Hip-Hop
©Marc Schaefer/Unsplash
©Marc Schaefer/Unsplash

Vinte e um clássicos do hip-hop tuga que ficaram para a história

O hip-hop tuga tem uma história orgulhosa. Estas são algumas das faixas que cimentaram o movimento em Portugal.

Publicidade

Arrancou em Portugal no final dos anos 1980; tarde, se o compararmos ao trabalho que já se fazia do lado de lá do Atlântico. Mas isso não lhe tirou fome ou força. Em 1994, a compilação Rapública levou-o além dos bairros periféricos e juntou, pela primeira vez, o talento num só disco. Black Company, Boss AC ou Líderes da Nova Mensagem abriam caminho aos nomes que se haviam de seguir e cimentar o movimento. Sam The Kid, Regula, Valete, Xeg, Chullage, Sir Scratch ou Tekilla seguiram-se numa nova vaga – sem esquecer a contribuição dos DJs Bomberjack, Cruzfader ou Kronic –, impulsionada por Da Weasel, Mind da Gap ou Micro, e levaram o hip-hop às casas e aos leitores de cassetes, CD e mp3. Era o movimento a tomar conta de si mesmo, a crescer, e a devolver às ruas o que elas produziram. Eis alguns dos clássicos do hip-hop português que fizeram história.

Recomendado: Uma história do trip hop em 10 (+1) canções

Os clássicos do hip-hop tuga que fizeram história

1. "Portukkkal É Um Erro", General D

Um dos precursores do movimento em Portugal, General D é um nome que ainda hoje carrega peso quando a história se escreve. O rapper, que em 1994 lançava o EP homónimo da faixa "Portukkkal É Um Erro", foi referência, afastou-se da indústria e regressou em 2019. 

2. "Nadar", Black Company

Foi o primeiro grande êxito do hip-hop português. Três décadas depois, a frase "não sabe nadar yo" ainda não foi esquecida. O grupo, criado na Margem Sul do Tejo na década de 80, juntava Bantú (agora Gutto), Bambino, Makkas, General D, DJ KGB e DJ Soon, e foi determinante na projecção do estilo em território português. Em 2008, Bambino, Gutto e Makkas editaram um último disco, Fora de Série.

Publicidade

3. "Rap É Uma Potência", Líderes Da Nova Mensagem

Também da Margem Sul chegaram, em 1989, MC Nilton, Pio MC, Beat Box King, Hugo Costa (Cyber G.), Pedro Manaças e DJ Jaws T. Tal como os Black Company, os Líderes da Nova Mensagem (ou LNM) foram uma das principais referências do panorama emergente do hip-hop português. Esta "Rap É Uma Potência", integrada na compilação Rapública, de 1994, ficaria gravada como uma das bandeiras do grupo que em 1998 se separou, um ano após o lançamento do único disco, Kom-tratake.

4. "Bow Wow Wow (Tá-se Bem)", Alex e os Putos do Bairro

Do Bairro do Pombal, em Oeiras, para o resto do país, Alex e os Putos do Bairro pode hoje parecer um nome estranho. Isto porque a fórmula nunca passou de um só hit, mas a influência que exerceu no movimento, naquela altura, marcou uma geração.

Publicidade

5. "Dedicatória", Mind Da Gap

"Hip-hop muitos gostaram outros não/ talvez seja por não ser de fácil compreensão". A frase, tirada de "Dedicatória" resume o começo da cultura em território nacional. Foi assim que os Mind Da Gap chegaram em 1997, à boleia de Sem Cerimónias, o primeiro disco do trio nortenho – depois de dois EPs –, que trouxe uma democratização da música. Ace, Presto e Serial haviam de seguir como um dos grupos mais importantes do hip-hop nacional até 2016, altura em que anunciaram o fim do projecto. Não sem antes nos deixarem temas como "Todos Gordos", "Bazamos ou Ficamos", "Não Stresses" ou "És Onde Quero Estar".

6. "Duía", Da Weasel

O regresso em 2022, para um concerto no NOS Alive, foi um dos mais aguardados da última década em Portugal. Não admira. Pac, Virgul, Quaresma, Jay, DJ Glue e Guillaz foram um dos grupos mais influentes na música nacional, esbatendo barreiras, diluindo sonoridades, transformando para sempre o panorama, e isso valeu-lhes uma devoção que ainda hoje se faz sentir. O percurso teve início em 1993, cimentado um ano depois por More Than 30 Motherf***s, o primeiro EP. Em 1997, depois de Dou-lhe Com a Alma (1995), chega às prateleiras 3.º Capítulo; coeso, enraizado no hip-hop e com dois temas que marcaram o percurso do sexteto almadense, "Todagente" e "Duía". Nos anos que se seguiram, "a doninha" havia de lançar mais quatro discos entre os quais Podes Fugir Mas Não Te Podes Esconder ou Re-Definições – com este último a valer-lhes um MTV EMA pelo tema "Re-Tratamento".

