Ao longo dos anos, em clássicos como Slacker, Juventude Inconsciente ou Boyhood – Momentos de Uma Vida, o realizador e argumentista Richard Linklater aprimorou um estilo de cinema descontraído e dialogante, revelando verdades escondidas nos momentos mais subtis. O último filme de Linklater, um drama de câmara íntimo sobre um trio de veteranos da Guerra do Vietname – interpretados por Bryan Cranston, Laurence Fishburne e Steve Carell – adapta um romance de Darryl Ponicsan de 2005.
Linha Fantasma é mais uma pérola de Paul Thomas Anderson, com Daniel Day-Lewis no papel de Reynolds Woodcock, um costureiro controlador e vaidoso. Enquanto bebia um chá verde, numa suíte de hotel, o realizador californiano contou-nos a história por detrás deste filme estranho e engenhoso.
Este é o teu primeiro filme rodado ou passado fora da Califórnia. O que surgiu primeiro: a ideia ou a localização?
Há tempos que andava activamente à procura de algo que fazer no Reino Unido. É um lugar inerentemente cinemático, sobretudo para uma história de época. Originalmente tinha pensado filmar em Cornwall, mas não se concretizou.
Linha Fantasma parece uma carta de amor à cidade, mas estranhamente não tem muitos monumentos reconhecíveis.
O filme existe num plano efabulado que se encontra para lá do real. A realidade teria sido um pouco mais escura, um pouco mais suja, um pouco mais bombardeada.
A Vicky Krieps foi uma descoberta incrível. Tem uma presença e energia muito invulgares.
Ela tem um bom olhar. Consegue neutralizar a cara de maneira a que nunca saibas bem com o que contar.
O Daniel está incrível no filme. Quando saiu a notícia de que se tinha reformado, alguém escreveu no Twitter que ele se estava a preparar para interpretar um actor reformado.
(Risos) Que ele estava a estudar para o papel?
Exacto. As pessoas têm uma ideia errada dele?
Aposto que aquilo que as pessoas não vêem é o quão engraçado ele consegue ser. Ele não tem essa reputação, mas é mesmo engraçado. É muito astuto e isso percebe-se pela sua interpretação.
Eu parti-me a rir durante a cena do pequeno-almoço, mas depois fiquei a pensar se era suposto rir-me.
Sim. Acho que se te deixas levar pelo filme, e sentes que és parte da casa do Woodcock, não tens a certeza se podes fazer barulho ou não. [O Reynolds] estabelece tão cedo que tem de haver silêncio ao pequeno-almoço, que deixa o público desconfortável. É tão exageradamente sério que chega a ser engraçado.
Tens quatro filhos. Suponho que o pequeno-almoço não seja um ritual silencioso.
Não teria sido óptimo que os tivesse treinado para ficarem completamente calados ao pequeno-almoço? Mas não, é exactamente o contrário. É um caos, que é como eu gosto.
Homens e mulheres estão a reagir ao filme de forma diferentes?
Completamente. Identificas-te sempre com certas pessoas, e acho que muita gente gosta de se rever nos hábitos de pequeno-almoço de um personagem. De uma maneira geral, a coisa parece dividir-se em duas categorias: as pessoas silenciosas e as pessoas barulhentas. Por exemplo, a minha irmã… se há barulho ao pequeno-almoço, passa-se.
Muita gente falou sobre a masculinidade tóxica do Reynolds. Aquela ideia do homem poderoso que abusa do seu poder.
Isso é sequer masculinidade? É mais infantil, é atrofiado. A masculinidade tóxica é uma frase muito moderna, parece-me, e podes aplicá-la a este caso, mas isto é mais uma questão de bloqueio de desenvolvimento. A mãe tratou-o como um menino de ouro, mas o que acontece quando o rapaz cresce e ainda se comporta como uma criança? Há 300 mulheres nesta casa, a tratarem dele, a garantir que não vai tudo a baixo, e a relação dele com essa intimidade… É complicado.
O Daniel disse que a vossa colaboração foi tão intensa que a dada altura estavam a trocar mensagens com ideias para o nome do personagem. Mas quando começaram a filmar tornou-se um pouco triste.
Sim, eu sei ao que ele se refere. Quando olhas para trás, as brigas que tens com alguém sobre o facto de servirem espargos ao jantar podem ser muito engraçadas – e na manhã seguinte dás por ti a pensar no que passou – mas na altura não têm graça nenhuma. Passámos muito tempo envoltos nas cenas combativas entre eles os dois, apesar de também ter havido muitas gargalhadas.
Tenho de perguntar: o Daniel usa emojis?
Não. Ele tem um telefone dos antigos. Ele sabe o que isso é, mas nunca esteve perto de um emoji na vida. Ele ainda tem de passar por três letras, “J-K-L”, antes de chegar ao “L”.