Duquesa é a personagem que Nuno Rodrigues, vocalista e guitarrista dos Glockenwise, encarna quando se apanha em palco e em estúdio sem a banda de garage rock com quem toca desde a adolescência.
Falámos uns dias antes da apresentação do novo disco, Norte Litoral, no MusicBox.
Da última vez que falámos, no ano passado, estavas a considerar estagiar num escritório de advogados. O que estás a fazer agora?
Desde que terminei a licenciatura, para aí em 2013/2014, que andei só a tocar. Não fazia mais nada. Mas estava aborrecido por não ter o que fazer entre as nove e as cinco, como as pessoas normais, e decidi arranjar um trabalho a sério (risos). E agora estou a estagiar. Mas acabei por não seguir o caminho tradicional, por não ir para uma sociedade de advogados fazer coisas chatas. Estou num escritório pequeno no Porto. Fazemos várias coisas porque é importante que tenha contacto com as áreas todas durante o estágio. Mas a minha área de interesse é a propriedade intelectual e os direito de autor.
Conseguias viver só da música, se quisesses?
Os meus únicos rendimentos neste momento são da música, visto que não recebo nada pelo estágio. A maior parte dos estágios em advocacia não são remunerados. Por isso continua a ser apenas a musica. Não é uma vida muito glamorosa, mas é fixe ter esse sustento. Ainda por cima a fazer uma coisa de que gosto.
Como é que equilibras a música e esse trabalho das nove à cinco? O teu patrono não se importa que te baldes ao trabalho para dar entrevistas e filmar vídeos?
Ele tem uma relação com a música. É um apreciador.
Um apreciador de Duquesa?
Não sei se é fã de Duquesa, mas conhece. É sócio de um bar no Porto, tem uma relação com a boémia e a música. Não me parece que vá surgir nenhum conflito. Há um entendimento quanto a isso.
Algumas faixas deste Norte Litoral têm uma onda meio anos 80 que não reconhecíamos na tua música até agora. De onde é que veio isso?
Tem a ver com várias coisas. É evidente que tenho prestado atenção a artistas a que dantes não ligava tanto. Tinha pouco contacto com essa década, e o que me chegava era tudo muito cheesy. Mas na verdade é uma época prolífica em excelentes artistas. É muito interessante.
Este disco é muito diferente do EP de 2014. O primeiro era mais solar, mais luminoso. Este é um disco mais lunar.
Não tinha interesse em voltar a fazer o mesmo. Ia correr o risco de me repetir. Em Duquesa tenho oportunidade de fazer aquilo que me apetece, e pareceu-me adequado do ponto de vista estético fazer coisas diferentes, e daí ter desde baladas ao piano a canções muito rítmicas à anos 80. Não há nenhum compromisso estético, por isso o disco fica meio a soar a mixtape. Gosto disso. Além disso tive a oportunidade de encarnar uma personagem um bocadinho mais profunda, artística. Porque também tenho vinho a conhecer melhor essa personagem que é Duquesa, nos concertos e com o passar do tempo. Tenho percebido melhor quem é essa personagem e o que quero que ela diga. Este disco é a primeira concretização, a primeira materialização, disso.
Falas em Duquesa como uma persgonagem. Porquê?
Será sempre diferente de mim, porque isto também é uma arte performativa. Subir ao palco tem tanto de teatro como de honestidade. E Duquesa tem muito de mim, mas também é algo mais. Se em Glockenwise estou mais à vontade, de calças de ganga a fazer barulho e a contar piadas, aqui assumo outros contornos, ligeiramente mais melodramáticos e teatrais. Gosto de explorar isso. Para ser o Nuno Rodrigues já sou o Nuno Rodrigues normal o resto do tempo. Se vou subir ao palco para fazer alguma coisa, prefiro que haja espaço para haver outras vozes, outras intenções.
Outra novidade do novo disco é cantares em português pela primeira vez. Foi difícil?
Foi relativamente natural, na verdade. Quando escrevi as canções pareceu-me que a voz devia ser portuguesa. A grande dificuldade foi perceber como é que funcionava a métrica em português e assim, porque as letras saíram mais ou menos de forma natural. Talvez porque não são muito complicadas, porque são bastante honestas.
Lembro-me de te perguntarem, há uns anos, porque é que não cantavas em português e de dizeres que não era natural para ti. O que mudou entretanto?
Não foi uma decisão consciente. Não acordei um dia e decidi cantar em português. Só que a primeira frase que me saiu da boca, quando estava a fazer aquelas canções, foi em português. Nunca me tinha acontecido e pensava que nunca me fosse acontecer. Mas fiquei contente, porque nunca tinha escrito nada minha língua-mãe. E agora podem surgir muito mais coisas, visto que já está o precedente instituído (risos).
Vais continuar a cantar em português, portanto.
Sim e nem tem de ser exclusivamente em Duquesa.
O primeiro avanço do disco, o “Norte Litoral”, é muito diferente de tudo o que fizeste antes. Não tiveste medo de fazer uma coisa tão diferente?
Não. É evidente que foi um bocadinho esquisito escolher aquela para ser o primeiro avanço do disco, mas fi-lo por isso mesmo. Introduzia a ideia de cantar em português e não desvendava ao que o disco soava. Achei que era perfeita por isso. Apesar de não ser nada radiofónica, foi a que deu mais que falar porque introduziu todas essas novidades.
De facto, foi muito falada e acho que foi bem recebida. Pelo menos foi muito partilhada no Facebook. Surpreendeu-te?
Eu achei isso curioso, porque era a música mais arty do disco. A canção é muito contemplativa e o videoclip é muito pausado. Mas houve muita gente que se identificou com o tema. Gente de fora, gente que tem uma relação com o Norte Litoral. A canção está longe de ser uma ode ao Norte Litoral, e até falo de coisas más, mas as pessoas preferem ignorar isso, porque é alguém a falar da terra delas. Não estava mesmo à espera disso. Até na Galiza houve gente a partilhar a música. Eles também são norte litoral e também se identificam com essa ideia, mesmo no contexto espanhol deles e tendo em conta a relação deles com a portugalidade... Bom, agora portugalidade não é uma palavra que esteja muito na moda (risos). Foi feita uma apropriação cultural do termo.