Filipe Quaresma
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12 concertos para violoncelo que precisa de ouvir

O CCB dá a ouvir o Concerto para violoncelo de Ligeti. Recordamos outros concertos para o instrumento surgidos nos últimos três séculos.

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O violoncelo surgiu, como os seus primos violino e viola, no início do século XVI, mas só foi promovido ao estatuto de solista nas primeiras décadas do século XVIII – e ainda assim, no período barroco, com excepção do prolífico Vivaldi, não teve compositores de primeiro plano a compor concertos para ele, embora lhe tenham sido destinadas belas páginas na música de câmara e nas árias de ópera. Boccherini, compositor que era também um virtuoso do violoncelo, fez-lhe justiça em numerosos concertos, mas a colheita de concertos para violoncelo do século XIX não foi abundante e só no século XX os compositores deram ao instrumento a atenção que merecia.

Recomendado: Ligeti por Filipe Quaresma

12 concertos para violoncelo que precisa de ouvir

Concerto RV 409 de Vivaldi

Ano: desconhecido

Antonio Vivaldi (1678-1741) compôs em (quase) todos os géneros e fê-lo invariavelmente de forma copiosa: o catálogo das suas obras inclui 36 concertos em que o violoncelo tem papel solista: 27 são para violoncelo, um é para dois violoncelos e os restantes para diversas combinações de violinos e violoncelos solistas.

A datação dos concertos é, salvo raras excepções, apenas aproximativa, mas embora seja possível detectar alguma progressão em direcção a uma escrita solista mais virtuosística, a sua qualidade é muito homogénea, pelo que a escolha do RV 409 é arbitrária: qualquer um dos outros é um prodígio de invenção e frescura.

[Concertos para violoncelo RV409, RV410, RV414 e RV419, por Christophe Coin (violoncelo) e Il Giardino Armonico (em instrumentos de época), com direcção de Giovanni Antonini]

Concerto Wq.170 (H.432) de C.P.E. Bach

Ano: c.1750-55

Carl Philipp Emanuel Bach (1714-88) foi, entre os filhos de Johann Sebastian, o que teve carreira mais prestigiada e prolífica. Deixou-nos meia centena de concertos, a maior parte deles compostos para a corte de Frederico o Grande da Prússia, em Berlim, dos quais três são para violoncelo. O Concerto Wq.170 (H.432), datado da primeira metade da década de 1750, terá sido composto para a dita corte ou para a Musikalische Assemblée, uma sociedade de concertos dirigida por Christian Friedrich Schalle, violoncelista da corte berlinense.

[Concerto para violoncelo Wq.170 (H.432), por Peter Bruns (violoncelo) e Akademie für Alte Musik Berlin (em instrumentos de época) (Harmonia Mundi)]

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Concerto G.483 de Boccherini

Ano: c.1782

Os compositores de primeiro plano que escreveram concertos para violoncelo não tocavam o instrumento – a excepção foi Luigi Boccherini (1743-1805), natural de Lucca, Itália, que foi um virtuoso do instrumento e fez carreira como concertista, tendo fundado o primeiro quarteto de cordas com formação estável de que há notícia (com Filippo Manfredi, Pietro Nardini e Giuseppe Cambini). Após ter vivido em Viena e Paris, mudou-se para Espanha em 1768, tornando-se dois anos depois violoncelista e compositor do infante Luis Antonio, irmão do rei Carlos III. Tudo indica que não voltou a deixar Espanha, o que não o impediu de compor para mecenas de além-Pirinéus, nomeadamente para o rei Frederico Guilherme II da Prússia, que era violoncelista amador.

Compôs 124 quintetos de cordas (com a particularidade de recorrer a dois violoncelos e não a duas violas, como era usual) e 12 concertos para violoncelo que, tal como os de Vivaldi, são de nível similar, pelo que a escolha dependerá do capricho de cada um.

[I andamento (Allegro maestoso) do Concerto G483, por Anner Bylsma (violoncelo) e Tafelmusik (em instrumentos de época), com direcção de Jeanne Lamon (Sony Vivarte)]

Concerto n.º2 de Haydn

Ano: 1783

Dos cinco concertos para violoncelo associados a Haydn, um está perdido e dois são de outros autores. Durante algum tempo suspeitou-se de que o Concerto n.º2, composto em 1783 para Antonín Kraft, o exímio violoncelista da orquestra de Esterhaza, poderia ser da autoria do próprio Kraft, mas a descoberta do manuscrito autógrafo de Haydn em 1953 veio pôr termo às dúvidas.

