As canções dos Animal Collective e as filmagens subaquáticas dos Coral Morphologic confluem em Tangerine Reef, um álbum audiovisual com preocupações ambientalistas. Falámos com Brian Weitz, ou Geologist, sobre o novo disco, a ausência temporária de Panda Bear, a política (anti)ambiental do actual governo americano. E recifes de coral.
Noah Lennox, o homem que conhecemos como Panda Bear, é um dos mais influentes e inovadores músicos independentes deste século. A viver em Lisboa há mais de uma década, foi responsável por discos seminais como Person Pitch, de 2007, ou Merriweather Post Pavillion (2009), dos Animal Collective, mas isso não lhe subiu à cabeça. Quando nos encontramos para conversar sobre o seu novo álbum, Buoys, está a passar na rádio uma canção dos Oasis e ele está a adorar. “Esta canção é do caraças”, diz, entusiasmado e sem um pingo de ironia. Pode ser uma estrela indie, no entanto nunca deixou de ser um gajo normal. Sem manias.
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O Buoys é um álbum muito esparso. Não tem nada a ver com o som caleidoscópico do anterior, Panda Bear Meets the Grim Reaper. O que motivou esta mudança?
Quando comecei a trabalhar no disco não sabia bem o que ia sair dali. Só sabia que ia ser diferente. Queria fazer um disco mais vazio, que não tivesse tantas vozes e harmonias empilhadas umas sobre as outras, porque sentia que já tinha feito tudo o que havia para fazer nesse registo. Não queria que fosse mais do mesmo.
Este disco tem qualquer coisa de dub, porém também me lembra muito do trap triste que se anda a fazer. Tenho razão, ou estou a imaginar coisas só porque o Rusty Santos é o produtor do disco e ele anda a trabalhar com malta do trap?
Não sei. Como ele estava a trabalhar nessa área, eu sabia que o disco ia reflectir o trap de alguma maneira e estava entusiasmado com isso. Sabia que não ia propriamente soar a Migos, porém queria que o disco trouxesse algo de novo para essa conversa. Nós íamos para estúdio e o Rusty punha a tocar música do Ozuna ou do Bad Bunny durante uma hora, e depois começávamos a trabalhar. Acho que foi a maneira subtil dele conduzir o disco para um território próximo dessa música. Mas ambos sabíamos que não era por isso que um grande fã do Bad Bunny ia gostar do meu disco. Isso seria incrível, mas não acho que vá acontecer.
Por acaso sou grande fã do Bad Bunny e gostei do teu disco.
Missão cumprida.
Mas estavas a dizer que querias trazer algo de novo para o discurso em torno do trap. O quê?
Uma nova perspectiva. Não tenho grandes ambições, só queria indicar outro caminho, outras possibilidades. Porque estou a trabalhar de uma maneira semelhante [aos artistas do trap], a usar as mesmas técnicas de produção. Tentámos retirar a componente performativa do canto e da guitarra, como se tivesse sido tudo fabricado no estúdio. Foi tudo trabalhado, depois da gravação, para encaixar numa moldura rítmica muito específica. Como se tivesse sido feito por um computador.
As canções já existiam antes de começares a trabalhar com o Rusty?
Sim.
E mudaram muito?
Não sei. Algumas pessoas dirão que estão completamente diferentes, mas imagino outras a dizer que continuam quase iguais. As mudanças nas partes de guitarra e na voz são subtis, por outro lado as programações e a componente rítmica são completamente diferentes.
Tu não tocaste no último álbum dos Animal Collective, o Tangerine Reef, se bem que há alguns pontos de contacto entre o que eles fizeram e o Buoys. São discos de certa forma aquáticos. O mar e os seus sons são algo que te inspira?
Já várias pessoas referiram isso. Não consigo explicar ao certo porquê, mas concordo. Sinto que o mar é um tema recorrente, não só neste disco como em muitas coisas coisas que fiz.
Sim. O próprio título, Buoys [bóias], remete para o mar.
Exacto. Há muitas referências marítimas. Se tivesse de me psicanalisar, diria que o mar provavelmente representa o desconhecido, uma certa vastidão. É um pouco como o espaço sideral, a última fronteira. Acho que é por isso que me interessa. E todas as cidades em que vivi até hoje estão próximas do mar, por isso sinto que é algo seguro e confortável.
Vais muito à praia?
