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Genes: “Precisava mesmo de um novo começo”

Luís D’Alva Teixeira, ou Genes, passou os últimos anos meio desaparecido, mas está de volta com um novo álbum, homónimo. Fomos ter com ele ao Montijo.

Luís Filipe Rodrigues
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Ariel Pink, Bejaflor, Ducktails, Filipe Sambado, Lana Del Rey, Lena D’Água, Lil Peep, Lon3r Johny, Luís Severo, Maria Reis, Panda Bear, Playboi Carti, Rabu Mazda, Tame Impala, Taylor Swift, The Cardigans, The xx… Estamos há nem meia hora sentados no Terminal Fluvial do Montijo, e já todos estes nomes vieram à baila. A conversa continua por mais uma hora, ao longo da qual também se fala de mulheres e de depressões, de drogas e da internet, de deus e da classe trabalhadora, da guerra civil espanhola e de velhos programas de rádio, do passado e do futuro. Mas acaba sempre por voltar-se à música e às pessoas que a fazem. Pessoas como o nosso interlocutor, Luís D’Alva Teixeira, o cantor, compositor e outrora rapper que desde 2016 conhecemos como Genes e, depois de uns tempos meio desaparecido, se prepara para apresentar o recém-editado álbum homónimo na Galeria Zé dos Bois (Lisboa), na sexta-feira, 10, e no Espaço Compasso (Porto), no dia seguinte.

Da primeira vez que escrevemos sobre ele nestas páginas, há meia dúzia de anos, tinha apenas 19 aninhos e um EP, também homónimo, editado. Era um miúdo do rap do Montijo,  porém ouvia-se o rock a palpitar nas suas canções, roubava capas aos Sonic Youth, já tinha actuado no histórico Barreiro Rocks. Desde então, lançou um par de discos e deitou fora outro, Sintético das Piscinas, que tinha sido produzido por Matt Mondanile (vulgo Ducktails, ex-Real Estate); partilhou muitas canções online a apagou muitas mais (incluindo o primeiro EP e o primeiro álbum); lançou um videojogo; pisou os palcos das salas de concertos mais atentas ao que borbulha no subsolo lisboeta – Damas, Lounge, Musicbox, ZDB – em nome próprio e nas primeiras partes de craques estrangeiros; apostou em malta que na altura ninguém conhecia e que hoje tem milhões de streams e visualizações no Youtube (olá, Lon3r Johny). Fez muita coisa, mas também tropeçou muito e deixou ainda mais por fazer. 

I’m a doer”, diz a dada altura – assim mesmo, em inglês – e não está a mentir. Luís sempre fez acontecer coisas. Com fúria de viver e espírito do-it-yourself, sem medo dos erros e dos passos maiores do que as pernas, criou a editora Cachupa e o blogue Indieota, organizou concertos e lançou discos. É de uma geração que se formou e cresceu online e reconhece que a “internet tem muitas coisas boas”, apesar de todos os problemas. Foi ela que lhe permitiu fazer e aprender tanto. “Na escola, no secundário, era um fuck-up. Chegava às aulas e dez minutos depois bazava”, lembra. Enquanto este filho do Montijo “sonhava com aquilo que se passava do outro lado do rio”, vivia através da música e dos textos que lhe chegavam pelas redes. Em parte, as palavras inglesas que usa devem-se a isso e são transversais ao linguajar da sua geração; porém, neste caso concreto, vêm também da vivência em Londres, para onde se mudou em 2018/2019, quando estava a lidar com uma depressão “tão grande que nem queria fazer música” e a questionar o futuro, depois de ter decidido cancelar o próprio disco e de uns “concertos que não correram muito bem”.

Não chegou a estar um ano em Londres, apenas nove meses, mas foi o suficiente. Precisava mesmo de um novo começo, reconhece hoje. Esse recomeço coincidiu com um afastamento do hip-hop e do trap dos primeiros tempos, rumo ao psicadelismo do rock e a uma pop caseirinha, tão onírica como nostálgica. A relação de amizade e os conselhos de Matt Mondanile, de quem o português se aproximou depois de o músico indie americano ter sido cancelado, há cerca de cinco anos, ajudaram a moldar o novo som. Luís é o primeiro a admitir que “[aprendeu] muito com o Matt” e que ele o “influencia bué”, mas as referências e o gosto pelo barulhinho bom das guitarras já vinham de trás. “Estava a ouvir o Innerspeaker dos Tame Impala quando estava a caminhar para cá, e esse disco para mim foi um game changer”, conta. “E tu! Cheguei cá por tua causa. Aquilo que vocês faziam na Vodafone FM era tão influente para mim... Sempre fui um miúdo com um estilo de música diferente dos meus colegas, dos meus amigos, e o sítio onde podia ser eu mesmo era a Vodafone FM,” continua. “Há putos negros que querem ouvir um rapper que não fale de gold chain on my wrists. Que gostam de Maria Reis.”

Realmente, não se escuta esse tipo de ostentação no álbum homónimo de Genes. O disco abre com ele a constatar que “todos estudam, todos trabalham, e ‘tou eu aqui perdido”, a voz a tremer, sem truques de estúdio e pós-produção, por cima de uma instrumentação bem twee. Esta canção pop de amor chama-se “Atenção” e é um dos pontos altos do disco, lembra os melhores momentos do catálogo da Elefant Records, tem qualquer coisa de Motown. “Basileia”, com a participação de Luís Severo, é uma experiência pop enevoada com um minuto e meio de duração. Precisava de ter sido mais trabalhada para funcionar tão bem como “Conde D'Alva”, a terceira e infecciosa faixa, que já tinha sido lançada há dois anos e meio, com dedo de Leonardo Bindilatti (Rabu Mazda) na masterização e mistura. “Era suposto o disco ter saído em 2020”, admite Luís. Só que não deu. As inseguranças e os problemas de saúde foram puxando o lançamento mais para a frente. Até agora.

Até que, depois de considerar deitar fora mais este álbum, decidiu partilhá-lo com quem o precisar de ouvir. “Estas 11 canções são um fardo enorme para mim. Já sonhei em deitá-las fora, já quis desistir delas… Mas o período em que as gravei, período esse tão difícil da minha vida, [faz] destas canções um testemunho de paixão e resiliência”, confessa. “E já estou pronto para voltar para estúdio. Tenho canções novas e outras ideias melhores, que quero gravar analogicamente. Vão soar bem, vão soar mesmo a 90s, power-pop. Estou a pensar em The Cardigans e estou a pensar em cenas mais psych. Quero ir para o estúdio já. Porque estas canções [do Genes] já tenho há muito tempo, desde 2020. Agora quero fazer as coisas melhor. Soar melhor.” Fala com a confiança de quem acredita em si e quer provar o que vale. Mas calma. Antes de tornar a fechar-se no estúdio, tem de voltar a pisar os palcos. O regresso está marcado para sexta-feira, 10, na ZDB, com o brasileiro Gabrre na primeira parte e uma série de convidados durante o concerto de apresentação. Quem? Prefere não dizer. Terão de passar pelo aquário do Bairro Alto, em Lisboa, para descobrir.

Zé dos Bois. Sex 10. 22.00

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