António Variações teve uma passagem fulgurante pelas nossas vidas. Pela nossa música. Apresentou-se ao grande público em 1981 no programa O Passeio dos Alegres, lançou os primeiros singles em 1982, o álbum de estreia em 1983 e o segundo e último em Maio de 1984. Passados poucos dias, calou-se – morreu numa noite de Santo António em Lisboa, depois de quase um mês no hospital. Mas as suas canções continuam presentes na nossa memória.
A ideia partiu da EGEAC e foi executada por Luis Varatojo, músico no activo desde a década de 80 e que esteve na fundação dos Peste & Sida e A Naifa, entre outros projectos. "Eles convidaram-me e não hesitei em aceitar. Até porque o António Variações é uma figura muito importante na música moderna portuguesa”, na opinião do director musical. Tem razão. O minhoto foi um homem à frente do seu tempo, uma estrela pop que brilhou intensamente num país cinzento. Mas foi mais do que isso. Foi um compositor arrojado e inspirador, combinando as músicas de raiz portuguesas com linguagens e formas musicais anglo-saxónicas.
“Apesar de ter gravado só dois álbuns, tem uma obra riquíssima. Se contarmos também com o disco de 1989 da Lena D’Água [Tu Aqui, com cinco versões inéditas de Variações] e com o dos Humanos, em 2004, temos quase quatro discos com canções dele. E são todas boas”, continua Luis Varatojo. “Quisemos que o espectáculo fosse o mais possível representativo da obra e incluir quase tudo o que ele gravou. Vamos tocar 25 canções, incluindo os dois álbuns completos.” Dos Humanos, por exemplo, vão ouvir-se três temas.
Entre os cantores envolvidos neste tributo estão alguns “nomes mais óbvios” como a histórica Lena D’Água, Manuela Azevedo, dos Clã e dos Humanos, ou mesmo Ana Bacalhau, a vocalista dos Deolinda que ainda há cinco anos prestou homenagem ao cantor no Rock in Rio. A lista não acaba aqui. “Outro nome que pensei logo no início foi o Conan Osiris que, pela sua abordagem à música, me parece muito próximo de todo aquele imaginário. O Paulo Bragança porque também tem um canto próximo do Variações. E depois há a Selma Uamusse, que não é uma escolha tão óbvia, mas se formos ouvir as coisas que gravou com o Rodrigo Leão faz todo sentido”, justifica o director.
O mais inusitado é mesmo o acompanhamento musical. “A ideia era fazer um tributo com as canções dele, mas diferente do que já foi feito. Quando comecei a pensar no que se podia fazer de novo, apercebi-me de que aquelas músicas nunca tinham sido orquestradas. Foi o ponto de partida para o projecto”, garante. “Quisemos prescindir de uma das características principais da música dele que era ser rock, ou pelo menos ter instrumentação de rock. Decidimos tirar isso tudo e meter uma orquestra sinfónica.” Neste caso, a Orquestra Metropolitana de Lisboa dirigida pelo Maestro Cesário Costa.
Os arranjos para orquestra sinfónica foram feitos pelos músicos e compositores Filipe Melo, Filipe Raposo e Pedro Moreira. “A ideia foi usar as dinâmicas e as formas de trabalho da orquestra e sempre que possível subvertê-las. E até encarar a orquestra como uma banda de pop-rock. Há naipes que estão mais próximos da música original do que daquilo que é uma orquestra”, explica Luis Varatojo, que deu umas quantas “sugestões em relação à utilização da orquestra em algumas canções – se seriam mais madeiras, se seriam mais cordas, se seriam mais metais, onde é que entraria o coro [Gospel Collective].”
Foi também o director musical que decidiu meter o acordeão de João Gentil ao barulho. “Não é um instrumento clássico, no entanto enquadra-se bem neste repertório. E achei que ia ajudar a orquestra, dando um toque diferente a algumas canções que estavam mesmo a pedir um acordeão. Algumas já têm até de origem. Além disso, pensámos que era um instrumento que podia desarrumar um bocado as coisas. Porque se o Variações não era uma pessoa direitinha e arrumadinha, nós também não queríamos ser.”
Variações no grande ecrã. E no ecrã gigante
Não é só nos Jardins da Torre de Belém que nos vamos reencontrar com as canções de António Variações este ano. A 22 de Agosto estreia-se finalmente o filme Variações, realizado por João Maia, protagonizado por Sérgio Praia e em gestação há mais de uma década, com uma batalha judicial pelo meio. Em Belém vai ser possível ver alguns momentos da longa-metragem pela primeira vez.
“O espectáculo vai ser pontuado por pequenos clips de vídeo que são excertos do filme”, avança Varatojo. “Isso vai ajudar-nos um pouco a contar a história do Variações enquanto músico. A mostrar como é que ele encarava a música e a compunha” Estes vídeos vão surgindo em vários momentos ao longo da actuação, encaixados entre as músicas. “Vão funcionar como o fio condutor do espectáculo.”
Cronologia de um cometa
António Variações passou fugazmente pela pop nacional, mas deixou um rasto notável. Hugo Torres mediu a cauda deste corpo celeste.