Desde que Mariza apareceu, nunca mais olhámos o fado da mesma forma. Num mundo globalizado, deu-lhe novas cores e coordenadas, mas sem desrespeitar a tradição. Agora a completar 20 anos de percurso musical, Mariza canta Amália, no centenário do nascimento da diva. Já a interpretou várias vezes, mas é a primeira vez que lhe dedica um álbum inteiro.
O dinamarquês Casper Clausen ganha a vida como vocalista dos Efterklang e dos Liima, mas passou os últimos três ou quatro anos em Lisboa, a trabalhar no seu primeiro álbum a solo, que ganhou finalmente forma no ano passado e foi editado agora. Sábado, apresenta o novo Better Way no Gnration, em Braga, onde se encontra em residência. Porém, quando falámos ao telefone, em Dezembro, ele estava na Dinamarca – ou, como ele diz, “no limbo”.
O que contas?
Estou bem. Na Dinamarca.
Não sabia. Voltaste para a Dinamarca?
Não propriamente. Estou numa fase de transição. Tirei as coisas do meu apartamento de Lisboa, onde vivi durante mais de três anos, mas ainda não sei o que vou fazer. Vim passar uma temporada na Dinamarca para estar com os amigos e a família e perceber para onde vou a seguir.
Mas decidiste sair de Lisboa?
Não decidi nada, para ser honesto. Estou no limbo.
Também estou no limbo. Estou a viver no Alentejo desde o início da pandemia, mas ainda tenho as minhas coisas em Lisboa.
Pois, a vida agora é assim. E morar no Alentejo parece-me boa opção. Uma boa mudança de ares.
Mesmo. As casas são maiores. O ambiente é menos opressivo. Não há tanto Covid-19 no ar, num sentido literal e figurado.
Aqui [na Dinamarca] é igual. Quando vens para o campo quase consegues esquecer-te do que está a acontecer, de uma maneira que não consegues nas cidades. Também estou a gostar de viver assim, mais afastado das coisas. Estou a ver que estamos na mesma onda.
Há quanto tempo estás aí?
Agora estou num estúdio, numa quinta, a trabalhar em nova música dos Efterklang. Já vim para aqui umas quantas vezes com o resto da banda desde que começou o confinamento, passar uma semana ou duas de cada vez. É um sítio lindo. Estamos numa ilha no Sul da Dinamarca, no meio do campo e a cinco minutos a pé do Báltico. Um lugar remoto, mas muito grande. Com muito espaço para tocar.
Soa incrível.
E é. Para mim, é o sítio perfeito para estar confinado. Dá para me concentrar na música e encontrar novas maneiras de tocar. Isso tem sido o mais importante e interessante neste período de confinamento, que convida à introspecção e a pensar na vida de outra maneira. Este é um lugar óptimo para isso.
Mas estás a trabalhar num disco novo dos Efterklang?
Exactamente. Tenho estado a escrever umas letras. Era o que estava a fazer antes de me ligares. E os outros gajos estão lá em baixo no estúdio, a fazer música. Tivemos a sorte de conseguir praticamente completar a digressão europeia em Fevereiro, antes de a Covid-19 ter virado tudo do avesso. Quer dizer, tivemos de cancelar a digressão americana, mas na Europa só falhámos um concerto em Milão. Depois eles voltaram para Copenhaga e eu para Lisboa, e decidimos começar a escrever e a ter ideias para um novo disco, porque não havia mais nada para fazer. E nasceu daí muita música nova. Tivemos 70 ou 80 ideias para canções.
Porra. Isso é muito.
Mesmo muito. Normalmente, todas as ideias são transformadas em canções. Mas agora o processo está a ser muito diferente. Sinto falta de tocar ao vivo, porém estou entusiasmado com esta nova maneira de trabalhar. E nós somos uns privilegiados, porque não estamos a sofrer economicamente, recebemos algum dinheiro do governo dinamarquês.
Estão muito melhor do que a maioria.
