Recondite - Daemmerlicht
Há poucas coisas mais irritantes do que filas. Seja a da Segurança Social, seja uma fila mais filosófica, interna, como se tivéssemos uma porrada de gente a tapar--nos a entrada num objectivo de vida. A música de Recondite tem muito dessa energia, nunca mais lá chegamos, só que esta fila de espera de 12 faixas tem uma diferença enorme: é só uma fila, não há nada no final. Depressa nos apercebemos que as expectativas são acessórias e que o melhor é aproveitarmos isto, enquanto aqui estamos. Ainda que tenhamos de domar uma espécie de vulto, um ser superior e intocável, uma sonoridade épica e transcendental, a querer tragédia.
Este Daemmerlicht, quinto LP de Lorenz Brunner, podia quase ser encarado como uma espécie de música clássica electrónica, mas esta é uma orquestra vagarosa, ainda que cheia de endurance, é um fitness do submundo. Ao mesmo tempo é um paradoxo estranho, estamos num lugar que por ser tão afastado – tão cheio de ecos e daqueles barulhos que nos fazem erguer os braços que nem um pugilista – e sombrio nos acalma, as criaturas maléficas estão demasiado longe para nos deitar a mão.
Apetece dizer que um produtor, um DJ com a agenda e o reconhecimento de Recondite, também tem direito a isto, a não querer sempre festa, a não querer sempre os níveis do bass no limite dos decibéis, a não querer sempre um techno abrasivo. Daemmerlicht é da melhor música ambiental que nos passou pelo estreito nos últimos tempos. E bem sabemos como o ambiente precisa de apoio.
Miguel Branco