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© Robert WhitakerThe Beatles, 1964
© Robert Whitaker

Trovas e cantigas de embalar: oito canções para adormecer

As canções de embalar talvez tenham sido as primeiras criações musicais, mas nem todas induzam um sono tranquilo.

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O reino misterioso do sono nunca deixou de atrair os compositores de canções e, entre muitas escolhas possíveis, há neste lote gente conhecida como os Beatles, os Smiths e os Smashing Pumpkins. Estas oito substâncias hipnóticas podem ser tomadas sem receita médica, mas há que ter em atenção que alguns poderão produzir, nas almas mais sensíveis e quando consumidos repetidamente, efeitos secundários imprevisíveis. O importante é reter que as canções de embalar, apesar de talvez terem sido as primeiras criações musicais do homo sapiens, não são um género esgotado. A prova está aqui.

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Oito canções para adormecer

“I’m Only Sleeping”, de The Beatles

Ano: 1966
Álbum: Revolver

A elevada densidade de substâncias psicotrópicas presente na atmosfera pop-rock de meados de 60s pode levar a pensar que esta canção exprime a vontade de John Lennon ser deixado em paz na sua trip alimentada a químicos, mas não será descabido interpretá-la literalmente: Lennon era preguiçoso e poucas coisas lhe davam mais prazer que dormir, pelo que passava todo o tempo que podia entre lençóis. É significativo que a sua mais célebre e enérgica tomada de posição política tenha sido o “Bed-In for Peace” de Março de 1969, quando, em protesto contra a Guerra do Vietname, Lennon e Yoko Ono passaram uma semana na cama do Hilton de Amesterdão (uma manifestação não perde legitimidade por ser feita com luxo e conforto).

A canção tem a particularidade de os solos de guitarra de George Harrison terem sido passados de trás para diante, uma técnica de estúdio que se tornaria muito comum, mas que teve aqui o seu momento pioneiro. E não é só um truque gratuito, pois reforça o ambiente onírico do tema.

“It’s Too Hot To Sleep”, de Virginia Astley

Ano: 1983
Álbum: From Gardens Where We Feel Secure

É a nona e última parte de um poema sinfónico miminal-impressionista para piano, madeiras e ruídos da natureza que evoca um plácido dia de Verão na Inglaterra rural. O sol pôs-se, uma imensa tranquilidade desceu sobre os campos e as aves nocturnas e os grilos entoam o seu concerto encantatório, mas o dia foi escaldante – a peça anterior intitula-se “When the Fields Were on Fire” – e está ainda demasiado calor para que o sono venha.

From Gardens Where We Feel Secure surgiu na paisagem musical de 1983 como um OVNI e, quase 40 anos depois, continua a ser um disco surpreendente e que não corre o risco de ser confundido com o neo-classicismo ambiental de pacotilha que está hoje tão em voga.

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“Asleep”, de The Smiths

Ano: 1985
Álbum: The World Won’t Listen

Não é das canções mais conhecidas dos Smiths, uma vez que veio ao mundo como lado B do single “The Boy With the Thorn in Its Side”; seria depois incluída na compilação The World Won’t Listen (1987) e acabou por ter alguma projecção tardia ao ser usada na banda sonora de The Perks of Being a Wallflower (2012). Também não é das mais características da banda, pois as guitarras de Johnny Marr estão ausentes (tal como o baixo e a bateria) e a voz tem apenas a companhia de um piano. Aparentemente, a canção é sobre sono, mas quando se examina a letra mais de perto intui-se que o seu verdadeiro tema é a irmã do sono, a morte – e, mais precisamente, uma morte desejada. Por outras palavras, é uma canção sobre suicídio. Porventura a mais bela alguma vez escrita sobre o assunto.

“In the Arms of Sleep”, dos Smashing Pumpkins

Ano: 1995
Álbum: Mellon Collie and the Infinite Sadness

As 28 canções do terceiro álbum dos Smashing Pumpkins abrangem uma grande variedade de registos, que vão de máquinas trituradoras, eriçadas de espinhos e fúria, a delicadas baladas acústicas. “In the Arms of Sleep” está no extremo mais macio do espectro (Jimmy Chamberlin até toca com vassouras, em vez de martelar a bateria como se não houvesse amanhã) e ondula num embalador ritmo de 6/8, mas a suavidade não implica necessariamente doçura. Afinal, é uma canção sobre um amor condenado à partida pelo facto de não ser senão parcialmente correspondido.

