Música, Samba, Bossa Nossa, Mallu Mahalhães
©Mariana Valle LimaMallu Mahalhães
©Mariana Valle Lima

Mallu Magalhães: “As canções memoráveis têm vontade própria”

Mallu Magalhães tem muita ‘Esperança’ – na vida, no novo disco e no concerto em Lisboa. Falámos com ela.

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Com 15 anos, Mallu Magalhães çomeçou a carreira com a pressão de ser a grande revelação da música brasileira. Entre o álbum Pitanga (2011) e Vem (2017), mudou-se para Lisboa, distanciou-se da folk e das fixações anglo-saxónicas, provou o sabor da saudade e redescobriu o colorido calor do samba e da bossa nova, ganhando mais confiança na sua poesia. Quase 15 anos depois de entrar no mundo da música, segue em elegante evolução e traz Esperança, um disco de essência escapista, que apresenta em Lisboa esta sexta-feira.

Vives em Portugal há vários anos, costumas viajar pelo país ou ficas mais por Lisboa?
Gosto de ir para as praias! O Algarve é uma delícia, mas é longe. A Caparica dá para passar o dia e voltar. Gosto de passear em Lisboa na beira do rio, ir para um jardim ou explorar zonas que a gente não conhece. Cada dia abre alguma coisa, né? Tem uma série de cafezinhos e cantinhos para conhecer, gosto de procurar coisas novas.

De que é que sentes mais falta do Brasil?
Da minha família, dos amigos, da nossa cultura calorosa, alegre e cheia de vida. Sinto falta disso. Das referências da minha infância, a cultura da padaria, aquela coisa de sentar, comer um pãozinho de queijo e tomar um cafezinho. E no Inverno sinto falta do Verão [risos].

Como é que tem sido a tua vivência em Portugal como brasileira?
Já vivi situações, mas eu procuro me cercar de pessoas de que gosto e procuro me distanciar de ambientes que podem ser mais agressivos. E isso serve para qualquer escolha da nossa vida. Mas sinto que Lisboa tem ficado cada vez mais cosmopolita. Por ter muitos estrangeiros, o facto de eu ser estrangeira tem sido cada vez menos importante.

Tens quase 15 anos de carreira, é quase metade da tua vida. Olhando para trás, como vês a tua evolução?
Acho que estou num caminho interessante. O que me deixa aflita é quando não tenho uma visão que me estimula. É muito ruim a sensação de não ter essa meta. Sinto que agora tenho um objectivo claro e que estou caminhando para ele. Sinto que tenho desenvolvido um trabalho autoral e ao mesmo tempo comunicativo, que consegue conversar com as pessoas e as pessoas se sentem tocadas por ele.

Entraste no mundo da música com 15 anos. Imagino que tenha sido complicado lidar com essa exposição durante a adolescência, sobretudo para quem era muito tímida.
Ainda sou. Pode parecer que estou supercalma, mas eu estou tremendo inteira. Tento parecer calma, mas fico supernervosa. Para mim é um desafio me expor, mas é um recurso importante para a minha profissão, então acabo encarando de frente. Eu evito parar para pensar muito nisso, faço o que tem de ser feito e tento tirar o melhor desses momentos. Sempre foi muito desafiador para mim, mas nem por isso vou deixar de fazer, né?

Claro, a música é a tua vida, é a tua forma de expressão.
Exacto. É esse sentimento que a música me traz: a tranquilidade, o conforto. Quando chego ao estúdio e toco, é um alívio tão grande... Eu chego naquele ambiente, pego num instrumento e sinto: nossa, finalmente, cheguei. Dá-me segurança, que é diferente do momento da exposição, que acaba por ser mais desafiador.

Tens algum arrependimento?
Arrependimentos, tenho uma colecção deles. Eu me arrependo de uma série de coisas, mas geralmente são pequenas e pontuais. Uma vez que não dá para voltar atrás, em vez de chamar arrependimentos eu posso chamar de aprendizados [risos]. Assim acabo por ser estranhamente grata a situações que eu gostaria que não tivessem acontecido.

Se pudesses voltar atrás, quando tinhas 15 anos, o que é que dirias a ti própria, sabendo o que sabes hoje?
Muita coisa, tinha que ser uma lista [risos].

Dirias para aguentar, que vai valer a pena?
Não... Eu sempre tive a visão de que não adianta deixar a felicidade para o futuro. Tem que ser bom no momento. Quando estava numa situação que era ruim, em que realmente passava da linha do desafio e virava uma coisa nociva, eu sempre me distanciei. Em lugares em que eu precisava de dizer a mim mesma para aguentar firme, eu talvez faria o contrário hoje e diria: não, não aguenta. Se você não está feliz nesse lugar, esse não é o seu lugar. Eu diria para mim que não preciso de me encaixar. Acho que talvez eu teria me poupado a algumas... Enfim, teria sido bom se eu tivesse tido a visão de que tudo bem, eu sou diferente.

Como é que costumas escrever música?
É como se fosse um pensamento, uma ideia, é a natureza de um impulso. Geralmente surge em movimento – tenho mais ideias na rua, no avião ou no carro do que em casa. Quando estou em movimento, a minha criatividade flui melhor. E depois vou lapidando em casa. As canções memoráveis têm vontade própria.

Além da música, em que outras áreas gostas de usar a criatividade?
Eu gosto muito de artes plásticas, mas não tenho tanto talento assim. Eu admiro mais do que faço [risos]. O meu negócio é mais a ilustração e a moda. Gosto de fazer roupa, de costurar, de criar combinações. Quando saí da escola, já que não ia ter um percurso académico, fiz um curso técnico e fiquei com essa experiência.

Também fazes roupa para a tua filha?
Também! E ela adora, sabia? Eu acho que ela reconhece que o processo é longo, e por isso dá mais valor. Ela faz um desenho, eu vou lá e costuro, e ela fica toda feliz.

Como é que estão a correr os concertos deste disco?
O primeiro em Guimarães foi assim... épico [risos]. A gente chorou, a saudade era tanta e eu senti uma reconexão com essa entrega. Com a situação do lockdown, acabei por passar muito tempo com uma rotina mais reservada e isso acaba por sobrar e não é bom. Quando comecei a cantar, senti: como é que eu pude não fazer isso tanto tempo? Pareceu uma necessidade física, uma necessidade existencial muito poderosa. É curioso, eu me adaptei e acostumei com outra personalidade e quando me deparei de novo com aquele momento foi tipo um renascimento.

E agora, como vai ser este concerto em Lisboa?
Vai ser um desses emocionantes e o facto de ser um ambiente tão marcante também dá um friozinho especial na barriga. Estou a preparar um show super-especial, um cenário que muda de cor, tem todo um trabalho de luz que responde a cada música. O repertório é super-bonito, porque são as pérolas de todos os discos e algumas do Esperança. Fica um show muito dinâmico. Não tem nenhuma canção que eu pense: putz, agora vem aquela, tomara que passe rápido. Não, todas valem a pena [risos].

Campo Pequeno (Lisboa). Sex 21.30. 20€-35€

Conversa afinada

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