Pedro de Tróia
© Tomás MonteiroPedro de Tróia
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Pedro de Tróia: “A música é aquilo que me faz sentir vivo”

'Tinha de Ser Assim', o segundo álbum a solo de Pedro de Tróia, é apresentado em Lisboa na quinta-feira. Falámos com ele.

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Depois dos Capitães da Areia, Pedro de Tróia estreou-se a solo com Depois Logo se Vê. O disco saiu em Março de 2020, pouco tempo antes do início do estado de emergência. Alguns meses depois, Pedro já começara a trabalhar com o produtor Tiago Brito num novo álbum, que acaba agora de lançar. O segundo registo a solo, Tinha de Ser Assim, é um disco com mais cores e sintetizadores, com letras que fazem cócegas ao coração e que derramam uma sensibilidade muito própria. É uma prova de sobrevivência de quem está pronto para continuar. No dia 11 de Novembro, vamos poder ouvi-lo ao vivo no Capitólio, com um convidado especial: Rui Reininho.

Qual foi o maior desafio ao fazer este disco?
A maior dificuldade foi estar sempre a pensar que se calhar não estava a fazer a coisa certa. A pandemia já tinha deixado mossa, já estávamos no segundo confinamento e confesso que tive vontade de desistir, pensei que tinha de arranjar uma coisa estável. A partir do momento em que me senti mais inconsciente, ou irresponsável, as coisas fluíram muito rápido.

Lançaste o primeiro disco um pouco antes do início do estado de emergência. O que te levou a pensar logo noutro disco?
Quando entrou o estado de emergência, tive de cancelar o concerto de lançamento. Depois isolei-me durante dois ou três meses, e nesse período pensei que se calhar mais valia esquecer isto da música – que adoro, que é aquilo que me faz sentir vivo, mas às tantas mais vale eu não me sentir tão vivo e ter uma vida mais estável. Mas isso também não me estava a levar para um sítio muito bom, porque de repente estás a querer ser o que não és. Por volta de Agosto, quando nos é dada oportunidade dar uns concertos, senti que se é isto que eu quero, e se é tão claro para mim, não posso deixar-me levar pelos lamentos e as lamúrias. A energia que eu vou gastar a queixar-me é a energia que eu posso aplicar a construir-me e a tentar subir um degrau. No ano seguinte até posso estar um degrau abaixo, mas sei que pelo menos fiz os possíveis para me trabalhar. Então fui em busca dessa serenidade: se é isto que eu quero fazer, é isto que tenho de fazer. Independentemente de as coisas não estarem muito favoráveis, fazia-me todo o sentido reagir a isto.

O Manel Cruz diz que criar é uma necessidade quase fisiológica no ser humano. Mesmo que não seja a decisão mais certa em termos financeiros...
Subscrevo de uma ponta a outra. Já tive várias oportunidades de escolher uma vida estável, sem grandes preocupações, mas depois sentes um grande vazio. Há mesmo essa necessidade de criar para sentires o sangue a pulsar, para sentires que estás a criar extensões de ti. E não é só a música, é escrever um texto, é imaginar um perfume, desenhar um vestido, tudo isso alimenta. E também a reinvenção, que a pandemia veio convidar a que todos praticássemos, em que agora temos de fazer o mesmo, ou melhor, com o que temos. É um desafio extremamente estimulante tentar ir atrás da reinvenção, de fazeres mais com o que tens. Neste momento é assim que me sinto. Posso ter menos, sei que podia ter mais, mas com aquilo que tenho sinto-me mais perto de estar completo. E isso é muito importante para me fazer sentido eu estar aqui vivo.

Como é para ti escrever, é um processo fácil ou doloroso?
Muitas vezes é um processo doloroso. Sabes quando as pessoas têm necessidade de falar e ligam a alguém? Eu nunca faço isso [risos]. Escrevo textos ou canções. Mas enquanto com os textos eu sinto que a coisa não fica necessariamente resolvida, nas canções a coisa fica mais fechada, porque depois aquilo vai ser ouvido, sinto que já não me pertence, é sempre um alívio. Um dos dias mais importantes é o dia em que as músicas saem cá para fora. Muitas vezes começo a escrever e gosto de deixar que aconteça e só depois tentar entender o que se passa. Há coisas que vão se acumulando em ti, mas de repente, quando tiras a tampa da caneta, as palavras começam a aparecer, quase como magia. Isso para mim é instrutivo, eu descubro-me muito enquanto a escrita acontece.

