Música, Pop, D'Alva
©DRGonçalo de Almeida, Ben Monteiro e Alex D'Alva Teixeira são D'ALVA
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D’ALVA: “A música é pop, mas a atitude vai ser sempre punk”

Demorou, mas os D’ALVA vão finalmente apresentar o álbum ‘SOMOS’ ao vivo, no Lux. Falámos antes do concerto de quinta-feira, 2 de Fevereiro.

Luís Filipe Rodrigues
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Há mais de uma década que escutamos a voz de Alex D'Alva Teixeira. Primeiro em nome próprio, no EP Não é um projeto e noutras edições da FlorCaveira, e depois nos D'ALVA, o seu duo com Ben Monteiro, que ao vivo se desdobrava numa banda. Em SOMOS, editado no início do Outono, são oficialmente três, com a promoção do baterista Gonçalo de Almeida, que os acompanhava desde o início, ao estatuto de membro oficial e fotografado. Antes do concerto de apresentação do novo disco, a 2 de Fevereiro no Lux, bebemos uns copos com Alex e Ben no bar e restaurante Connect.

Durante dez anos, apesar de terem outros músicos a tocar com vocês, os D’ALVA apresentavam-se como um duo. Mas agora são três. Porque decidiram convidar o Gonçalo para se juntar ao grupo?
Ben: Na verdade ele já lá estava. 
Alex: A diferença é que agora aparece nas fotografias [risos].
B: Lembro-me de começar a ajudar o Alex no que era na altura o projecto dele, Alex D'Alva Teixeira, e mesmo antes de sair o EP…

Não é um Projeto?
B: Esse. Já tínhamos ideia de quando é que o disco ia sair, faltavam cinco ou sei meses, e disse-lhe que era boa ideia começar a tocar, para quando saísse o EP e tivesse de fazer promo não aprender a tocar as músicas à frente das pessoas. Na altura nem fazia sentido eu entrar, mas recomendei logo o Gonçalo, porque sabia que os gostos dele e as referências se alinhavam. Ainda por cima, faz-nos pessoas melhores estar na presença dele. É esse tipo de amigo.
A: Quando estás muitas horas dentro de uma carrinha, com as mesmas pessoas, é importante que seja fácil estar com elas. E nem é só isso. Quando temos de tomar decisões, o Gonçalo não só é descomplicado como muitas vezes ajuda-nos a ver as coisas de uma perspectiva que não temos.

Porque é que só começou agora a aparecer nas fotos? É tímido?
B: Há já alguns anos que é nosso desejo começar a introduzir as pessoas que tocam connosco como membros da banda, e ele foi o primeiro a entrar. Fez sentido que fosse o primeiro a ganhar esse destaque. Mas, na prática, antes de darmos qualquer passo para a esquerda ou para a direita já consultávamos o resto dos músicos. Porque uma coisa é estares aqui na tua bolha e a percepção que tens de ti mesmo e do que estás a fazer, e outra coisa é perceber o que acham eles, que no dia-a-dia estão com pessoas diferentes. Ajudam-nos a entender a percepção pública do que fazemos.

Disseste que as referências dele se alinhavam com as vossas. Mas que referências?
A: Musicais e culturais.

Certo. Mas as referências que vocês têm e que não se ouvem nesta banda, o punk, o hardcore, etc. Ou as referências que se ouvem em D’ALVA, mais synthpop, mais 80s?
A: As duas. Desde Blink-182 passando por Mew, que também são uma referência para nós.
B: Bandas nórdicas.
A: Mas também tem sempre uma playlist dos anos 80 a tocar quando vamos a casa dele.
B: Há até artistas mais contemporâneos a explorar isso que ele nos dá a conhecer. Lembro-me sempre de uma banda de que ele e o Alex eram super-fãs, os Cansei de Ser Sexy.
A: Foi a banda que me uniu ao Gonçalo.

Havia diferentes pontos de contacto, portanto.
B: Sim, ele gostava das mesmas bandas que nós. Até de hardcore. De tudo.