[Jean-Guihen Queyras e a Orquestra Barroca de Freiburg (em instrumentos de época), dirigida por Petra Müllejans (Harmonia Mundi)]

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Concerto op. 129 de Schumann

Ano: 1850

Possuindo o violoncelo uma voz tão calorosa, estranha-se que, entre os compositores românticos de primeiro plano, só Schumann e Dvorák tenham composto concertos para ele. O de Schumann foi composto em Düsseldorf, em 1850, mas só foi estreado em 1860, quatro anos após a morte do compositor. Apesar desta relativa indiferença inicial, o concerto tornou-se numa peça central do repertório dos violoncelistas.

[Steven Isserlis (violoncelo) e a Chambre Philharmonique, dirigida por Emmanuel Krivine]

Concerto op. 104 de Dvorák

Ano: 1896

O violoncelista checo Hanus Wihan há muito vinha solicitando um concerto ao seu compatriota Antonín Dvorák (1841-1904), mas este tinha a convicção de que o violoncelo soava bem na música de câmara e orquestral mas não tinha aptidões solistas, devido (dizia ele) aos graves pouco definidos e aos agudos nasalados. Dvorák acabou por mudar de ideias e compor um concerto para violoncelo no final da estadia americana, no Inverno de 1894-95, mas submeteu-o a algumas revisões após o regresso ao país natal. Para a estreia, Dvorák tinha em mente Wihan como solista, mas este preparou uma cadenza para o final do concerto que Dvorák se recusou a incorporar na partitura e os dois ficaram de candeias às avessas, pelo que a estreia, que teve lugar em Londres, em 1896, foi confiada a Leo Stern.

[Gautier Capuçon (violoncelo) e Orchestre de Paris, dirigida por Paavo Järvi, ao vivo na Salle Pleyel, Paris]

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Concerto op. 85 de Elgar

Ano: 1919

Foi a derradeira grande obra de Edward Elgar (1857-1934) e estreou em Londres, a 27 de Outubro de 1919, com Felix Salmond como solista e o compositor como maestro. O programa dessa noite era partilhado com o maestro Albert Coates, que monopolizou o tempo de ensaio e levou a que o concerto para violoncelo fosse mal preparado, pelo que a estreia foi um fiasco. Isto explica que a obra, hoje muito popular, tenha levado algumas décadas até se implantar no repertório.

[I andamento, por Jacqueline Du Pré (violoncelo) e a Filarmónica de Londres, dirigida por Daniel Barenboim, 1967]

Sinfonia Concertante op. 125 de Prokofiev

Ano: 1952

Sergei Prokofiev (1891-1953) começou a compor um concerto para violoncelo em 1933, em Paris, mas só o terminou em 1938, quando já regressara definitivamente à URSS. A estreia, nesse ano foi, segundo as palavras do pianista Sviatoslav Richter, que participara nos ensaios, “um completo fiasco”, cuja responsabilidade terá sido partilhada pelo solista e pelo maestro. Alguns anos depois, Prokofiev admitiria implicitamente a sua quota de culpa, ao reciclar o concerto sob a forma de sinfonia concertante, tendo contado com o aconselhamento do violoncelista Mstislav Rostropovich (1927-2007). A obra seria dedicada a este e estreada por ele em 1952, numa invulgar aparição de Sviatoslav Richter como maestro.

[Mstislav Rostropovich (violoncelo) e Orquestra Sinfónica de Londres, dirigida por Seiji Ozawa, gravação ao vivo de 1987]

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Concerto de Walton

Ano: 1957

O britânico William Walton (1902-83) começou por dar nas vistas logo aos 21 anos com a estreia do bailado Façade (1923), uma obra irreverente e plena de ironia, mas o resto da sua produção – que se espalhou por quase todos os géneros, incluindo ópera, música sacra e bandas sonoras para 13 filmes – adoptou um compromisso entre modernismo e tradição romântica. A sua música raramente é tocada fora do seu país, mas nas Ilhas Britânicas os concertos para viola e para violoncelo, o bailado Façade e a oratória Belshazar’s Feast têm boa aceitação.

