altura da composição desta obra, congratulou-se no seu diário com o fim de “um reino de bestialidade de 12 anos”.

[Excerto, pela Filarmónica de Berlim, com direcção de Simon Rattle, ao vivo na Berlin Philharmonie, 2014]

Quatro Últimas Canções

Género: ciclo de canções orquestrais
Estreia: 1950, Londres, Kirsten Flagstad, com direcção de Wilhelm Furtwängler

Em 1948, Richard Strauss via aproximar-se não só o fim da vida como o do seu mundo. Tinha 84 anos e sérios problemas de saúde, estivera do lado errado (com o regime nazi) durante a II Guerra Mundial e assistira à destruição de quase tudo o que lhe era caro. A evolução das tendências musicais também não era do seu agrado: a vaga triunfante de Schoenberg e seus discípulos pouco dizia a um compositor firmemente enraizado no mundo oitocentista. Foi desta perspectiva crepuscular que compôs as geniais Quatro Últimas Canções (Vier Letzte Lieder), a derradeira obra que terminou. As canções – três com poemas de Hermann Hesse, uma com poema de Joseph von Eichendorf – são frutos tardios do romantismo opulento e luxuriante de Strauss e exalam o aroma pesado e inebriante dos frutos demasiado maduros.

[“Beim Schlafengehen” (“Ao Adormecer”), a canção n.º 3, por Renée Fleming e Orquestra do Festival de Luzern, com direcção de Claudio Abbado, Luzern, 2004]

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