Apareceram num sonho almofadado entre a indie pop, a new wave e a electrónica. Treze anos depois, são uma fantasia adolescente amadurecida. Falámos com o cérebro dos Metronomy, Joseph Mount, para discutir a vida e o novo disco.
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Concertos na Altice Arena, no Pavilhão Rosa Mota e no Multiusos de Guimarães, uma gala nacional, requalificação da casa museu, edição de selos comemorativos, exposições itinerantes de fotografia, um relógio de edição limitada, um conjunto de óculos de sol e até um vinho comemorativo. Amália nasceu faz este mês 99 anos e à entrada do seu centenário já se anunciam planos que vão muito além da celebração de efeméride e passam por revitalizar a marca. Tudo isto sem sair dos projectos da Fundação que toma o seu nome. Até Julho de 2020, muito mais há-de certamente acontecer, entre iniciativas públicas e privadas. E há, claro, um novo olhar sobre o seu património discográfico, que é sempre de saudar, desde logo com a reedição integral em versões remasterizadas do catálogo Valentim de Carvalho. É nesse plano que se insere a reedição deste Com que Voz. Um disco que muitos já apelidaram de perfeito. E com razão.
Editado pela primeira vez em 1970, Com que Voz é o primeiro disco de Amália integralmente construído com composições de Alain Oulman. Foi gravado em apenas duas noites, a 7 e 8 de Janeiro de 1969, e dá-nos Amália no auge da sua forma, no culminar de uma década de antologia que a firmou como estrela internacional.
O alinhamento merece ser lembrado por inteiro, pois mantém uma coerência musical e poética inatacável, ainda que arrisque passear por territórios laterais ao fado e vadie pelas palavras de oito poetas diferentes: “Naufrágio” e “As Mãos que Trago” (Cecília Meireles), “Maria Lisboa” e “Madrugada de Alfama” (David Mourão Ferreira), “Gaivota” e “Formiga Bossa Nova” (Alexandre Oneill), “Havemos de ir a Viana” e “Cuidei que Tinha Morrido” (Pedro Homem de Mello), “Com que Voz” (Camões), “Cravos de Papel (António de Sousa), “Meu Limão De Amargura” (José Carlos Ary dos Santos), “Trova do Vento que Passa” (uma discreta lança em África, convocando, ainda em finais de 60, as palavras revolucionárias do jovem poeta exilado Manuel Alegre). Tudo isto apoiado no génio da guitarra de Fontes Rocha e captado com a mestria de Hugo Ribeiro, o homem que com o tempo todos aprendemos a olhar como muito mais do que um técnico de som. Em resumo, isso mesmo: um disco perfeito. Por todas estas razões e outras ainda, Com que Voz tem sido um território fértil de arqueologia. Sobre Amália, sobre Oulmain, sobre o próprio fado. E é assim que, 50 anos passados sobre a edição original, ainda se consegue esgravatar alguma justificação para nova reedição. No caso, três versões inéditas resgatadas a uma bobine gravada para uso doméstico. O mesmo é dizer, material de trabalho que nunca foi pensado para ser editado. Esse é, aliás, o único e parco acrescento a uma outra reedição bem mais completa feita em 2010, coordenada por David Ferreira e Frederico Santiago, que virtualmente esgotou o assunto, com cronologias, biografias, depoimentos e ensaios, no ambicioso livro de 88 páginas que acompanhava o disco. Nesta nova edição, igualmente com assinatura de Frederico Santiago, chega-nos também toda uma generosa bagageira de material extra, entre gravações que nunca chegaram ao disco final e takes alternativos com som melhorado. Material que tem o dom de demonstrar como Amália era, por esta altura, a intérprete total, capaz de chegar a ser criadora pela forma como se apropriava das composições – e as chegava mesmo a modificar – e que nunca tinha duas interpretações iguais.