Sim. A social-democracia escandinava permite que não soframos da mesma maneira que a maioria. Mas toda a indústria musical está a sofrer. Vamos ter de mudar de vida.
Por falar nisso, o teu disco a solo chama-se Better Way. Que maneira melhor é essa?
Na verdade é quase uma pergunta, uma reflexão. Quando não sei para onde vou, e duvido das decisões que tomei, penso muito se não teria havido uma maneira melhor de fazer as coisas. E o título tem a ver com isso. Pensei muito nisso quando estava a fazer este disco. Sempre trabalhei com bandas, portanto quando tinha dúvidas podia trocar ideias com outras pessoas. Agora não. E estava sempre a pensar se não haveria uma maneira melhor [de fazer as coisas], se esta era a melhor maneira.
Há muitas canções que podiam ter estado num disco dos Efterklang ou dos Liima. Porque decidiste gravá-las sozinho?
Era um sonho antigo. Já tinha tentado fazer um disco sozinho antes, e quando fui morar para Lisboa, há mais de três anos, senti que era a altura certa. Estava também a começar uma relação nova, a viajar muito. E tive a sorte de ser convidado para uma residência em Almada, tinha lá um pequeno estúdio. Aquele lugar, em cima do rio, com vista para Lisboa e alguns teclados, era perfeito para fazer música e andar à procura de um som. Sozinho. Pude perceber o que queria fazer. E senti que havia algo em Lisboa que queria recordar.
Trabalhaste com o Peter Kember, o Sonic Boom. Como é que ele aparece aqui?
Cruzei-me com o Peter algumas vezes em Lisboa, e sabia que ele estava a viver em Sintra. E a primeira canção que fiz, a “Used to Think”, tinha algumas melodias que me lembravam a “Big City” dos Spacemen 3, a antiga banda dele. Era quase uma homenagem. E sempre gostei muito da sensibilidade musical dele, dos discos que produziu. Então escrevi-lhe um e-mail a apresentar-me e a dizer que tinha feito algumas canções e me tinha lembrado dele. Na altura nem sabia o que queria fazer, se queria que ele tocasse ou que ele produzisse.
Ele influenciou muito o som do Better Way?
Acho que ele não trabalha em nada que não sinta que pode influenciar. Ele tem um som de que gosta, com que se identifica. E um método de trabalho singular. Cheguei lá com as canções feitas e já não gravámos mais instrumentos. Mas foi ele que vestiu as canções, por assim dizer, que moldou o som. A maneira como ele usa filtros e tremolos muda completamente a sonoridade de um disco. É magistral. Apesar de já ter a base instrumental gravada antes de começar a trabalhar com ele, acabou por influenciar muito o som final.
Há muitas referências ao amor e a amantes ao longo deste álbum. Dirias que é de alguma forma um disco romântico?
Há muito amor no disco. Estive numa relação à distância durante algum tempo, enquanto morei em Lisboa. Ela vivia na Suíça, e cheguei a viver algum tempo com ela lá, meio ano. Por isso estava muito dividido entre dois lugares, sem perceber para onde queria ir na vida. Por um lado estava muito feliz em Lisboa, com o meu pequeno estúdio, os amigos, o sol. Mas depois tinha este amor na Suíça, que também é um lugar lindo. Essa distância e a tentativa de tentar preservar o amor apesar da distância estão muito presentes no disco.
Este é o primeiro disco que editas pós-Covid-19. Depois de lançares um disco, costumavas partir em digressão com as tuas bandas. Como vais fazer agora?
A esse nível, a Covid-19 foi uma boa surpresa. Porque eu não gosto de tocar a solo, sinto-me muito abandonado. E estou contente por não ter de passar um mês em digressão pela Europa sozinho. Por agora, além da residência em Braga e do concerto, não tenho grandes planos. Mas interessa-me perceber como é que a internet pode mudar os concertos. O que se pode fazer que não seja só tocar e transmitir a actuação em streaming. Ninguém tem explorado muito isso e gostava de fazê-lo.