Até que ponto colaborou ele na composição do SOMOS? E o resto dos músicos?
B: Já aconteceu no passado ele ser consultor. Nós termos uma ideia e perguntar-lhe como deve ser a secção rítmica. E ele vem e com a sua simplicidade… Porque até o design dele é bare-bones.

Ele também é designer?
B: Somos todos designers. Ou pelo menos já fomos. Ele gosta de simplificar, simplificar. Tem sido uma escola para nós. Enquanto produtor, quero sempre adicionar mais qualquer coisa e ele diz: “Não, não, menos, menos. Podes pôr isso aí que eu não vou tocar e tu nem te vais dar conta”. No passado acontecia isto. Neste disco, a partir do momento em que assumimos a relação com o Gonçalo publicamente, foi tudo composto com ele. Houve coisas que gravámos os três; houve outras que não, porque não podíamos estar juntos. Mas foi feito tudo à medida dele, à distância.

Por causa da pandemia?
A: Sim. Repara que a primeira música, que é a “Só A Pensar”, é composta no final de 2019. E quando começamos a compor já estamos a produzir. Só levou a demão final já durante a pandemia, mas posso dizer que 80% já lá estava.
A: Essa canção é um pouco excepcional, porque nem sabíamos que ia estar no álbum.
B: Nem que ia haver uma pandemia.
A: Quando a lançámos, estava tudo em casa, a passar mal, havia gente a morrer. Nem sabíamos se era fixe editar música nova. Mas lembro-me de estar ao telefone com o Ben e dizer que a ideia do vídeo, que já estava filmado, era o que estava a acontecer naquela altura. E fazia sentido meter aquela música para fora o quanto antes. Acho que o dever do artista é ser um reflexo dos tempos em que vive, por isso fez todo o sentido lançar esse single. Mas acho que só depois disso é que decidimos fazer um álbum. A “Só a Pensar” foi a mother-song, a mãe do restante corpo de trabalho.

Quer dizer que estiveram quase três anos a trabalhar no disco?
A: O período pandémico impossibilitava editar como deve ser, gravar como deve ser, e acima de tudo não dava para tocar e estarmos juntos ao vivo. Acho que fomos um bocado ambiciosos em pensar que, cada um em sua casa, íamos conseguir fazer um disco com pelo menos cinco colaborações.
B: Mas conseguimos.
A: Conseguimos em 2022 [risos].

Quando terminaram as gravações?
B: Duas semanas antes de sair.

Não...
A: Sim. Porque tens de pôr as coisas no Spotify com duas semanas de antecedência.
B: Foi duas semanas e dois dias antes de sair o disco que gravámos a última linha vocal.

Referiram que compõem e produzem as canções ao mesmo tempo. Fiquei curioso: como é o vosso processo criativo? E a divisão do trabalho?
B: Qual é a ideia que tens de fora?

Tinha ideia que o Alex escrevia tudo e tu compunhas a música. Era o meu instinto.
B: Mas não. Sempre foi 50/50.
A: Mesmo em relação às letras e aos beats, às vezes até acontece o oposto [do que se pensa]. Trouxe muitas ideias instrumentais para este disco. Faço sempre uma playlist de Soundcloud com beats, mando para o Ben e há-de haver uma em que ele só retira um sintetizador ou alguma coisa e acaba numa música final. 
B: Sim, há vezes em que algum de nós vem com uma música já muito próxima do fim.
A: Mas, lá está, normalmente a coisa é dividida. Não é como se fôssemos uma empresa e cada um tem o seu departamento. É muito fluído. Se o Ben tiver uma canção inteira com instrumental e uma letra que acharmos fixe, essa é a canção que fica.
B: Há canções novas que têm uma produção incrível, que as pessoas acham que veio da minha cabeça, e na verdade só refinei o que o Alex trouxe. Aprendemos os dois... 

A fazer as duas partes?
A: Sim.
B: Mas também a não deixar o ego ser um problema, quem é que faz o quê. Se ele aparece com uma ideia de um instrumental em que está tudo lá, o que é que eu vou fazer? Vou ser estúpido e rejeitar? Não. Está óptimo. Pergunto só: quando é que pegamos nisto? Bora.
A: E a mim também me dá imenso gozo cantar coisas que não foram escritas por mim.