Nem por isso. Ir à praia é sobrevalorizado. Adoro estar na água e gosto da energia da praia, do encontro entre o oceano e a terra. Contudo, não gosto de estar sentado na areia. E tenho a mesma opinião sobre a praia que tenho sobre os centros comerciais: adoro quando não está lá ninguém.
Pois. Outra coisa óptima quando não está lá ninguém são os parques de diversões.
Sim, são incríveis. Sem ofensa para as pessoas, mas é completamente diferente.
Lisboa mudou muito desde que vieste para cá há quase 15 anos. Como é que encaras essas transformações?
Sinto que estamos a começar a definir um novo traço para a cidade. Tenho impressão de que no ano passado, ou já este ano, chegou ao fim uma época na vida da cidade que tinha começado nos anos 80. É como se estivéssemos num lugar novo. Muitas pessoas com quem falo lamentam o facto de a cidade não ser o que era, todavia eu prefiro encarar isto como uma oportunidade para definirmos o que Lisboa vai ser daqui em diante. Porque eventualmente os turistas vão-se embora e nós vamos continuar aqui.
Ou então não.
Acho que vão.
Olha para Barcelona ou para Praga. Essas cidades nunca voltaram a ser o que eram. Vão estar turistificadas para sempre.
E Lisboa também não vai voltar a ser o que era, porém há uma oportunidade para criarmos algo novo. Eu sou um optimista, vejo sempre o copo meio cheio.
Tenho impressão que falar de política não é algo que te interesse muito. Que és meio apolítico. Estou errado?
Dantes era assim. Nunca me tinha dado ao trabalho de entender o que estava a acontecer, parecia-me tudo muito confuso. Sentia que não podia confiar em nenhum político. Talvez se tivesse investigado, se me tivesse esforçado mais, tivesse encontrado alguém em quem acreditar. Ao mesmo tempo, sinto que os eventos recentes obrigaram toda a gente a ser politicamente engajada. Hoje diria que me importo tanto como qualquer outra pessoa.
É interessante dizeres isso. Como é que tu, um americano a viver em Portugal, encaras o que se está a passar nos Estados Unidos desde a eleição do Trump?
Triste, talvez. Revoltado. Muita gente não concorda com o que se está a passar nos Estados Unidos. É um bocado como o que está a acontecer em Lisboa, no sentido em que há uma América pré-Trump e uma América pós-Trump. As coisas nunca vão voltar a ser o que eram.
E como é que vês as coisas em Portugal? O discurso anti-imigração não é tão intenso como é em cada vez mais países europeus...
Ainda não.
Sinto que isso pode mudar a qualquer momento. Concordas?
Acho que é uma questão de tempo. Quanto mais pessoas forem deslocadas pelos turistas e pelas pessoas que compram prédios para alugar no Airbnb maior vai ser o ressentimento popular. Por isso, acho que mais cedo ou mais tarde… Repara que as pessoas olham para mim na rua de uma maneira diferente do que olhavam há uns anos.
O que não deixa de ser interessante. Porque na maior parte dos países europeus o problema é como os estrangeiros pobres que se instalam no país, e em Lisboa estamos a falar de uma desconfiança, ou mesmo raiva a estrangeiros ricos. O problema não são os árabes ou os latinos ou o que quer que seja. São os turistas.
Sim. Já é um progresso. É melhor do que a alternativa. Mas só o tempo dirá o que acontece. Sinto que, em Portugal, as pessoas de mais de 50 anos têm uma maneira de ver as coisas e o país completamente diferente da perspectiva das pessoas mais novas. Talvez por causa da ditadura, porque tudo mudou de forma tão dramática. Tão repentinamente.
Mas se leres as coisas que os baby boomers americanos escrevem no Facebook e comparares com o discurso das gerações mais novas também vês a diferença. Ainda no outro dia estava a ler um artigo sobre como...
Os boomers são as pessoas que mais partilham e lêem notícias falsas.
Exactamente. Daí achar que a maneira como as pessoas mais velhas reagem às coisas é a mesma coisa em todo o lado.
Suponho que sim. Interrogo-me sobre o papel que a tecnologia desempenhou nisso.
Pois. As pessoas mais velhas não têm uma relação tão próxima com a tecnologia como os jovens, por isso são mais fáceis de enganar. O problema passará por aí?
Talvez. Também sinto que a malta mais velha acha que se está escrito num jornal ou na internet é porque é verdade. Enquanto a minha filha adolescente vai logo dizer que isto ou aquilo não faz sentido. Mesmo que esteja escrito no New York Times, a atitude dela é sempre a mesma: “Não sei se acredito nisso.” E se calhar tem razão.