Publicidade

7. "Anda Cá Ao Papá", Boss AC

É respeitado no universo hip-hop pelas suas contribuições decisivas, letras inovadoras e por fomentar a visibilidade do movimento, contando já com mais de duas décadas no activo sempre de relevância intacta. Pelo caminho, contam-se seis discos e temas como "A Carta Que Eu Nunca Te Escrevi", "Lena (A Culpa Não É Tua)", "Baza Baza" ou "Princesa (Beija-me Outra Vez)", colaborações com Rui VelosoSam The Kid ou Gabriel O Pensador e composições para televisão e cinema, como é o caso desta "Anda Cá Ao Papá", encaixada na banda sonora de Zona J. Retirada do disco Manda Chuva, de 1997, a faixa acabou catapultada pela película de Leonel Vieira mas isso não lhe tirou mérito, evidenciando o storytelling do emcee e fazendo-se acompanhar no disco por outros clássicos como "Velhos Tempos" ou "Andam Aí" – esta última também incluída no filme.

8. "Rymeshit Que Abala", Chullage

Começou a escrever rimas impulsionado pelos Líderes da Nova Mensagem, enveredou pela vertente freestyle (letras improvisadas sobre uma batida) com o primeiro grupo, Black Brothers. Seguiu-se a mudança para a Arrentela, perto do Seixal ; a fundação do grupo 187 Squad e do Red Eyes Gang. Anos mais tarde, depois de várias participações em trabalhos, o rapper que hoje conhecemos como Prétu entra definitivamente nas ruas com o disco Rapresálias (Sangue, Lágrimas, Suor), e constrói uma base de trabalho que lhe vale o respeito de artistas e público. Sam The Kid apelidou-o de "jornalista de rua", pela força e crueza das letras, título facilmente comprovado em "Rymeshit Que Abala", um dos maiores clássicos do hip-hop português.

Publicidade

9. "Não Percebes", Sam The Kid

É a quarta faixa de Sobre(tudo), o álbum de 2002 que ainda hoje vale a Sam The Kid refrães a plenos pulmões, e ajudou verdadeiramente à democratização do hip-hop. "Não Percebes" é uma crítica acutilante à sociedade da altura e ao consumo desenfreado de música vazia. Um grito que vai de Chelas para uma Lisboa ainda fechada a este tipo de música, tida como delinquente e acantonada em bairros problemáticos, habitualmente periféricos. O rapaz de Chelas que cuspia sobre a indústria, o bairro e os amigos entretanto cresceu, e o movimento seguiu-lhe os passos. Sam é hoje um nome consagrado, sinónimo de hip-hop; começou uma plataforma de divulgação do seu percurso e do percurso dos seus pares, a TV Chelas, deu concertos na companhia de uma orquestra, produziu dezenas de faixas, integrou projectos como Madvision, Orelha Negra ou Classe Crua, e é responsável por uma infinitude de colaborações marcantes.

10. "Dedicaçon", Nigga Poison

Corria o distante ano de 1994 quando Karlon e Praga chegaram à linha de água do hip-hop. Anos mais tarde, os Nigga Poison gozariam do respeito devido aos verdadeiros veteranos. A razão é simples, as sonoridades da dupla tocam geografias verdadeiramente elásticas; Cabo Verde, Jamaica, Estados Unidos, tudo cabe numa música de língua universal e activista que não se fica pela estética a que rigidamente se associa o hip-hop. O primeiro álbum, Podia Ser Mi, surge em 2001. Cinco anos depois surge Resistentes, uma aposta forte e recheada de temas bem sucedidos. "Governo", "Fazes Parte" e "Leru Leru" são faixas imediatamente associadas aos rapazes. Depois de Turbulência Street Music, discos de 2010 e 2011 respectivamente, surge o último trabalho até à data, Simplicidadi, álbum que nos deu "Vai Em Frente".

Publicidade

11. "Respeito", Micro

D-Mars (Rocky Marsiano), Sagas e o DJ Nel'Assassin foram uma tripla indispensável ao hip-hop nacional. Os rapazes da Linha de Cascais, que devem o nome Micro ao diminutivo de microfone, começaram a construir o caminho em 1996 no quarto de D-Mars, e o resultado foi uma estética completamente inovadora. O uso de samples na produção, o conteúdo das letras, a mensagem, a quebra de preconceito. "Respeito" chega em 2002, encaixada em Microlandeses, um trabalho que os confirmou como nomes a ter em conta quer na vertente grupo quer individualmente.

