Numa entrevista à PBS, Plácido Domingo sintetizou assim a sua postura perante a vida e a arte: “Na minha vida quero ser feliz, no palco é maravilhoso sofrer”. Só pode concluir-se que tudo lhe tem corrido a contento, pois na vida tem desfrutado de um sucesso incomparável – cantou mais de 3500 récitas, em que desempenhou 147 papéis diferentes, nos mais prestigiados teatros do mundo, e é o mais popular cantor de ópera vivo – e no palco tem sido encarcerado, torturado, apunhalado (ou tem-se apunhalado a si mesmo), envenenado, guilhotinado e ameaçado de enforcamento vezes sem conta.
Domingo nasceu em Madrid em 1941 e mudou-se com a família para o México aos oito anos. O pai e a mãe eram cantores de zarzuela e foi na companhia dos pais que se estreou em papéis infantis. Ainda adolescente cantou em várias zarzuelas e o seu primeiro papel operático “a sério” – Borsa, uma figura secundária do Rigoletto de Verdi – surgiu em 1959, aos 18 anos. O seu primeiro papel principal foi o de Alfredo, em La Traviata de Verdi, em 1961, e em 1968 já cantava em palcos tão afamados como a Metropolitan Opera de Nova Iorque e o Teatro alla Scalla, de Milão.
Não contente com a sua intensa carreira como tenor, em 1973 estreou-se como maestro – e não se pense que se tratou de um efémero capricho de estrela, pois tem consagrado a esta função muito do seu tempo e energia e já empunhou a batuta em mais de 450 concertos. O seu imenso curriculum na ópera italiana não o tem impedido de cantar em francês (Bizet, Gounod, Massenet) com igual sucesso. Mais discutível tem sido a sua incursão em Wagner: começou cedo, como Lohengrin na ópera homónima, em 1968, em Hamburgo, mas foi na viragem dos anos 80-90 que fez forte aposta neste repertório, cantando os papéis de Tannhäuser, Erik, Parsifal e Siegmund (seguida, em 2005, por um Tristão num registo para a EMI). Porém, as suas notáveis qualidades vocais e dramáticas são prejudicadas por uma peculiar pronúncia do alemão, algo a que muita crítica parece não dar importância, embora às vezes seja tão notória que mina a credibilidade do seu desempenho.
A mudança na voz com o passar dos anos fê-lo ir alterando o tipo de papéis que cantava, mas foi algo surpreendente o seu salto para os papéis de barítono, ocorrida pela primeira vez aos 68 anos, em 2009, como Simon Boccanegra, na ópera homónima, na qual cantara antes o papel de Gabriele Adorno, no registo de tenor. Nos últimos anos acabou por consagrar-se exclusivamente a este registo, embora a sua inteligência, experiência e sentido dramático não sejam capazes de compensar inteiramente o desgaste que a voz acusa. De qualquer modo, a sua forma vocal só pode ser motivo de admiração num homem de 76 anos que já cantou mais de 3500 récitas de ópera, nalguns dos papéis mais devastadores para as cordas vocais jamais escritos.
Entre os 147 papéis que Domingo já encarnou, seleccionaram-se 10 que fizeram história.
Plácido Domingo é acompanhado pela Sinfonietta de Lisboa e partilha o palco com as sopranos Micaëla Oeste (que tem actuado nas óperas de Los Angeles, San Diego, Washington e Montpellier e no Carnegie Hall) e Rita Marques (que estuda no Centro de Aperfeiçoamento Plácido Domingo, em Valência) e tem como convidada especial Katia Guerreiro. O promotor do concerto divulga a ementa do Dinner Pack (100€ para duas pessoas) mas não o programa musical, mas é lícito supor que se compõe de uma mistura de árias de ópera favoritas e canção ligeira, provavelmente com uma ou outra cançoneta napolitana pelo meio.
MEO Arena, segunda-feira 22, 21.30, 38-140€