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Danny Clinch

Dez grandes discos com 30 anos: 1989

No final da década de 1980 o post-punk estava a perder gás, mas já novas correntes musicais começavam a assomar, ao mesmo tempo que velhos mestres entravam uma segunda juventude.

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Em 1989, o post-punk britânico que dominara a primeira metade da década, continuava a produzir obras válidas, mas estava a precisar de renovação: algumas das suas bandas cimeiras tinham-se extinguido – Joy Divison, Bauhaus, The Smiths, The Sound, The Chameleons, The Teardrop Explodes – e outras atravessavam crises criativas – Echo and the Bunnymen, Psychedelic Furs – ou existenciais – U2. Mas o pop-rock britânico tinha outras cartas na manga e o final da década foi marcado pelo despontar de duas correntes que iriam vingar e alastrar pelo mundo (até serem atropeladas pelo grunge): o shoegaze, prefigurado pelo lançamento de Psychocandy, dos escoceses The Jesus and Mary Chain, em 1985, e o fenómeno Madchester, com epicentro em Manchester e com os Stone Roses e os Happy Mondays como cabeças de cartaz.

Mas 1989 foi também um ano em que não faltaram grandes discos desalinhados com qualquer tendência ou escola e em que alguns veteranos regressaram à sua melhor forma após uma sucessão de discos erráticos.

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Dez grandes discos com 30 anos: 1989

“New York”, Lou Reed

Após ter rubricado vários álbuns seminais na viragem das décadas de 1960/70, com os Velvet Underground e a solo, na segunda metade da década de 1970 a carreira de Lou Reed entrou em declínio, do ponto de vista artístico e comercial e a sua vida pessoal acabou por levar caminho similar, afundando-se em álcool e drogas. A década de 1980 foi passada a libertar-se das toxicodependências e dos excessos e a tentar repor a carreira a flutuar, mas não produziu discos memoráveis. Mas quem julgava que os melhores anos de Reed já tinham ficado para trás enganou-se redondamente: em 1989 deu um formidável golpe de rins com New York, um álbum que traça um retrato cru da sua cidade (e do mundo) e que opera um “regresso às raízes” do rock’n’roll. No final das notas na contracapa, Reed afirma que “nada bate guitarras, baixo e bateria” – e ouvindo estas 14 musculadas, secas, ácidas e certeiras vinhetas nova-iorquinas só pode concordar-se. Parte do mérito deve ser atribuído à produção crua e sem artifícios de Fred Maher, que foi também o baterista do álbum (com excepção de duas faixas em que foi chamada a ex-Velvet Underground Maureen Tucker). A guitarra de Mike Rathke o contrabaixo eléctrico de Rob Wasserman fizeram o resto.

[“Hold On”]

“Freedom”, Neil Young

No final dos anos 80, a carreira de Neil Young parecia ainda mais “arrumada” do que a de Lou Reed: após um álbum pouco inspirado com os Crazy Horse (Reactor, de 1981), Young experimentara, sempre com resultados decepcionantes (ou até embaraçosos), a electrónica (Trans, de 1982), o rockabilly (Everybody’s Rockin’, 1983), a country (Old Ways, de 1985) e o soft rock meloso (This Note’s For You, de 1988), e reaquecera restos de uma sessão de 1984 com os Crazy Horse, que o produtor David Briggs classificou como simiescamente incompetente (Landing on Water, de 1986).

Dir-se-ia que Young tinha aterrado na água e não tinha colete salva-vidas, mas Freedom mostra que o canadiano era capaz de se reerguer de entre os mortos e caminhar sobre as ondas. O disco – o 17.º da carreira de Young – é estilisticamente muito variado, indo da folk rendilhada e delicada de “Hangin’ on a Limb”, ao hard rock adstringente de “Rockin’ in the Free World” (que se tornaria num hino para a geração grunge), passando pelo épico de sabor mexicano “Eldorado”.

