★★★★☆ O “teen spirit“ está a fervilhar com “When We Fall Asleep, Where Do We Go?”, um disco de uma cantora-fenómeno, com apenas 17 anos, que esgotou a Altice Arena em três tempos. O futuro da pop é agora – e o último a chegar é um ovo podre.
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“As minhas filhas estão obcecadas com a Billie Eilish. O que lhes está a acontecer é a mesma revolução que eu vivi quando tinha a idade delas. (...) Fomos vê-la actuar e a ligação que estabelece com o público é a mesma que havia em 1991 com os Nirvana. As pessoas sabem as letras todas. E era como se fosse o nosso pequeno segredo.” Ao ouvir isto, qualquer miúdo dos anos 1990 começaria a bufar em desespero, não se desse o caso de o autor da inusitada declaração ser Dave Grohl. Quando é o antigo companheiro de Kurt Cobain a dizê-lo, tanto mais numa conversa com Josh Homme (Queens of The Stone Age), o mais sensato será ouvir com atenção esta jovem de 17 anos que é a primeira artista nascida neste milénio a chegar ao número um dos topes americanos. Fê-lo com When We Fall Asleep, Where Do We Go?, álbum de estreia lançado a 29 de Março e apresentado nesta quarta-feira numa Altice Arena completamente esgotada.
A abordagem de Billie Eilish à música reflecte uma educação feita em casa, longe do modelo clássico de escola. Os pais, ambos actores de Hollywood, seguiram um método simples: deixá-la explorar cada ímpeto criativo, alimentando-os em vez de os dirigir. Billie sempre cantou. Não houve um momento em que alguém descobriu a sua voz doce, límpida; o que houve foi um momento em que o irmão, pouco mais velho, sentiu que já seriam capazes de escrever música juntos. Foi há quatro anos. Finneas O’Connell (também actor, com participações em Uma Família Muito Moderna e Glee) deu-lhe a cantar um tema que tinha composto para a sua banda, “Ocean Eyes”, que gravaram e disponibilizaram no Soundcloud. O fenómeno rebentou online em 2016. A Interscope ofereceu-lhe imediatamente um contrato discográfico e estes anos foram passados entre singles e um EP que prometiam uma Lana Del Rey de segunda geração, mas não nos prepararam para o que acabou por chegar.
A pop gótica, industrial, melíflua, depressiva, visceral, maníaca, despedaçada, violenta, tudo e o seu contrário, com influências que vão do hip-hop e do trap à soul e ao r&b, com incursões pelo punk, a electrónica e a bubblegum pop, tornam Billie Eilish inclassificável. “Quero ser tudo”, disse recentemente. Se o mundo tinha dificuldades em acompanhar os millenials, terá muito trabalho pela frente com a Geração Z. Lorde, que também contava 17 anos quando se tornou uma estrela planetária, em 2013, foi o primeiro abanão no eixo da pop – e, agora que a neozelandesa baixou a guarda, Billie, nada e criada na capital mundial do entretenimento, Los Angeles, talvez lhe tenha deslocado o pólo magnético. E não só pela música. Billie usa roupas larguíssimas, correntes e os mais diversos e pontiagudos acessórios (como uma vedeta do nu metal, com twist contemporâneo). É uma forma de se preservar e evitar a sexualização do seu corpo, embora não se coíba de passar ao ataque nas personagens que cria. Ouça-se “Bad Guy”: “I’m that bad type/ Make your mama sad type/ Make your girlfriend mad tight/ Might seduce your dad type”.
Esse é, aliás, um tema que nos faz regressar ao início: quando Billie Eilish canta “I’m only good at being bad”, há uma ressonância evidente com “Smells Like Teen Spirit”, o hino grunge em que Cobain largava o verso “I’m worse at what I do best”. O ano? 1991. Mas não se enganem: não é uma repetição. “Xanny” fala sobre drogas, sobre não as usar: “I don’t need a xanny to feel better”. Billie é feminista, claro (em “All The Good Girls Go To Hell”, Deus é mulher), e trata a identidade de género com leveza, sem sobranceria nem reverência, um assunto como outro qualquer (na entretanto polémica “Wish You Were Gay”). A melhor Billie Eilish está, no entanto, no papão que encarna em “Bury a Friend”. Uma personagem através da qual nos revela o seu coração em trevas: “What do you want from me? Why don’t you run from me?/ (...)/ Why aren’t you scared of me? Why do you care for me?”. “I wanna end me”, dramatiza, antes de avançar para as paragens melancólicas com que termina o disco: “Listen Before I Go”, “I Love You” e “Goodbye”, o tipo de baladas que abre as comportas lacrimais da adolescência nos concertos. Um fim pouco estimulante para um arranque tão disruptivo, sempre com o irmão ao leme da produção (Finneas também toca e canta ao vivo). Ainda assim, só virá mal ao mundo se Billie não resistir aos cantos de sereia da indústria: em Julho, lançou uma versão normalizada de “Bad Guy” com Justin Bieber, por quem tinha uma paixão platónica no refúgio do seu quarto. Porque o que queremos é vê-la com a coroa da pop na cabeça. Uma coroa que Lorde parece ter deixado cair.