Musica no Coração (1965)
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Dez versões clássicas de “My Favorite Things”

Como uma canção que fala de “Gotas de chuva em rosas/ E bigodes nos gatinhos” se converteu em fonte de inspiração para muitos músicos de jazz.

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A acção do musical The Sound of Music, com música de Richard Rodgers e letra de Oscar Hammerstein II, decorre na Áustria, na véspera da anexação do país pela Alemanha nazi, em 1938, e tem como protagonista Maria, que aceita um trabalho como governanta da família Von Trapp – o pai, viúvo, e sete filhos – e acaba apaixonando-se pelo pai, sendo a história de amor apimentada pela sombra ominosa do nazismo.

O musical teve sucesso estrondoso na Broadway – 1443 representações entre Novembro de 1959 e Junho de 1963 – e em Londres – onde estreou em 1961 e teve 2385 representações – e a sua fama dilatou-se ainda mais quando foi adaptado ao cinema, em 1965, com realização de Robert Wise e Julie Andrews como Maria e Christopher Plummer como Capitão Von Trapp – o seu sentimentalismo pegajoso é realçado no título que recebeu em Portugal: Música no Coração.

“My Favorite Things” é uma canção-lista, em que Maria enumera as coisas de que gosta, um exercício que faz para se confortar quando o mundo lhe é adverso e que, no filme, serve para apaziguar as crianças assustadas por uma trovoada. A letra irradia bonomia e ingenuidade: “Gotas de chuva em rosas/ E bigodes nos gatinhos/ Chaleiras de cobre brilhantes e quentes luvas de lã/ Pacotes embrulhados com papel pardo e cordel/ São algumas das minhas coisas favoritas// Póneis de pelagem creme e tartes de maçã estaladiças/ Campainhas de portas e de trenós [...] Quando o cão morde/ Quando a abelha pica/ Quando me sinto triste/ Basta-me recordar as minhas coisas favoritas/ E já não me sinto tão mal”.

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Dez versões clássicas de “My Favorite Things”

1. John Coltrane

Ano: 1960
Álbum: My Favorite Things (Atlantic)

John Coltrane tornara-se notado no quinteto de Miles Davis em 1956 e fizera, como líder, três discos para a Prestige e um para a Blue Note. Os seu crescimento como músico na segunda metade da década de 50 foi fulgurante, pelo que não foi inesperado que em 1960 deixasse Davis para se consagrar à carreira a solo. O primeiro álbum na Atlantic, Giant Steps (gravado em 1959 e deitado em 1960), era, com efeito, um passo de gigante e Coltrane Jazz (gravado em 1959-60 e lançado em 1961) e My Favorite Things (gravado em 1960 e lançado em 1961) confirmavam Coltrane como um dos mais inovadores e ousados jazzmen do momento. Para tal muito contribuiu a versão de 13’41 de “My Favorite Things” incluída no álbum homónimo, que marca a estreia de Coltrane no saxofone soprano e o princípio da consolidação do que viria a ser o seu “quarteto clássico”, com McCoy Tyner (piano) e Elvin Jones (bateria) – o contrabaixista foi Steve Davis, que daria, pouco depois, lugar ao “definitivo” Jimmy Garrison.

2. Red Holt

Ano: 1961
Álbum: Look Out!! Look Out!! (Argo) A fama do baterista Isaac “Red” Holt decorre quase exclusivamente de ter feito parte do popular trio do pianista Ramsey Lewis e a sua discografia como líder resume-se a este Look Out!! Look Out!!, gravado com os seus colegas de trio, Ramsey Lewis e Eldee Young, e com o saxofone de Wallace Burton e a guitarra de Roland Faulkner. Esta leitura macia e afável da macia e afável “My Favorite Things”, ao surgir no mesmo ano que a de Coltrane, só podia, claro, passar completamente despercebida, de nada lhe valendo a veemente chamada de atenção expressa no título do disco.

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3. Sarah Vaughan

Ano: 1961
Álbum: After Hours (Roulette) Numa carreira marcada pela exuberância e pela potência vocal, After Hours é um álbum inesperado: a atmosfera é a que convém à hora tardia aludida no título, com Vaughan em versão contida e subtil, um repertório quase exclusivo de baladas e acompanhamento restrito à  guitarra de Mundell Lowe e ao contrabaixo de George Duvivier.

4. J.J. Johnson

Ano: 1963
Álbum: J.J.’s Broadway (Verve) Ainda antes de a adaptação cinematográfica de The Sound of Music ter surgido em 1965, já “My Favorite Things” desfrutava de grande popularidade, com confirma a sua inclusão neste álbum do trombonista J.J. Johnson consagrado a êxitos da Broadway. Nesta faixa o trombonista tem a parceria de Hank Jones (piano), Richard Davis (contrabaixo) e Walter Perkins (bateria).

