Com 15 anos, Mallu Magalhães çomeçou a carreira com a pressão de ser a grande revelação da música brasileira. Entre o álbum Pitanga (2011) e Vem (2017), mudou-se para Lisboa, distanciou-se da folk e das fixações anglo-saxónicas, provou o sabor da saudade e redescobriu o colorido calor do samba e da bossa nova, ganhando mais confiança na sua poesia. Quase 15 anos depois de entrar no mundo da música, segue em elegante evolução e apresenta Esperança, um disco escapista.
Tiago na Toca começou como um disco-livro em 2011, em que musicava poemas de autores portugueses na companhia de outros músicos. No tempo suspenso do primeiro confinamento de 2020, aguardando poder regressar aos palcos, Tiago refugiou-se na toca, apresentando-se semanalmente em lives no Instagram, onde tocava músicas suas e de outros. “Mudei a mobília de casa para fazer estes lives”, conta, entre risos. Os quadros que estavam no chão à espera de ser pendurados foram finalmente promovidos às paredes, arranjou umas luzinhas para decorar a sala e transformou o sofá num palco. “Foi uma forma engraçada de gerir esta nova ponte que eu não usava e que achava que não era para mim. Eu não sou televisivo, nunca tinha feito isto, era uma coisa um bocado estranha e desconfortável, até tinha um bocado de vergonha alheia. Mas arranjei uma maneira gira de lidar com a minha introspecção.”
Antes de cada live, era invadido por um nervoso mais que miudinho. “Estava muito mais ansioso do que em qualquer concerto, porque era eu que tratava de tudo e nunca sabia se as coisas iam funcionar. E depois não fazia muitos ensaios, porque não tinha tempo, e muitas das versões eram complicadas. Por minha culpa, atirei-me várias vezes para fora de pé.” De todos os artistas que escolheu para fazer versões – de Bruce Springsteen a David Bowie, de Bob Dylan a Leonard Cohen, dos Nirvana aos Radiohead, dos Beatles aos Rolling Stones, de Marco Paulo a Billie Eilish – qual foi o mais desafiante? “Chico Buarque. Esquece... Fiquei com calos nos dedos. Adoro Chico Buarque, mas nunca tive aquela fase da bossa nova, eu era mais grunge, gostava era de cascar na guitarra e de gritar. No mesmo tempo em que as minhas músicas têm dois acordes, as dele têm sete. É um exercício de memória e um exercício físico gigante.”
Começar a fazer ioga foi, garante, uma boa forma de manter a sanidade mental nos tempos de confinamento. Mas nada bate o poder da música. “A pandemia provou que a cultura é vital para a sanidade das pessoas. Isso foi uma chamada de atenção para o Ministério da Cultura e para o Governo, pela forma como olha para a cultura desde sempre, quando deveria ser uma bandeira para nos vendermos lá fora. Mas isso também tem a ver com a falta de amor-próprio. Idolatramos tudo o que vem de fora, adoramos receber, falamos todas as línguas, mas de que maneira é que valorizamos o que temos cá, o que nós fazemos? Acho que a pandemia veio dar um chocalho a essa questão, mas é possível que venham a esquecer-se outra vez de tudo.”
Com uma carreira de 20 anos, deu tempo para perceber que “a indústria musical mundial ficou muito mais agressiva”. “De repente, as músicas têm que ser muito mais imediatas, senão as pessoas já não dão atenção. A pop, que na minha altura era Nirvana, hoje em dia é o Justin Bieber, que obviamente tem coisas engraçadas – feitas pelos produtores geniais com quem trabalha. Temos muitos bons compositores em Portugal, mas o que está a passar para a parte mais comercial é muito fraquinho. Há vários miúdos que estão a olhar para a música como um negócio e não como uma forma de arte. Graças aos programas de talentos e às redes sociais, avaliamos mais a vida pessoal do artista do que a música. Há sempre esse filtro: de onde vens, o que é que defendes, que desgraças tens na vida? Essa background story está a ter uma força demasiado grande. Ser normal nesta altura não vende.”
“O meu sonho era não ter redes sociais”, desabafa Tiago Bettencourt. “Mas não posso, faz parte do meu trabalho, como é que eu vou comunicar que vou ali ao Coliseu? A pandemia fez com que as pessoas ficassem ainda mais coladas às redes sociais e acho que precisamos urgentemente de um exercício de afastamento. Qualquer coisa que aproxime mais as pessoas das redes sociais vai ser deteriorante em termos de valores, porque cada vez mais nos transmitem uma coisa que não é real, provocam uma inveja e uma ambição que nos fazem pessoas piores.”
Quando voltou a dar concertos e regressou ao contacto humano com o público, Tiagoo começou a perceber que as pessoas estavam a “precisar muito de ouvir música alto, de ouvir as vibrações”. “Quanto mais alto tocávamos, quanto mais rock as músicas eram, mais as pessoas ficavam entusiasmadas. A fisicalidade e a organicidade dos instrumentos dá uma magia que não existe numa aparelhagem. É uma coisa meio primitiva. Acho que as pessoas estão a precisar de rock. Se calhar ainda não sabem, mas estão a precisar de rock. [risos] Tem que aparecer uma banda de putos a fazer bom rock no mainstream. Até lá, ainda vão estar no Justin Bieber mais uns tempos…”
No dia 20 de Dezembro, Tiago Bettencourt vai ao Coliseu dos Recreios com o disco 2019 Rumo ao Eclipse, lançado em plena pandemia, em Outubro de 2020. Vai ser um concerto a solo, mas ele não estará sozinho: a sua banda (João Lencastre, João Hasselberg, Pedro Branco, João Bernardo), Pedro Puppe (oioai, Míuda), David Fonseca e Marco Paulo são os convidados especiais que vão partilhar canções no palco de 360º montado no centro do Coliseu.
Coliseu dos Recreios (Lisboa). 20 de Dezembro (Seg) 21.00. 18-40€