As compras e jantares de Natal dão cabo da paciência e do orçamento familiar, mas há concertos em Lisboa para nos animar.
Mais de década e meia depois de concertos, sombras, fatos e cartolas, os Dead Combo vão chegar ao fim. Tó Trips e Pedro Gonçalves anunciaram no início de Outubro que fariam uma última ronda de espectáculos e que em 2020 arrumariam a dupla de guitarra e contrabaixo no álbum de recordações. “Se o nosso encontro foi uma descoberta, uma grande amizade, um diálogo musical, um universo que se foi adensando e clarificando; se todos estes anos foram uma grande festa nas nossas vidas, não poderia ser de outra forma o nosso final. Decidimos acabar, mas acabar em grande”, disseram na altura. Algumas semanas mais tarde, Mark Lanegan, músico norte-americano com quem os portugueses gravaram um disco ao vivo em Paredes de Coura, deixou-lhe um elogio de monta durante uma conversa com a Time Out: “Os Dead Combo são uma das melhores bandas de sempre”. Agora, é tempo de começar a dizer adeus. A digressão final arranca com duas datas onde tudo começou, a ZDB, no Bairro Alto, sexta-feira e sábado. Aproveitámos para lhes fazermos três perguntas rápidas.
Recriaram o som que se associa a Lisboa. Se noutros tempos seria a guitarra de Carlos Paredes, agora é a síntese que fizeram da cidade multicultural. O fim dos Dead Combo é também o fim de uma era sonora?
Pedro Gonçalves: Quando muito será o fim da era sonora dos Dead Combo. Criámos algo único e que só poderia ser de Lisboa, mas afirmar que a nossa música marca uma era acho que é um bocado demais. Existem imensas pessoas a produzirem musica de extrema qualidade e com qualidades únicas, e que também só poderiam fazê-lo em Lisboa.
Tó Trips: Não nos levamos assim tão a sério! O fim dos Dead Combo pode ter a ver com o fim de uma certa Lisboa não era gentrificada, romântica, suja e decadente, desconhecida de muitos, boémia. Uma Lisboa das pessoas dos bairros! Eu e o Pedro conhecíamos o Joca, um amigo nosso que arranjava os telhados de todas as igrejas no Chiado, conhecíamos os trolhas do Combro, os dealers do Bairro Alto, os empregados da Brasileira, as pessoas que viviam por ali e que já não vivem. De repente, descobriu-se a histeria do turismo, dos números, da cara lavada, do "I wanna be"! Normalmente as expressões artísticas nas transições dos séculos são sempre misturas do passado com o futuro! E os Dead Combo são um bom exemplo disso mesmo. Não passam de uma banda do inicio do séc. XXI.
Quanto do vosso impacto na música se deve a Anthony Bourdain? O chef deu-vos apenas notoriedade, ou foi mais do que isso?
PG: O que Anthony Bourdain fez foi utilizar a plataforma de que dispunha para apresentar ao mundo os Dead Combo. Algo por que lhe estaremos gratos até à eternidade. Abriu portas que de outra maneira não se abririam e inclusive deu-nos a conhecer a muitos portugueses que não faziam ideia de quem éramos.
TT: Deu-nos uma excelente oportunidade. Estaremos agradecidos para sempre! Mas também é um bom exemplo do que falta em Portugal: trabalhar nessas oportunidades para se expor lá fora a nossa cultura, porque cá existem artistas e pessoas de várias áreas válidas em qualquer parte do mundo. Faltam só os meios e pessoas que trabalhem para esse fim, para se expor o que de melhor se faz por cá – e não são poucos!
Como vão ser os concertos desta digressão final?
PG: Serão concertos de revisitação do nosso repertório. Tocaremos músicas de todos os discos e voltamos à formação original, só os dois.
TT: Os dois gajos do inicio, com 16 anos a mais. Vamos tocar 32 temas que, alternando de gig para gig. O cenário será o do inicio, mas agora mais burguês, já com técnico de luzes. Vai ser um ano de memórias, de temas que não tocamos há muito tempo e que nos lembram histórias, gentes e lugares. Uns ainda existem, outros não. Começamos onde nascemos, na ZdB. Vai ser memorável! Esta banda é como se fosses na rua e, quando te viras para pedir lume, aqueles dois gajos que viste minutos antes, encostados a uma esquina do bairro, olhas e eles já lá não estão. O tempo é uma dimensão devastadora!