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5. Grant Green

Ano: 1964
Álbum: Matador (Blue Note) O guitarrista Grant Green estreou-se em disco como líder com Grant’s First Stand em 1961, na Blue Note, editora para a qual faria, nos anos seguintes, um impressionante número de registos, como sideman e como líder. A produção foi tão abundante que a Blue Note optou por adiar a edição de alguns álbuns, pese embora não serem em nada inferiores aos restantes. Em 1964, por exemplo, Green gravou Talkin’ About!, editado no ano seguinte, Street of Dreams, editado em 1967, e Solid e de Matador, que só foram publicados 15 anos depois (no caso de Matador apenas no Japão, com a edição americana e europeia a ter de esperar por 1990). Em Matador, Green tem a companhia de 2/3 da secção rítmica de John Coltrane – McCoy Tyner e Elvin Jones – juntamente com o contrabaixista Bob Cranshaw.

6. Betty Carter

Ano: 1964
Álbum: Inside Betty Carter (United Artists)

Betty Carter foi uma das mais ousadas vozes da viragem dos anos 50-60, com uma notável capacidade de improviso, um scat singing ágil e uma forte afinidade pelo bebop, e mesmo quando cantava canções convencionais, como “My Favorite Things”, a sua abordagem estava longe de ser convencional. Claro que isto tinha um preço e quando, em meados da década de 1960, o pop-rock captou a atenção das massas e lançou o mundo do jazz numa crise sem precedentes, a sua carreira quase se extinguiu – após Inside Betty Carter, só voltou a editar um disco em 1970.

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7. Dave Brubeck

Ano: 1965
Álbum: My Favorite Things (Columbia)

O quarteto de Dave Brubeck já tinha registado algumas composições de Richard Rodgers em 1962, que permaneciam inéditas, e terá sido o êxito da adaptação cinematográfica de The Sound of Music, estreado em Março, que levou a que, em Setembro de 1965, o grupo voltasse a estúdio para gravar composições de Rodgers suficientes para preencher um álbum. Apesar de o saxofone alto de Paul Desmond fazer parte da imagem de marca do quarteto a canção que dá título ao álbum é tocada em trio, só com Brubekc, Gene Wright (contrabaixo) e Joe Morello (bateria) – e Brubeck faz dela uma abordagem respeitosa e amável.

8. John Coltrane

Ano: 1966
Álbum: Live at the Village Vanguard Again! (Impulse!) Entretanto, Coltrane não deixara de tocar “My Favorite Things” – a canção tornou-se numa peça central do seu repertório e foi sujeita a explorações cada vez mais longas e radicais, como ficou documentado em discos (de edição póstuma) como Newport ’63 e Selflessness. No concerto de 28 de Maio de 1966, no Village Vanguard, “My Favorite Things” estende-se por 20 minutos e conta com uma nova formação, que apenas retém do “quarteto clássico” o contrabaixista Jimmy Garrison (que faz uma introdução a solo a “My Favorite Things” mas é quase inaudível ao longo do tema propriamente dito). Os novos músicos são Pharoah Sanders (saxofone e flauta), Alice Coltrane (piano), Rashied Ali (bateria) e Emanuel Rahim (percussão).

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9. Kenny Burrell

Ano: 1966
Álbum: Have Yourself a Soulful Little Christmas (Cadet)

Enquanto Coltyrane levava “My Favorite Things” para o espaço interestelar, havia músicos que continuavam a tocá-lo junto à lareira, de pantufas calçadas. É o caso desta versão incluída num álbum de canções de Natal do guitarrista Kenny Burrell, que até tem uma carreira respeitável, que inclui um álbum de 1958 (editado em 1963) co-liderado por Coltrane. Esta faixa e a anterior servem para mostrar quão distantes os dois músicos tinham ficado em apenas oito anos.

10. Alice Coltrane

Ano: 1971
Álbum: World Galaxy (1972) Após a morte de Coltrane em 1967, a viúva, Alice, assumiu carreira em nome próprio, recorrendo frequentemente a repertório e ex-parceiros do esposo e prosseguindo a orientação místico-astral. É o caso de World Galaxy, em que “My Favorite Things” e “A Love Supreme” enquadrm três composições “galácticas” de Alice e em que esta, que de desdobra por piano, órgão, harpa e tanpura, tem a cumplicidade de uma orquestra de cordas e de Frank Lowe (saxofone), Leroy Jenkins (violino), Reggie Workman (contrabaixo) e Ben Riley (bateria). É provável que Julie Andrews se sentisse com falta de ar acaso ouvisse isto...

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