Música, Éme e Moxila
©DRÉme e Moxila
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Éme e Moxila: “Tivemos de nos encontrar a meio”

Depois de vários anos juntos, na vida e na arte, Éme e Moxila gravaram um disco a dois. Para isso, tiveram de se “encontrar a meio”, entre a música de ambos.

Luís Filipe Rodrigues
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É enternecedor ouvir Éme e Moxila falar. Interrompem-se repetidamente, completam as frases um do outro, e mesmo quando começam por discordar não tarda muito até algum emendar a mão com um “tens razão” ou outra expressão de compromisso e concordância. Ouvi-los assim, numa terça-feira à tarde – no mesmo Centro Ideal que Moxila ilustrou na capa de Domingo À Tarde, o anterior disco do seu parceiro na vida e na música, e Éme imortalizou numa das canções das suas Loopstation Demos –, é quase como ouvi-los a completar as canções um do outro em Éme e Moxila, o álbum que lançaram juntos em Março e apresentam em Lisboa a 10 de Abril, mais um domingo à tarde, na ZDB.

O disco é o principal assunto de uma entrevista que se espraia por uma hora, até que os ponteiros do relógio tocam nas oito e uma voz atrás do balcão avisa que são horas de fechar o café, “mas amanhã estamos cá outra vez”. Os desvios e os atropelos repetem-se, sem nunca se perder o fio à meada. Nem podia. Éme e Moxila, o primeiro álbum que João Marcelo e Mariana Pita escreveram e interpretaram juntos, do princípio ao fim, é um daqueles aos quais queremos voltar uma e outra vez. As suas 11 canções ocupam pouco mais de meia hora, mas assim que terminam somos compelidos a ouvi-las de novo. (Tal como a conversa é compelida a voltar a focar-se no disco sempre que se dispersa.)

É um disco breve, todavia levou muito tempo a ganhar forma. Apesar de nunca terem parado de lançar novas canções – Éme em demos e compilações da Cafetra; Moxila na série Natal Gentil da sua Gentle Records –, o último álbum dele tinha saído em 2017 e ela não gravava um EP desde 2016, precisamente o ano em que começaram a ganhar forma umas quantas faixas que agora ouvimos. “A Mariana já estava a fazer algumas destas músicas quando eu fiz o Domingo à Tarde. Só que teve bastante trabalho. E eu também, noutras coisas”, recorda ele. “Fazer um disco a meias foi uma decisão muito pragmática. Ela não estava com tempo para fazer um disco inteiro, mas já tinha algumas canções, eu também estou sempre com coisas, e achámos que se calhar poupávamos algum trabalho.”

Na verdade, “só o início foi pragmático”, como o cantor lisboeta sublinha logo a seguir. “Depois fizemos uma coisa mais conjunta”, continua ele. Tirando uma ou outra excepção, não há aqui canções do Éme e canções da Moxila. Há canções de Éme e Moxila. Algumas foram desde o início pensadas e concebidas pelos dois. “Outras não, mas depois acabaram por ser a dois”, conta o cantor. “Por exemplo, eu já andava a trabalhar na ‘Lilos’ a solo e não a conseguia resolver. Só quando entrou a Mariana é que passou a funcionar e acabou por se transformar numa música feita a dois.” Outra que começou por ser escrita por ele mas foi concluída por ambos é a “Montanha”. “Não estávamos muito satisfeitos, e foi preciso apagar quase tudo o que tínhamos feito e reescrever grande parte da coisa”, confessa.

Apesar de terem partido de ideias de Éme, quer em “Lilos”, quer em “Montanha”, é a voz de Moxila que se encontra em primeiro plano e canta a maior parte dos versos – em muitos deles, porém, é acompanhada pelo namorado. Já em “Relaxado”, uma canção de amor perfeita, a voz de Éme é dominante, porém “conceptualmente” (palavra deles) é mais da Moxila. “Logo ao início, combinámos que eu ia tratar daquilo a que a Mariana chama a parte boring. Tipo, fazer a linha de baixo, ou acabar uma letra que não está pronta, mas para a qual já temos uma ideia. Depois eu vou lá e, como um publicitário, pergunto ‘que tal?’ E ela manda para trás. A cliente é que manda”, brinca o cantautor.

Mariana ri-se. “A parte que eu curto mais é fazer a melodia de voz”, reconhece. As canções dela começam sempre com uma melodia de voz, as letras só surgem depois. “Aliás, começam sempre com um acorde, uma melodia de voz”, corrige. “Perco muito tempo nas melodias, e não avanço para a parte seguinte a não ser que esteja mesmo confiante.” O processo criativo de Éme é diferente. Há letras inteiras que estão escritas antes de haver uma canção, outras nascem de melodias e linhas instrumentais, “depende um bocado”, admite. Muitas demoram anos a concluir, outras perdem-se pelo caminho. “Nem consigo contar quantas [se perdem]”, reconhece. “Faço muitas músicas que não vão para lado nenhum.”

“Há muitas coisas que deito para o lixo, ideias que não sigo. Ela não. Se começa uma música, acaba. E no tempo em que ela faz uma música toda eu estou ali de volta de uma parte”, contabiliza João Marcelo. “Eu engonho muito mais e a Mariana concretiza muito mais. Acabamos por casar isso um bocado bem. Neste disco, por exemplo, a minha lentidão ajudou-a a polir algumas coisas. E a rapidez dela obrigou-me a acabar as músicas. Tivemos de nos encontrar a meio.” E não foi só aí. Nas letras, também houve compromissos. “Normalmente, as composições da Mariana têm um lado mais fantástico, e eu quis encontrar-me a meio com ela”, explica. “E as [letras] dela aqui também são menos fantásticas e mais pessoais.”

O resultado é um dos melhores e mais variados discos de ambos. Há canções que são declarações de amor e retratos – ora mais vívidos, ora fantasiosos – de um idílio doméstico (“Exílio”, “Relaxado”, “Não é o que parece”); outras nascem da vivência e observação da cidade que os rodeia (“Lilos”, “Rio”); algumas ainda são histórias aparentemente desligadas das suas biografias, mas pessoais (“Seixal”, “João Maria”). Contudo, fazem sentido juntas. Balançando-se entre o country, a folk anglo-americana e a tradição portuguesa, ouvimos as marcas autorais de Éme e Moxila, sempre com frases certeiras e uma escrita bem apurada (“há quem toque pós-rock, pós punks antigos, por muito que eu toque, toco só pós amigos”; é o Éme no seu melhor).

A cola que junta as diferentes peças é Manel Lourenço, ou Primeira Dama. Foi ele quem gravou este álbum, depois de duas bem-sucedidas colaborações entre Éme e o amigo e conselheiro B Fachada. “O acordo que eu tenho com o B como produtor é que ele é o boss, quando está a produzir”, explica o músico. “E a nossa ideia era sermos nós a produzir”, interrompe Moxila. “Como era o meu primeiro disco que não era gravado directamente para o portátil, tirando os Natais [Gentis], fiz questão de ser eu a ter esse controlo todo. Mas nós chamámos o Manel para gravar, e depois é claro que ele estava lá connosco e acabou por dar umas ideias também”, continua ela. A julgar pelo que se ouve, foram belíssimas ideias.

Zé dos Bois. Dom 17.00. 7€.

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