As tuas letras parecem ter um coração muito aberto.
Como eu não me considero propriamente um intérprete – se eu fosse àqueles programas de talentos, ninguém virava as cadeiras –, eu tenho muita dificuldade em dar voz a uma canção que não seja minha. Apesar de ter sempre alguma dificuldade nessa exposição, canto aquilo que escrevo sobre mim ou sobre as pessoas à minha volta, porque eu conheço tão bem aquilo, é tão meu, tão pessoal, que eu não tenho de interpretar, tenho é de me aguentar [risos]. Não me faz sentido cantar coisas que não tenha vivido. O que não quer dizer que não possa inventar histórias para outras pessoas e até vestir outros corpos ou personas. Mas prefiro sujeitar-me ao risco de não conseguir dizer aquele verso ou sair do concerto com vontade de chorar. É aquela sensação de esvaziar, de dares tudo o que tens a quem lá esteve – fossem cem pessoas, mil ou uma.

Neste disco cantas uma música com o Rui Reininho, como é que isso aconteceu?
Tudo começou quando eu fazia viagens longas de carro com o meu pai pela zona das Beiras, entre Coimbra, Viseu, Penhas Douradas. Eu sempre fui muito calado – aquele silêncio petrificante –, e em vez de conversarmos, o meu pai punha-me a ouvir GNR, Rodrigo Leão e Madredeus.

Pá, o teu pai tem bom gosto.
Também ouvia Vangelis [risos]. E outras coisas. Mas acabaram por ser essas as minhas três grandes referências. Nessas viagens dava por mim a olhar para as paisagens e sonhava, imaginava histórias, sempre com essas bandas sonoras. E sempre que ouvia o Rui a cantar, queria muito estar a cantar ao pé dele. Muitas vezes as pessoas idolatram o Rui por coisas mais fora, mais inesperadas que ele diz. Aquilo que me amarra e que me deixa completamente arrasado é que não há ninguém como ele, na forma como ele escreve e canta. Não escrevi a “Carrossel” a pensar nele, mas decidi enviar, agradecer-lhe pela pessoa que é e dizer-lhe que gostava de a cantar com ele. Passadas duas horas, ele respondeu a dizer: “Vamos a isso, queres que eu vá a Lisboa ou vens ao Porto?”. Pensei que estava a gozar, mas quando ele me telefonou... esquece. Fiquei tão feliz. Fui ao Porto gravar essa música e quando o Rui canta o primeiro verso belisquei-me todo. Muitas vezes, quando os miúdos dizem que querem ser jogadores de futebol, ou cantores, os adultos dizem: “vai estudar e tem juízo”. Quando eu dizia que um dia queria estar ao pé do Rui Reininho a cantar, ouvia esses comentários, e são coisas que para uma criança podem ser castradoras. Pá, quando uma criança me disser uma coisa assim disparatada, eu vou fazê-la acreditar que um dia isso pode acontecer. Eu acho isto mágico, a vida tem este perfume.

Como foi conhecer uma pessoa que admiras tanto?
Faz agora dez anos que os Capitães de Areia fizeram a primeira parte do concerto dos 30 anos de carreira dos GNR no Coliseu de Lisboa, mas nessa altura não houve grande diálogo. Ele é uma pessoa muito carinhosa. O que me deixou mesmo pasmado foi a tranquilidade, a serenidade. Quando ele fica na sala com o microfone e eu fico na régie, ele diz só assim: "Pedro, agora orienta-me". Eu conheço pessoas muito mais novas, com muito menos carreira e muito menos brilho que o Rui, que em estúdio não me mostraram esta abertura. Isto é de uma elegância, uma educação e um profissionalismo tão grande. Se eu já estava totalmente seduzido, quando o conheci fiquei a achar que é um ser humano de ouro, uma coisa espectacular – uma coisa não, um rei [risos].

E ele vai estar contigo em palco no concerto de apresentação deste disco.
Ele até já se antecipou e ligou-me para combinar o ensaio [risos]. Já não dou um concerto há um ano... Vai ser uma oportunidade para sentir outra vez o coração e aquela tensão a aquele nervoso miudinho. Quando sinto medo, é sinal que estou a fazer o que está certo. Estou com muita vontade de sentir essa adrenalina. Ainda por cima estar em palco com o Rui a cantar essa canção – e mais uma, ou duas, vamos ver. Vou estar nas nuvens.

Capitólio (Lisboa). Qui 21.30. 10€

Conversa afinada

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Opus musical, literário e cinematográfico, 20.000 Éguas Submarinas é um mergulho no imaginário imenso de Rui Reininho, nas suas inquietações e deslumbramentos – e nas suas lutas. É um álbum como nenhum outro em que o tenhamos ouvido. Sentámos com o cantor numa mesa de Lisboa para falar do mar, de vibrações, viagens ao Nepal e, claro, também dos GNR. Uma conversa aberta em que até se desvenda a origem copiada de uns dos versos memoráveis de “Pronúncia do Norte”.

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