[“Eldorado”]

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“Words for the Dying”, John Cale

O ex-parceiro de Lou Reed nos Velvet Underground fora em boa parte responsável pela heterodoxia e imprevisibilidade da banda, pelo que não é de estranhar que, também a solo, a carreira de Cale tenha ziguezagueado de forma desconcertante. A década de 1980 já registara uma obra-prima tenebrosa – Music for a New Society (1982) – e fecharia com uma obra-prima pouco menos sombria (como indicia o título). O álbum, produzido por Brian Eno e editado numa das editoras deste, a Opal, era maioritariamente ocupado com The Falklands Suite, um ciclo de quatro canções orquestrais sobre poemas de Dylan Thomas e dois interlúdios instrumentais, interpretado por uma orquestra sinfónica russa e um coro de rapazes de uma catedral galesa e cantado por Cale.

Words for the Dying não prima pela coerência estilística, já que The Falklands Suite é complementada por duas peças para piano solo e pela synth pop exótica de “The Soul of Carmen Miranda”, onde a mão de Eno é mais do que evidente, mas isso não compromete a sua grandeza.

[“Lie Still, Sleep Becalmed”]

“Hats”, The Blue Nile

O duo escocês The Blue Nile causara forte impressão quando em 1984 lançou A Walk Across the Rooftops, mas foi preciso esperar cinco anos para que voltassem a editar. E não foram cinco anos de ócio: Paul Buchanan e Robert Bell passaram parte desse tempo em estúdio a tentar criar canções à força e a atirar os nado-mortos para o caixote do lixo. A dada altura, a editora perdeu a paciência e expulsou-os do estúdio – em casa, as canções acabaram por surgir naturalmente e Hats acabou por ser gravado rapidamente e mantendo o nível superlativo do predecessor. A synth pop nunca foi tão atmosférica, hipnótica, épica e melancólica.

[“Headlights on the Parade”]

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“Three Months, Three Weeks & Two Days”, Bill Pritchard

Bill Pritchard é um dos raros casos de artistas pop-rock britânicos que obtiveram maior popularidade do outro lado do Canal do que no seu país. Pritchard nasceu no Staffordshire, mas acabou por desenvolver a sua carreira sobretudo no “continente” e o álbum Three Months, Three Weeks & Two Days dá disso testemunho: tem três canções cantadas em francês, foi gravado em Paris e Bruxelas, com músicos franceses e belgas (e com coros pela veterana Françoise Hardy em “Tommy & Co.”), foi produzido pelo francês Étienne Daho e lançado pela editora belga PIAS. E, todavia, muitas das canções de Pritchard fazem pensar, quer pela sua matriz musical, quer pelas letras, num equilíbrio entre romantismo e ironia ácida, nos quintessencialmente britânicos The Smiths.

[“Tommy & Co.”]

“California”, American Music Club

“Califórnia” é palavra que, no contexto pop-rock, costuma ser sinónimo de dias soalheiros, uma brisa fresca a soprar do mar, auto-estradas cheias de automóveis reluzentes, praias amplas onde se desdobram ondas perfeitas – um imaginário repetidamente explorado pela surf music e pela grandiosa e polida pop orquestral dos Beach Boys.

Na Califórnia dos American Music Club – o seu segundo álbum, se não contarmos com Restless Stranger, que a banda renegou – também há estradas (uma dá mesmo título a uma canção: “Highway 5”), mas estas raramente levam a sítio algum. Estamos num mundo árido e cinzento, povoado por gente sem rumo e vencidos da vida – três dos títulos falam por si: “Laughingstock”, “Bad Liquor” e “Now You’re Defeated”. Na derradeira canção, “Last Harbor”, Mark Eitzel canta, respaldado apenas por um dedilhado de guitarra: “Estou a cair/ Não vejo o fundo/ Serás tu o meu último porto?”, mas não há nela esperança, só cansaço e desamparo. E depois a voz e o dedilhado extinguem-se e um fiapo de teclado fica a pairar, como o rasto de um avião no céu, até se dissipar também.

[“Last Harbor”]

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“Mettle”, Hugo Largo

Mettle é, como o seu antecessor, Drum (1988), um disco fora do tempo: poderia ter sido gravado em 2019. Ou em 2029. Os nova-iorquinos Hugo Largo tinham uma voz invulgar – Mimi Goese – envolta numa teia instrumental enfeitiçante e não menos invulgar – dois baixos (Tim Sommer e Adam Peacock) e violino (Hahn Rowe). Brian Eno, com o seu ouvido infalível para detectar talento, acolheu-os na sua editora Opal, mas o grupo dissolveu-se após Mettle.

