Carla Prata
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O regresso a casa de Carla Prata

A popularidade no YouTube não desnorteou Carla Prata, cujas coordenadas estão inscritas em "Roots". Fomos cartografar o novo EP

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Há qualquer coisa de assoberbante na sensação de pertença. Como condição de existência, como factor determinante para os alicerces que os pés pisam; a pertença dá-nos uma bandeira, um pedaço de terra, um alfinete na história para que possamos sempre ordenar a narrativa, seja o ponto de partida no Reino Unido, em Angola ou em Portugal. Mas a música não tem pertença, se assim quisermos que seja. Não tem uma casa.

Ou tem, várias, de tudo o que lhe pudermos fazer caber. Talvez Carla Prata quisesse encontrar um atalho para o seu próprio chão musical quando desenhou este Roots na cabeça, afinal, há funk, há dancehall, há r&b, uma mescla de encaixe não necessariamente fresca na kizomba, ou na sonoridade que o norte-americano Sango já nos tinha trazido em 2012, com Da Rocinha, combinando o efeito Brasil ao bass faminto.

Mas o sangue novo tem essa beleza: tudo pode ser um todo, se o soubermos fazer funcionar. Tudo pode ser novo, se o soubermos fazer funcionar. A música de Carla Prata é a prova viva de que a história a contar é mais importante do que as ferramentas que usamos; é uma carta aberta de um talento em construção que vai reclamando o que é seu e encontrando o tal pedaço de terra, a pertença.

Roots é uma mistura de estilos musicais, e é essa mistura que pretendo definir. É uma junção dos estilos a que já tenho habituado as pessoas que me seguem, como o r&b, por exemplo. Preocupei-me mais em criar uma vibe específica para cada música, por exemplo, o [rapper] Paulelson e eu fizemos um funk e nenhum de nós tinha cantado nesse estilo. Não nos guiamos pelo estilo e sim pela vibe que cada beat transmitia”, diz-nos.

É, ao todo, uma homenagem de sete faixas que oscila por vários momentos sem perder o Norte – ou não fosse ela parte do universo Bridgetown, o selo criado por Richie Campbell que junta sob o mesmo tecto Plutonio, Dengaz (com quem assinou a faixa “Só Uma Vibe”, em 2018), Mishlawi ou Dj Dadda. “Acaba por ser uma homenagem às minhas raízes: nasci em Waterloo mas passei grande parte da minha infância entre Londres, Lisboa e Benguela. Daí ter colocado na capa do EP dois selos, um inglês e outro angolano, de certa forma para perceberem de onde vim, onde cresci, o que me influenciou neste projecto.”

Ao terceiro trabalho, tudo parece encaminhado para a artista de 20 anos que começou aos 13 a experimentar com um teclado MIDI e um microfone, oferecidos pelo pai. “Comecei a gostar do que ouvia e começou a fazer mais sentido. Aos 15 anos quando fui para Londres escolhi fazer o equivalente a um curso profissional na área de engenharia musical e aí tornou-se mais sério”. Vol1, o primeiro EP, foi o resultado desse despertar, que viria a ser corroborado por Com Calma, em 2017. Angola foi importante por essa altura: integrou o colectivo TRX Music, trouxe ao mundo “Vou Bazar” e “Deixa Só”, mas 2018 e Portugal foram a peça que faltava.

Olhando para trás, ela diz que esta é “uma Carla mais madura, com mais experiência de vida e com mais bagagem, o que acaba também por se reflectir nas letras”. O plano, contudo, sempre foi este. “Sempre fiz músicas a solo desde que comecei a explorar e a experimentar gravar e compor, a minha carreira começou a solo, portanto acho que foi apenas um passo de um processo natural para chegar até aqui.”

O resultado são alguns milhões de visualizações, espalhados pelas suas faixas no YouTube. Isso abre uma questão sobre o que é a música medida por quem a vê; Prata, como produto apetecível e permeável à ditadura dos resultados, sabe o que tem pela frente. “Os números tornaram-se uma pressão, até um ‘medidor de qualidade’. No entanto, quando faço música, estou a partilhar a minha arte, então não é um factor no meu processo criativo. Dou o melhor de mim e só posso esperar que as pessoas gostem e se identifiquem.”

E se na música existe esse entusiasmo palpável, também os objectivos desaguam da mesma forma. É certo que o mercado nacional lhe tem servido se a bitola for, precisamente, visualizações. Prata arrecadou uma base sólida de ouvidos devotos nas casas geográficas que traz ao peito, mas há muito mundo de fora. “Espero ter sempre lugar na música portuguesa”, um sítio que quer ver “expandir-se e ser ainda mais receptivo a novos artistas”, mas, “de facto, ser conhecida internacionalmente é um objectivo”.

“Faz parte querermos sempre mais e avançarmos na nossa carreira, fazer com que a minha arte chegue ao maior número de pessoas possível.”  Para já, Roots vive de forma autónoma e será mais tarde encaixado num projecto final, uma continuação, com mais participações.

Mais música

  • Música

Do lado de lá do Atlântico o sucesso não é medido da mesma forma mas talvez um Grammy seja uma boa bitola. André Allen Anjos, portuense, fundador do então colectivo Remix Artist Collective (RAC), venceu-o em 2017, por um trabalho na faixa “Tearing Me Up”, original de Bob Moses. Um ano antes já tinha sido nomeado para a mesma categoria; um remix de “Say My Name”, de Odesza, levou-o pela primeira vez a figurar entre a elite musical.

  • Música

Não há rótulo que caiba na definição sonora de What Kinda Music, o disco que colocou lado a lado os britânicos Tom Misch e Yussef Dayes. Não é estranho que assim seja, se os ouvidos se debruçarem sobre ele. Afinal, há tanta experiência que lhe cabe dentro, tanto augúrio e tanta satisfação na ausência de barreiras que quase podíamos jurar não se tratar de um disco mas de uma jam session.

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