O mundo era mais simples em 1981. Os países dividiam-se em dois, três blocos; os anos tinham quatro estações; as tribos urbanas topavam-se a léguas. Uma década antes de Seattle e do grunge, São Francisco viu nascer um grupo de bandas que ficaram para a história como “bay area thrashers”: Metallica, Slayer, Testament, Megadeth. Miúdos que ouviam New Wave of British Heavy Metal (Diamond Head, Iron Maiden, Judas Priest) e hardcore (Black Flag, Misfits, Suicidal Tendencies), e queriam tocar, mas mais alto, mais rápido e com mais violência.
Os Metallica conquistaram coraçõesao primeiro disco: Kill’em All, 1983. Dave Mustaine, futuro fundador dos Megadeth, fora despedido – e substituído pelo guitarrista Kirk Hammett. Cliff Burton impressionava com “(Anesthesia) – Pulling Teeth”, um solo de baixo que era todo um tema. James Hetfield seduzia com riffs e letras que vinham de um lugar obscuro, furioso e tresloucado. Lars Ulrich puxava tudo a galope, à bateria, sempre vaidoso. Ride The Lightning (1984) e Master of Puppets (1986), o magnum opus desta era, seguiram este caminho. Depois Burton morreu, na estrada, entrou Jason Newsted e ...And Justice For All (1988) tornou-se o último disco por que ficaram a suspirar os fãs da velha guarda.
A explosão deu-se em 1991. Os Metallica fizeram concessões com o álbum homónimo (popularizado como The Black Album) e o rock possante e orelhudo de “Enter Sandman” ou “Wherever I May Roam”, mais as power ballads “Nothing Else Matters” e “The Unforgiven”, tomaram as rádios de assalto, oferecendo-lhes milhões de ouvintes. Nesse ano, a escassos meses do colapso da União Soviética deram em Moscovo um dos maiores concertos de sempre, com AC/DC e Pantera.
Para Load (1996) e Reload (1997), cortaram o cabelo – a heresia! E o hard rock que ali se ouvia amealhou ainda mais seguidores no mainstream, mas deixou a velha legião indignada. Os Metallica acusaram o toque e fizeram um tributo à própria juventude, com versões das bandas que os influenciaram: Garage Inc. (1998). Mas S&M (1999), disco duplo com orquestra, voltou a pisar os calos aos indefectíveis que desesperavam por algo com peso. Quando esse desejo foi cumprido com St. Anger (2003), já com Robert Trujillo no lugar de Newsted, era tal o desnorte criado pelo forte odor a nu metal que os fãs se puseram a debater o som da tarola.
O certo é que começou aí a terceira vida dos Metallica – e quem aguentou quase duas décadas de provações foi recompensado com um som reencontrado em Death Magnetic (2008) e totalmente rejuvenescido em Hardwire... To Self-Destruct (2016). O metal voltou, mas nada é renegado. O equilíbrio que a banda faz ao vivo entre tudo isto é o que permite que, quase 40 anos depois, tenham audiência para dar várias voltas ao globo na mesma digressão. É a segunda vez que a WorldWired Tour passa por Lisboa, primeiro pela Altice Arena em Fevereiro de 2018 e agora pelo Estádio do Restelo, a 1 de Maio. Se ainda não percebeu por que é que alguém haveria de os ver outra vez, ou precisa de explicar às crianças lá de casa que casaco é aquele cheio de tapa-buracos e escrita afiada que vai resgatar ao armário da naftalina, fizemos uma explicação por pontos para o ajudar.