Muitas bandas têm, nos últimos 30 anos, explorado o universo da dream pop, mas nenhuma andou por estas paragens.

[“Turtle Song”]

“On Fire”, Galaxie 500

Combinando a faceta mais pop e luminosa dos Velvet Underground, o lado áspero e épico do Neil Young eléctrico e atmosferas oníricas, o trio de Cambridge, Massachusetts, com nome pedido emprestado um dos mais populares modelos da Ford na década de 1960, lançou, entre 1988 e 1990, três álbuns indispensáveis, antes de se dispersarem – Dean Wareham fundou os Luna, a baixista Naomi Yang e o baterista Damon Krukowski, associaram-se nos Damon & Naomi. On Fire, o álbum do meio, está efectivamente em chamas, mas é um fogo sereno, que não queima.

[“Blue Thunder”]

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“The Stone Roses”, The Stone Roses

Os seus conterrâneos Happy Mondays já tinham lançado dois álbuns – Squirrel and G-Man Twenty Four Hour Party People (1987) e Bummed (1988) – mas o termo “Madchester”, designando a combinação de indie rock, música de dança e psicadelismo cultivada por bandas de Manchester e alimentado a substâncias psicotrópicas, só seria cunhado em 1989, que foi o ano em que esta corrente ganhou força e visibilidade com a aparição do álbum de estreia, homónimo, dos Stone Roses. Estes existiam desde 1983 e lançavam singles desde 1985, mas passaram por várias mudanças na formação (o vocalista Ian Brown começou como baixista), até terem estabilizado na “configuração canónica” com a entrada do baixista Mani em 1988.

A passagem da obscuridade à fama deu-se do dia para a noite, com a ajuda da imprensa musical britânica, sempre ávida de descobrir a “next big thing” e criar “fenómenos”, “cenas” e “ondas”. Na verdade, o álbum de estreia dos Stone Roses nem sequer se encaixa nos padrões típicos do som Madchester, uma vez que as suas 11 canções não exibem marcas evidentes de música de dança – essa vertente só seria desenvolvida no quarto single que a banda lançou em 1989 e que se transformaria num dos seus maiores sucessos: o hipnótico “Fool’s Gold”.

A carreira da banda acabaria por não ser a marcha triunfal que a Melody Maker e o New Musical Express tinham prognosticado, devido a um prolongado imbróglio contratual com a primeira editora da banda, a Silvertone, que só permitiu que o segundo álbum surgisse cinco anos depois. Ora, não só este não correspondeu às expectativas geradas pelo opus 1, como em 1994 já o interesse pela “cena” Madchester fenecera e o universo pop-rock fora tomado de assalto pelo grunge.

[“Waterfall”]

“Louder Than Love”, Soundgarden

1989 foi o ano de estreia dos Nirvana, com Bleach, e dos Mudhoney, com o álbum homónimo – ambos em editoras independentes e pouco conhecidas (à data) e ambos ignorados pela crítica e pelo público fora de Seattle. Os Pearl Jam só se formariam no ano seguinte e a estreia em disco dos Alice in Chains teria lugar em 1990, a dos Pearl Jam e dos Smashing Pumpkins em 1991 e a dos Stone Temple Pilots em 1992.

Mas enquanto Bleach ainda mostra os Nirvana em busca da sua voz (e ainda sem Dave Grohl na bateria), Louder Than Love, o segundo álbum dos Soundgarden, revela uma banda com uma sonoridade sólida e amadurecida e um progresso apreciável em relação a Ultramega OK, do ano anterior. Progresso, em termos de visibilidade para a banda, foi também a passagem da editora independente SST para a major A&M – um sinal de que as grandes editoras começavam a dar-se conta de que as massas estavam a ficar receptivas à sujidade e agressividade do grunge.

Se, aos mais distraídos, os Soundgarden podiam parecer um remake musculado do hard rock da viragem dos anos 60/70, as atmosferas lúgubres, alimentadas pelas letras de Chris Cornell, as métricas pouco convencionais, a bateria heterodoxa de Matt Cameron e as influências de música indiana (e Bauhaus!) do guitarrista Kim Thayil garantiam que os Soundgarden não pretendiam ser émulos dos Led Zeppelin.

[“Ugly Truth”]

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