O concerto foi encomendado pelo violoncelista russo Gregor Piatigorsky, que o estreou em Boston em Janeiro de 1957 e foi também o solista na estreia britânica, no mês seguinte, desta feita com a Orquestra Sinfónica da BBC, dirigida por Paul Sacher – a mesma equipa que fez a primeira gravação, pouco depois.

[Gregor Piatigorsky (violoncelo) e Orquestra Sinfónica da BBC, dirigida por Paul Sacher, gravação ao vivo de 1957]

Concerto n.º 2 op. 126 de Shostakovich

Ano: 1966

Mstislav Rostropovich não só foi um dos maiores violoncelistas de todos os tempos como estreou cerca de uma centena de obras a ele dedicadas, entre as quais estão a Sinfonia Concertante op. 125 e a Sonata op. 119 de Prokofiev, os dois concertos de Shostakovich e obras de Berio, Britten, Dutilleux, Lutoslawski, Messiaen e Penderecki, ou seja, boa parte da fina-flor do repertório composto no século XX para o instrumento.

O Concerto n.º 2 op. 126 de Shostakovich estreou em Moscovo, a 25 de Setembro de 1966 e é uma obra de tonalidade sombria, que prenuncia o que seria o registo dominante do compositor daí em diante.

[Mstislav Rostropovich e Orquestra Sinfónica Académica Estatal da URSS, dirigida por Evgeny Svetlanov, no Conservatório de Moscovo, na estreia da obra, a 25 de Setembro de 1966]

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Concerto de Ligeti

Ano: 1967

György Ligeti (1923-2006) viu a sua criatividade limitada pelo regime comunista que fora instaurada na Hungria do pós-II Guerra Mundial. Quando a Revolução Húngara de 1956 foi sufocada pelos tanques soviéticos, em Novembro de 1956, Ligeti decidiu fugir para o Ocidente: em Dezembro desse ano conseguiu chegar a Viena, que se tornaria na sua base durante os anos seguintes (tornar-se-ia cidadão austríaco em 1968). O contacto com os compositores vanguardistas ocidentais em Darmstadt e Colónia abriu as suas pespectivas musicais, ainda que sem aderir a nenhuma “escola”.

A originalidade de Ligeti está patente no Concerto para violoncelo que compôs em 1966 e foi estreado por Siegfried Palm (o dedicatário da obra) em Berlim, a 19 de Abril de 1967. É breve para os padrões dos concertos do século XX (um quarto de hora), compõe-se apenas de dois andamentos e a parte de violoncelo evita o virtuosismo usual no género (a entrada do solista no II andamento não podia ser mais discreta: a indicação dinâmica na partitura é “pppppppp”, ou seja, um ultra-ultra pianissimo).

[II andamento, por Jean-Guihen Queyras e o Ensemble Intercontemporain, com direcção de Pierre Boulez (Deutsche Grammophon)]

Tout un Monde Lointain... de Dutilleux

Ano: 1970

Em 1961, Mstislav Rostropovich solicitou a Henri Dutilleux (1916-2013) que compusesse um concerto para violoncelo. Por essa altura, o compositor recebera do Ministério da Cultura de França a encomenda de um bailado e pensou em usar como inspiração As Flores do Mal, de Baudelaire. O bailado acabou por não ser concretizado e a inspiração baudelaireana foi transferida para o concerto, que iniciou em 1967 e foi estreada em 1970 por Rostropovich, em Aix-en-Provence. Dutilleux não denominou a obra como concerto (embora o seja, para todos os efeitos), preferindo um título – Tout un Monde Lointain – proveniente de As Flores do Mal, que também fornecem os versos que encimam cada um dos seus andamentos (e vale a pena reter os que estão associados ao V andamento: “Cuida dos teus sonhos, os dos sábios não são tão belos quanto os dos loucos”). De acordo com o compositor, a ideia não foi ilustrar musicalmente os poemas, mas criar uma osmose, em que o violoncelo desempenha o papel de “mediador entre o universo de Baudelaire e o mundo sonoro”.

[Mstislav Rostropovich e Orchestre de Paris, dirigida por Serge Baudo, gravação de 1974 para a EMI (actualmente no catálogo Erato)]

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