12. "Escola De Rua", Kacetado

Chegou ao rap por altura do Rapública. Esteve preso, no Linhó, de 1998 a 2002, e foi por lá que com uma caixa de ritmos iniciou a redenção. Nos anos que se seguiram, Kacetado transformou-se num dos nomes mais profícuos do movimento, integrando o colectivo Madvision (com Sam the Kid, Tekilla, DJ Kronic e DJ Link), participando em faixas de DJ Cruzfader, Regula ou DJ Bomberkjack, e dando corpo a Skunk, o alter-ego de produção. Voltando atrás, em 2003, Ontem, Hoje & Amanhã foi o disco que o apresentou ao mundo e é de lá que "Escola de Rua" chega, com a voz e rimas de Chullage à boleia. De destacar também Tributo ao Homem, álbum de 2012 que é, para muitos, o melhor trabalho do rapper e produtor e que trouxe faixas como "Aprende O Que Não Sabes" ou "Voila".

Publicidade

13. "Pela Arte", NBC

Natural Black Color, é esta a tradução do acrónimo artístico de Timóteo Tiny, um dos veteranos do movimento que sempre se destacou dos pares pela forma como construiu a música: mais melódica, apontada à soul, letras que transpiram superação e uma voz suave que lhe valeu colaborações em clássicos como "Especial", de Regula, e "Chelas", de Sam The Kid. Em 2003, aos 27, lança Afro-Disíaco, o primeiro trabalho a solo (depois de várias colaborações e do projecto Filhos D’1 Deus Menor com o irmão, Black Mastah), e revela uma polivalência musical que vai das letras aos arranjos. "Pela Arte" é a segunda do alinhamento, um tema que lhe serviu de medalha até hoje.

14. "O Ideal", Nel'Assassin

Timecode foi a primeira aventura de Nel'Assassin depois da saída dos Micro e revelou-se uma obra intemporal. São, ao todo, 12 faixas carregadas de participações (Sam The Kid, Nigga Poison, D-Mars ou Dealema), e um showcase sério de tudo o que Nélson Duarte já tinha dado a perceber ser capaz de fazer. O percurso continuou, disco após disco (A Vida Na Ponta dos DedosReconstruçãoMike Phelps MixtapeO Meu Lugar), mas "O Ideal", de volta a 2004 e a Timecode, ficaria como um dos seus temas mais bem conseguidos. Sem esquecer "It's a Complow".

Publicidade

15. "NCA", Tekilla

Telmo Galiano é um nome bem conhecido na praça. O emcee que teve o seu início na fornada dos anos 90, e que integrou o colectivo MadVision, lançou em 2004 o primeiro disco, Tekillogia, um trabalho sólido que o havia de fixar no radar do público. "NCA" (ou Nigga Com Atitude) é, segundo o próprio diz, uma "reflexão sonora trazida à vida graças ao instrumental do Sam [The Kid], que transmitiu exactamente o sentimento. E quando fiz isto, era algo que queria dizer, queria demonstrar a atitude adequada baseando-me numa mensagem pessoal porque havia muita gente com a postura errada no movimento". Seguiram-se mais dois discos, A Preview, em 2009, e Erro Perfeito, em 2013. Tudo isto com o skate presente.

16. "Diálogo", Regula

Há pouca discussão quanto ao estatuto de Tiago Lopes no hip-hop nacional. Bellini, Regula, Gula, Don Gula, O Da Vila, qualquer que seja o nickname, o rapper está entre os mais reputados do movimento, fruto dos trabalhos que foi apresentando ao longo dos anos. Tudo começou em 2002 com 1.ª Jornada, uma apresentação sólida de onde saíram pérolas como "Benção", com Chullage, "Comparações", "O.P.", com Tekilla, ou "Especial", com NBC. Três anos depois, Tira Teimas foi um grito de guerra, a confirmação e coroação do lugar na primeira linha do movimento. 

Publicidade

17. "Nada A Perder", Sir Scratch

Apareceu em 1997 com Plunasmo, o grupo que formou com o irmão CapOne, e logo mostrou destreza e visão na forma como cuspia. Afirmou-se com "T.P.C." e desde então que foi contribuindo com faixas consistentes. Cinema: Entre o Coração e o Realismo, deu-lhe o espaço entre a primeira linha; é daí que avançam temas como "Ilusão" ou "Posições Primárias", e é de onde foi tirada esta "Nada a Perder", a faixa que garantiu a Sir Scratch a notoriedade.