Preferes cantar as tuas palavras ou as dos outros?
A: Gosto de cantar, ponto final. Gosto de poder transmitir emoções às pessoas. Não importa se sou autor ou intérprete desde que tenha oportunidade de estar em palco e partilhar isto com as pessoas. Por exemplo, uma canção como a “Chama-me Nomes”, que parece altamente pessoal, ao mesmo tempo é relacionável.
B: E partiu de uma experiência que ambos temos... Coitado de quem está connosco [risos].
A: E são tudo coisas que o Ben escreveu para a sua namorada. Mas o meu namorado consegue recebê-las como se tivessem sido escritas para ele. As boas canções fazem isso. É disso que gosto na música dos D’ALVA. Consegue chegar a pessoas de todas as orientações sexuais, de todas as origens étnicas, de qualquer background.
B: A pop faz isso, não é? Por isso é que escolhemos a pop.

É uma escolha curiosa, tendo em conta que não é o sítio de onde vocês vêm.
A: Porque se calhar quando éramos adolescentes não era normal começares a fazer música pop. Se querias fazer música não tinhas acesso a um laptop, não ias logo começar a fazer beats. Por isso as referências eram outras, eram bandas. Lembro-me que adorava Nirvana, por exemplo, e achava que se queria fazer música tinha de arranjar amigos para tocar comigo, tinha de aprender a tocar um instrumento. 

Achávamos todos.
A: Por outro lado, lembro-me de estar a trabalhar com o Ben num projecto de design e de estarmos a falar de bandas de que gostávamos, coisas de hardcore tipo Underoath. Depois, do nada, alguém diz: “Lembras-te de Spice Girls? Curto bué aquele primeiro álbum, mete aí a tocar”. E percebemos que tínhamos a mesma admiração pela mesma música pop.
B: E a pop porquê? Porque esses discos eram buffets de degustação. Cada canção era um género em si. Foi isso que nos atraiu. É a única razão pela qual dizemos que fazemos pop. Porque queremos ter esse wiggle room para, se amanhã nos apetecer fazer um disco só com guitarras, não ser um problema. Às vezes, às bandas não se permite esse espaço. Uma coisa fixe das aulas de produção que dou é que para os meus alunos não existe género.

No sentido musical?
B: Sim. Para eles o que conta é do que gostam.

Porque a geração que cresceu sempre com a internet, mais ainda do que a nossa... Quer dizer, vocês são da minha idade?
A: Eu nasci em 1990.
B: Eu sou de 1980.

Estou no meio de vocês os dois, nesse caso.
A: Mas digo-te, mais do que a internet, para mim, foi a TV por cabo. Foi crucial. Um canal que primeiro dava Britney e depois Metallica e era na boa. E tu gostavas das duas coisas.

Tens razão. Acho isso ainda mais intenso hoje, porém.
B: Com certeza. Eu sinto que pessoas da minha geração têm algum problema em admitir que gostam de coisas diferentes. As pessoas que passaram a ser users do Spotify já estão um pouco mais tranquilas, mas vimos de uma altura em que a música era muito tribalista.

Completamente. Eu próprio era. Mas hoje nem consigo conceber tal coisa. Quando alguém me pergunta, no Bumble ou assim, que música oiço, não sei o que dizer. No meu top de discos de 2022 estava a Rosalía, claro, mas também ambient, hyperpop, sludge metal…
B: E é isso, estás a ver? Ter o mesmo fascínio por sludge e por stoner e por hyperpop.

O que importa é as canções baterem. É sentir-se alguma coisa.
A: Exactamente.

Já agora, até que ponto é que virem da cena punk e do emo – e terem projectos como a Emo Nite ou ALGUMACENA – influencia D'Alva? Se é que que influencia.
B: Se calhar no passado fugimos um bocadinho desse rótulo, mas neste disco há canções que podemos dizer: “Isto é emo and that's okay”. Por exemplo, vínhamos agora ter contigo e veio à conversa a palavra “pretensiosismo”. Este disco é menos pretensioso do que o anterior. Porque não estamos a falar disto ou daquilo ou de dissonância cognitiva ou etc. Estamos a falar só de relações. 