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“Sleepy Song”, dos Tindersticks

Ano: 1995
Álbum: Tindersticks (II)

A voz de Stuart Staples tem, já de si, uma natureza ensonada – é talvez o único cantor que conseguiu safar-se cultivando a pastosidade e o entaramelamento –, qualidade que está em destaque em “Sleepy Song”, do segundo álbum da banda. Tem uma atmosfera hipnótica e rarefeita – que regista um abrupto pico de intensidade e densidade (com entrada de guitarras distorcidas, cordas e metais) entre os 3’40 e os 4’00 – e a voz está reduzida a um murmúrio.

Curiosidade: o segundo álbum dos Tindersticks foi, essencialmente, gravado no Conny’s Studio, em Colónia, mas esta “Sleepy Song” foi gravada nos famosos estúdios de Abbey Road, de uma assentada e recorrendo apenas a um microfone.

“Nowhere Lullaby”, dos Built To Spill

Ano: 2009
Álbum: There Is No Enemy

Os Built To Spill são como aquele amigo que sabe que a vida é uma merda e não se coíbe de o dizer, mas por isso está pronto para nos dar um abraço a qualquer momento. Frequentemente mais longo do que devia, quase sempre eléctrico, mas sempre, sempre reconfortante. “Nowhere Lullaby” é um desses abraços em forma de canção, com Douglas G. Martsch, vocalista, herói da guitarra, principal compositor e letrista, a embalar-nos enquanto descreve como a vida está sempre pronta para nos pregar rasteiras e mandar ao chão, no entanto nunca deixamos de nos levantar. Só é preciso coragem. E canções como esta também ajudam.

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“Everyone’s Asleep in the House But Me”, de Owen

Ano: 2011
Álbum: Ghost Town

Owen foi o nome escolhido por Mike Kinsella para a sua carreira a solo, nos intervalos dos múltiplos afazeres como frontman dos American Football e membro dos Owls, Cap’n Jazz, Joan of Arc e Their/They’re/There, e Ghost Town foi o seu sexto álbum. As letras de Kinsella – como Owen – são quase sempre amargas, cruas e auto-depreciativas e as de “Everyone’s Asleep in the House But Me” não são excepção.

“Falling Asleep”, de The Clientele

Ano: 2017
Álbum: Music for the Age of Miracles

Uma letra sobre quietude repleta de sons é um delicioso paradoxo – e quando se lhe soma a voz embaladora de Alasdair McLean, a música rendilhada de The Clientele e sumptuosos arranjos orquestrais, entra-se num domínio suspenso entre a vigília e o sono, a realidade e o sonho,  que poucas vezes a música consegue atingir.

Music for the Age of Miracles é o sexto álbum na pausada carreira de mais de 30 anos desta banda londrina a que, inexplicavelmente, os britânicos não dão grande importância.

Mais que ouvir

  • Música

A autorreferência é um mecanismo relativamente banal na arte. Por exemplo, poemas que se queixam de como as palavras não lhes bastam para dizerem tudo o que precisam dizer, é mato. Nos textos cantados é especialmente frequente encontrar esse tipo de truque estilístico, em particular em canções que se põem a falar sobre canções de amor para, de forma mais ou menos discreta, fingirem que não são elas próprias canções de amor, bajoujas e piegas como todas as canções de amor devem ser.

  • Música

A história da música popular está recheada de versões de canções que já tinham alcançado sucesso noutra vida. Genericamente, é disso que falamos quando falamos em covers. Mas a coisa torna-se bem mais surpreendente quando o factor sucesso sai da equação – ou, melhor ainda, quando ele está virado ao contrário e descobrimos versões que triunfaram sobre originais obscuros. A lista que se segue reúne uma dúzia de covers que eclipsaram por completo as versões primitivas, mesmo em casos onde elas tinham gozado já de relativo êxito. Mas foram estas interpretações que se impuseram na memória colectiva, a ponto de a maioria de nós as tomar hoje por originais.

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  • Música

No tempo em que não havia Internet e a globalização ainda se fazia ouvir com delay, era comum uma canção fazer sucesso numa língua, sem que a maioria do público alguma vez percebesse que estava a trautear uma toada estrangeira. O caso mais frequente, como se adivinha, é o de uma canção que se celebriza em inglês apesar de ter sido composta em italiano, francês ou outra língua que não gruda bem nos ouvidos americanos. Mas não só. Por exemplo, “Les Champs Élysées”, que foi popularizada por Joe Dassin, fez o percurso contrário.

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