Música, Pianista, Tiago Sousa, Merzbau
©Vera Marmelo Tiago Sousa
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Tiago Sousa: “O silêncio é de onde emana tudo”

Tiago Sousa usou o confinamento para se libertar através do piano. Ouvimos as suas palavras, teclas e silêncios.

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Fundador da extinta editora Merzbau, que lançou nomes como B Fachada, Lobster ou Noiserv, Tiago Sousa acabou por seguir um percurso centrado no piano, convidando à introspecção e à meditação. O novo disco, Oh Sweet Solitude, é um regresso ao piano a solo e a formas mais livres e improvisadas de expressão. É música de autodescoberta que se redescobre ao vivo – o próximo concerto está marcado para 2 de Dezembro, no Lux, via Teatro do Bairro Alto.

O primeiro concerto de apresentação deste disco foi no Theatro Circo, às 11 da manhã de um sábado, devido ao recolher obrigatório. A tua música é propícia às manhãs?
Foi a primeira vez que toquei tão cedo. Na verdade, acaba por ir ao encontro de uma percepção que eu tenho em relação à música que faço, que é uma música que requer alguma atenção, um estado de espírito mais contemplativo. Se calhar não é tão propícia ao ambiente noctívago, em que normalmente os concertos ocorrem. Esses horários ao fim do dia trazem um estado de espírito diferente, uma percepção um pouco alterada, por isso acho interessante explorar horários menos convencionais. De certa forma, fiquei com vontade de repetir.

Referiste a necessidade de atenção para ouvir a tua música. Não gostas que seja usada como ambiente?
A partir do momento em que faço música e a dou às pessoas, ela deixa de ser minha, passa a ser partilhada. Eu faço-a com uma intenção, mas depois a forma como essa ideia se expande e vai readaptando é da responsabilidade das pessoas e das circunstâncias em que se encontram. Não é algo que me faça confusão. Eu tenho muita dificuldade em ouvir música e fazer outra coisa ao mesmo tempo. Há muita gente que comenta que ouve a minha música a ler, eu seria incapaz de o fazer. Mas as pessoas são as fiéis depositárias da minha música e vão usufrui-la de formas que não me passariam pela cabeça. No fundo, o encontro com o outro e com o estranho é precisamente o motivo que me leva a fazer isto tudo.

Este disco foi gravado num dia. De que forma te preparaste – já tinhas as pautas definidas ou deixaste fluir?
Este disco é o culminar de uma vontade de entender melhor a música e a linguagem musical no seu todo, e de um estudo mais aprofundado dos compositores de diferentes géneros musicais, sobretudo entre o século XIX e XX. Senti uma exaustão desse modelo, uma certa incapacidade de lidar com a música no plano estritamente racional e lógico. Reencontrei-me com o lado mais intuitivo e improvisativo, que me acompanha desde o início, e agora sinto que consigo fazê-lo de uma maneira diferente. Quis pegar numa série de temas, de motivos, pequenas células que me iam guiar ao longo da peça, mas depois tudo o que aconteceria nos meandros iria emergir do momento. O respirar da música é muito orgânico, não tem um respirar matemático, mas para chegar a essa espontaneidade existe uma preparação bastante grande. Às vezes é preciso dar uma distância, é preciso usufruir do silêncio, variar a mente, é uma preparação mais psicológica e mental. Devemos simplesmente tocar e confiar, não estar num processo de autocontrolo e obsessão com os detalhes. É aproveitar o que acontece de “errado”, aceitar os acidentes de percurso para transformar e tornar isso a própria música.

Mencionaste o silêncio. É importante para ti?
O silêncio é de onde emana tudo. Ao mesmo tempo, tem um lado paradoxal que é o facto de ser impossível. Por muito que experimentemos momentos de silêncio, ele nunca permanece. Há sempre um ruído qualquer que emerge.

O bater do coração.
Exacto, há sempre alguma actividade que se torna evidente. Na cidade temos uma série de ruídos e sons, e se vamos para o campo parece que sentimos o silêncio novamente. Mas se passarmos lá algum tempo, já começamos a apercebermo-nos dos passarinhos, da água que corre, do vento que passa – então o silêncio já não é silêncio. Só em relação com o ruído é que criamos o silêncio. É nessa oposição que eu o tento usar, para dar ênfase a um elemento musical. É nessa dança entre a actividade e a ausência que tudo se passa. A arte do compositor é encontrar o equilíbrio entre esses dois momentos.

Como é que a natureza mais improvisada do disco se traduz no palco?
De forma muito entusiasmante, para mim. O momento de ir para cima de um palco com uma série de possibilidades em aberto é muito refrescante. Paradoxalmente, dá-me uma certa segurança, porque antigamente eu ia para o palco com um grande nervosismo para saber se ia ser capaz de tocar todas as notas que estavam escritas. E o que senti no Theatro Circo foi o oposto. O facto de tudo ser possível, a partir de um certo roteiro, torna o processo muito mais descomplexado e liberto. Dá-me esse gozo e prazer de redescobrir aquilo que fiz. Nesse aspecto, o concerto é um momento único, de consumação de todas as coisas que se passam na nossa cabeça e na nossa solidão.