E do fim delas. Dirias que é o vosso break-up record?
B: Se calhar.
A: É. A música que fazemos acaba por ser uma espécie de espelho de coisas que acontecem nas nossas vidas. E, sim, da minha parte houve um break-up [risos]. Mas agora, como estou numa situação relacional diferente, as canções novas estão a assustar-me um bocado, porque são todas canções românticas. Se escrever para D’ALVA dependesse só de mim, ia estar com medo do futuro. Ainda bem que o Ben também escreve muitas letras.
B: Acho que não temos de falar só de coisas meta. A coisa naturalmente vai numa determinada direcção e não tens de estar sempre a filosofar.

Claro que não.
A: Mas deixa-me dar uma resposta directa à pergunta anterior: emo, punk rock, do-it-yourself… A nossa música é pop, mas a atitude vai ser sempre punk. Estas três coisas que enumerei – emo, punk rock, do-it-yourself – têm valores inerentes. E esses valores vão estar sempre presentes naquilo que fazemos.
B: Tens razão.
A: O que une estas três cenas é a autenticidade. Acho nunca vamos ser capazes de estar a fingir.

De facto, são a banda mais plástica, mais autêntica que consigo imaginar. A vossa música é muito trabalhada, há uma certa plasticidade, mas as canções têm nervo.
B: Têm que ter. A parte plástica é sempre a última; a canção tem de estar lá.
A: Fico lisonjeado. Surpreendido e lisonjeado. Obrigado.
B: O Alex disse no início desta conversa que a “Só Pensar” foi a origem deste disco, porque surgiu numa altura em que estávamos com uma profunda crise existencial. Tivemos de cortar relações com quem trabalhava connosco e ficarmos sozinhos, porque queríamos perceber quem éramos. Essa música saiu naturalmente e percebemos que, sim, nós trabalhamos com outra malta, conseguimos fazer outras coisas, mas isto é o que somos. Sabemos que há uma expectativa quanto ao lado técnico da nossa música, mas neste disco isso foi um after-thought. E sinto que cada vez mais é assim que vamos fazer as coisas. A canção está lá? Está. Estamos contentes com a escrita? Não. Vamos mexer. Está a soar bem? Fixe. Esta era bom outra pessoa aqui, bora convidar alguém.

Por acaso, este disco tem muitos convidados: Cláudia Pascoal, Isaura, Joana Espadinha, Primeira Dama, Ana Cláudia… Porque quiseram colaborar com estas pessoas, com percursos tão diferentes?
B: Porque ouvimos as vozes deles nas canções.
A: Há bué gente que me pergunta: “Foi o Primeira Dama que escreveu aquela linha do ‘Só escrevo cenas para fechar a pista’?” E não, foi o Ben. Mas se ouvires a demo dessa música com a voz do Ben, parece que é o Manel [Lourenço, vulgo Primeira Dama] a cantar.
B: Se bem que ele depois mudou um verso ou assim, e ainda bem. Muita gente não o conhecia, quando ouve a voz dele pensa: “Quem é que é esta pessoa? Não o conhecia e estou a sentir tudo”. Fico contente por dar a ouvir o trabalho dele a mais gente.

Ele é mesmo o nome mais fora aqui.
B: É o mais leftfield, sim. Mas o Manel podia fazer parte da nossa banda, vou-te já dizer. Percebemos que temos a mesma paixão por muita da mesma música.

Vai estar com vocês no concerto de apresentação, no Lux?
B: Vão estar lá todos os convidados. O que só em si é um feito. Conseguir juntar esta gente toda, no mesmo dia, à mesma hora, em Lisboa, foi complicadíssimo. Só isso já é uma razão para as pessoas irem. Tão cedo não se repete.

Lux. Qui 2. 22.30. 10€

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