18. "Nossos Tempos", Valete

Indiferentes à ronda, ao adversário, ou à proximidade das cordas, as rimas sempre lhe valeram no conflito, fosse ele o panorama do bairro ou na luta contra o racismo e a desigualdade. Das janelas de Benfica, Odivelas, Amora ou Damaia, os locais onde morou, escreviam-se cadernos e fotografava-se em palavras uma realidade que havia de transpirar para dois discos, Educação Visual, de 2002, e Serviço Público, de 2006. Os pares reconheceram-lhe a fome e a força, o público devolveu-lhe devoção e empurrou-o para a frente da barricada, cobrando-lhe a eloquência como uma característica ora valiosa ora ostracizante. "Nossos Tempos" é uma boa mostra da qualidade do rapper, tirada do primeiro disco.
Publicidade

19. "Verão Passado", Xeg

Veterano respeitado, nome incontornável, colaborador frequente de Sam The Kid, Valete ou Regula, Rui Constante arrancou com o disco Ritmo & Poesia, em 2001, mas antes disso já as suas rimas se faziam ouvir no underground. Criativo, impulsionador da estética da rima com duplo sentido, perito em trocadilhos e contrapontos, Xeg é um dos emcees mais entusiasmantes do movimento e, apesar do hiato discográfico (Egotripping, o último álbum, data de 2010), não perdeu relevância. À Time Out, Sam The Kid descreveu-o desta forma: "É das pessoas que conheço que escreve e grava mais, sempre a gravar, nunca desmoralizou. É uma pessoa que, apesar de dentro do meio ter o respeito que tem, merecia mais no aspecto de viver o seu sonho, de fazer só isso". Outros clássicos de Xeg incluem "Susana", "Dedicado", "Quando Escrevo", "Mais Pesados da Capital" ou "Vaca de Merda".

20. "Sala 101", Dealema

Foi em 1996, por altura do primeiro disco, Expresso do Submundo, que Gaia e Porto se uniram num só grupo, depois da fusão entre os Factor X e Fullashit. O resultado havia de transformar irremediavelmente o movimento. Os Dealema são Mundo Segundo, Guze, Fuse, Expeão e Maze, cinco figuras com diferentes talentos que, ao longo de 17 anos, foram lançando faixa atrás de faixa, desdobrando-se em colaborações e assumindo um papel preponderante na construção do hip-hop mais a norte. "Sala 101", de V Império, o terceiro álbum, é um dos temas mais celebrados, mas não está sozinho. "Escola dos 90" ou "Quem Fui Quem Sou" também fazem parte. De outras aventuras, "Nada Dura Para Sempre" e "Bom Dia" deixaram marca.

Publicidade

21. "Dia de um Dread de 16 Anos", Allen Halloween

Surgiu tarde no movimento, se o compararmos a outros nomes, e trouxe uma estranheza hipnotizante que forçou a atenção do público. Mas o movimento não foi tão rápido a abraçá-lo. O primeiro disco, Projecto Mary Witch, foi o que bastou para garantir o espaço. "Fly Nigga", "Raportagem", "SOS Mundo", "O Exorcismo de Mary Witch" e esta "Dia de um Dread de 16 Anos" foram alguns dos pilares que construiram o nome de Allen Halloween.

Mais que ouvir

  • Música

A autorreferência é um mecanismo relativamente banal na arte. Por exemplo, poemas que se queixam de como as palavras não lhes bastam para dizerem tudo o que precisam dizer, é mato. Nos textos cantados é especialmente frequente encontrar esse tipo de truque estilístico, em particular em canções que se põem a falar sobre canções de amor para, de forma mais ou menos discreta, fingirem que não são elas próprias canções de amor, bajoujas e piegas como todas as canções de amor devem ser.

  • Música

A história da música popular está recheada de versões de canções que já tinham alcançado sucesso noutra vida. Genericamente, é disso que falamos quando falamos em covers. Mas a coisa torna-se bem mais surpreendente quando o factor sucesso sai da equação – ou, melhor ainda, quando ele está virado ao contrário e descobrimos versões que triunfaram sobre originais obscuros. A lista que se segue reúne uma dúzia de covers que eclipsaram por completo as versões primitivas, mesmo em casos onde elas tinham gozado já de relativo êxito. Mas foram estas interpretações que se impuseram na memória colectiva, a ponto de a maioria de nós as tomar hoje por originais.

Publicidade
  • Música

No tempo em que não havia Internet e a globalização ainda se fazia ouvir com delay, era comum uma canção fazer sucesso numa língua, sem que a maioria do público alguma vez percebesse que estava a trautear uma toada estrangeira. O caso mais frequente, como se adivinha, é o de uma canção que se celebriza em inglês apesar de ter sido composta em italiano, francês ou outra língua que não gruda bem nos ouvidos americanos. Mas não só. Por exemplo, “Les Champs Élysées”, que foi popularizada por Joe Dassin, fez o percurso contrário.

Recomendado
    Também poderá gostar
    Também poderá gostar
    Publicidade