Este tempo de solidão e confinamento teve alguma influência no disco?
Acaba por ter uma influência bastante grande. A redescoberta desse tempo de ócio, em que não se passa nada, é bastante benéfica ao processo criativo. Já havia dentro de mim a sensação de que precisava de parar para dar atenção a estas peças que se estavam a esboçar aos poucos, e foi uma oportunidade meio perfeita para me aventurar de forma diferente. Essa imprevisibilidade ao início causa perplexidade, mas é algo que temos que abraçar. A vontade que nós temos de controlar tudo é uma ilusão que criamos para nos sentirmos mais confortáveis com a nossa existência meio miserável, meio irrelevante para o grande tempo cósmico. Essa abertura para dançar com o imprevisto é algo que me ajuda a lidar com isto tudo. E me ajudou a resolver o puzzle em que estava metido.

Nesta altura há muitos músicos com vontade de desistir da música. Porque é que é importante, sobretudo agora, a música continuar a ser um veículo de expressão?
Este momento traz-me a evidência do quanto a arte, enquanto expressão estritamente humana, tem tanta importância e tanta validade. Há um episódio histórico da 7.ª Sinfonia de Shostakovich, de ter sido criada numa Leningrado cercada pelos nazis. E em Inglaterra, na II Guerra Mundial, as cidades que tinham sido bombardeadas continuavam a erguer as actividades culturais, precisamente porque se nós remetermos a vida apenas à sobrevivência, à manutenção dos nossos sinais vitais, a vida torna-se profundamente vazia e desinteressante. Esse vazio existencial é tirar a última camada de razão que temos para viver. São esses momentos que nos trazem o valor de estarmos vivos e de estarmos aqui todos juntos. É essa comunicação do intangível e do invisível, que só a arte pode transportar, que nós não podemos desleixar. Há pouco tempo estava a ouvir uma peça do compositor Olivier Messiaen que ele escreveu e tocou dentro de um campo de concentração. Mesmo nessas situações em que estamos expostos ao extremo da nossa sobrevivência, ainda assim emana esta necessidade de ouvir música, de ver um quadro ou ver um passarinho a cantar numa árvore. Este valor estético da vida não pode ser posto de parte – no momento em que isso acontecer, tudo resvala e tudo se perde.

Lux Frágil. Quarta-feira, 2 Dezembro, 19.00. 12€.

Tiago Sousa - Oh Sweet Solitude

  • 4/5 estrelas
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A alma musical de Tiago Sousa é sensorial e bela. Criador e intérprete de peças impressionistas e existencialistas, é um artesão autodidacta de rédeas livres. Em Oh Sweet Solitude, o improviso e o imprevisto assumem maior protagonismo. Mais próximo da abordagem aberta de Samsara (2013), o álbum é guiado por um toque intuitivo, de inspiração filosófica. É música que escuta o vento e sorve o silêncio, música que parece simples, mas causa comoção. As teclas telúricas trovejam, gotejam e evaporam em sensibilidade. O seu piano reencontra o âmago da vida. Segue influências clássicas, mas sem o peso dos cânones nem o aprisionamento da academia. É livre, mas não serpenteia nos labirintos do jazz. O que sobressai é a sua humanidade, a inteligência emocional, a vontade de se conectar a algo mais que si mesmo. Espelho da sua solidão e da nossa, é música interior, mas a procurar a partilha. ■ 

Conversa afinada

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Nascidos das cinzas dos Hipnótica, os Beautify Junkyards chegam ao quarto álbum com uma formação que inclui João Branco Kyron (vozes e sintetizadores), Helena Espvall (violoncelo, flauta e guitarra acústica), João Moreira (guitarra acústica e sintetizadores), Sergue Ra (baixo), António Watts (bateria e percussão) e Martinez (vozes). Cosmorama expande o universo tropicalista e psicadélico da banda e pede o título emprestado a uma galeria que existia em Londres na era vitoriana, com projecções de locais distantes e exóticos, um portal para viajar no tempo e no espaço – no fundo, tudo o que pode esperar deste disco.

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Desde que Mariza apareceu, nunca mais olhamos o fado da mesma forma. Num mundo globalizado, deu-lhe novas cores e coordenadas, mas sem desrespeitar a tradição. Agora a completar 20 anos de percurso musical, Mariza canta Amália, no centenário do nascimento da diva. Já a interpretou várias vezes, mas é a primeira vez que lhe dedica um álbum inteiro. Gravado entre Lisboa e o Rio de Janeiro, o disco conta com arranjos do músico e produtor brasileiro Jaques Morelenbaum. Com guitarra portuguesa, viola e orquestra, afloram influências do jazz e da música clássica, mas também da lusofonia.

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Pedro Lucas, que a solo assina como P.S. Lucas, nasceu no Faial, passou por Lisboa, viveu na Dinamarca e está de regresso à capital. Depois do cruzamento entre a electrónica e a música tradicional portuguesa nos discos de Medeiros/Lucas e O Experimentar Na M'Incomoda, assume influências de nomes como Leonard Cohen e Bill Callahan e aposta tudo em canções belas, onde redescobre o prazer da guitarra. O novo álbum In Between conta com o trio nuclear João Hasselberg (contrabaixo), David Eyguesier (guitarra) e João Sousa (bateria), e participações de Catarina Falcão ou Jerry The Cat.

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