Melody Moore
©Jyang ChenMelody Moore
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Sete óperas passadas no Extremo Oriente

A apresentação na Gulbenkian de Turandot, de Puccini, serve para recordar outras óperas cuja acção decorre no Extremo Oriente.

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Nenhum dos compositores aqui representados alguma vez pôs pé no Oriente Próximo e, menos ainda, na Índia ou nas Filipinas e é provável que nunca na sua vida tenham falado com um chinês, um cingalês ou um japonês, ou ouvido música dessas paragens. Os portugueses deram início, na viragem dos séculos XV/XVI, a uma “primeira globalização”, mas, nos primeiros tempos, esta disse respeito não a pessoas mas a mercadorias – uma categoria em que se incluíam os escravos africanos, que eram numerosos na cosmopolita Lisboa do século XVI. Se não contarmos com um ou outro escravo malaio trazido pelos amos portugueses ou holandeses, foi preciso muito mais tempo para que a Europa recebesse a visita regular de gente das bandas do Índico e mais além.

O Rapto do Serralho e a Marcha Turca de Mozart atestam o fascínio europeu com os turcos, mas estes estavam mesmo ao lado – tão perto que até cercaram Viena por duas vezes. O Próximo Oriente tornou-se motivo de fascínio a partir da expedição de Napoleão ao Egipto e à Síria (1798-1801), mas o Oriente mais distante só começou a ser assunto regular das artes e letras a partir de meados do século XIX, nomeadamente com a febre do “japonisme”, desencadeada pela “descoberta” das estampas japonesas.

Madame Butterfly em Lisboa

Fundação Gulbenkian. Sex. 28 de Junho 20.00. 18,76€.

Sete óperas passadas no Extremo Oriente

Teuzzone, de Vivaldi

Local da acção: China
Ano e local de estreia: 1719, Mântua

Itália – e Veneza, em particular – estabeleceu cedo uma relação privilegiada com a China, através de missionários e comerciantes, o mais famoso dos quais foi Marco Polo. Os relatos destes viajantes terão inspirado o libretista veneziano Apostolo Zeno a escrever o primeiro libreto de ópera com acção no Império do Meio, Teuzzone, que foi musicado por Antonio Lotti, em 1706. O libreto de Zeno conheceu versões por Giuseppe Maria Orlandini, Francesco Ciampi e pela parceria Girolamo Casanova e Andrea Fioré, entre outros, antes de chegar às mãos do veneziano Antonio Vivaldi (1678-1741).

Não se espere ouvir qualquer eco de música chinesa ou de exotismo oriental no Teuzzone de Vivaldi (ou nos dos seus compatriotas e contemporâneos). O registo é indistinguível do das suas outras óperas e mesmo o libreto pouco ou nada tem de chinês, embora Zeno tenha alegado ter-se fundamentado nos relatos do missionário jesuíta Martino Martini (1614-1661). A intriga envolve a sucessão do imperador Troncone, que, ao falecer, indica como sucessor Teuzonne, filho de um casamento anterior. Porém, a jovem viúva Zidiana tem outros planos: ambiciona conquistar o trono de Troncone e o coração do seu jovem enteado. A intriga, envolvendo os amores desencontrados típicos da opera seria barroca, acabará com a derrota das maquinações de Zidiana e com Teuzzone a alcançar o trono e a casar-se com a sua noiva Zelinda. Como pode constatar-se, o conhecimento de Zeno sobre a China era tão parco que nem os nomes das personagens soam chineses...

[Apresentação da gravação de Teuzzone por Jordi Savall para a editora Opus111/Naïve]

Os Pescadores de Pérolas, de Bizet

Local da acção: Ceilão (actual Sri Lanka)
Ano de estreia: 1863, Paris

A França oitocentista foi, como boa parte da Europa Ocidental, tomada pela febre do Orientalismo e pela sede de exotismo. Georges Bizet (1838-1875) atesta bem esse fascínio, pois das suas oito óperas e operetas três são orientais – Les Pêcheurs de Perles, Djamileh e a desaparecida La Guzla de l’Emir – e as outras três decorrem em “cenários exóticos” – Ivan IV, La Jolie Fille de Perth e Carmen (sim, a Península Ibérica contava como lugar exótico para a Europa civilizada de então).

O libreto de Os Pescadores de Pérolas (Les Pêcheurs de Perles), de Eugène Cormon & Michel Carré, dá-nos a conhecer a sólida amizade que une os pescadores Nadir e Zurga e evoca um episódio do passado de ambos, quando, de passagem pela cidade de Candi (Kandy), ambos os pescadores tinham entrevisto fugazmente uma sacerdotisa de tão radiosa beleza que cativara de imediato os seus corações. Apercebendo-se de que esta paixão ameaçava destruir a sua amizade, Nadir e Zurga fizeram o voto de renunciar a este amor. Os dois pescadores reafirmam esse pacto no célebre dueto “Au Fond du Temple Saint”, mas o destino faz com que a dita sacerdotisa, Leïla, venha instalar-se no santuário junto à sua aldeia piscatória...

[Dueto “Au Fond du Temple Saint”, pelo tenor Roberto Alagna (Nadir) e pelo barítono Bryn Terfel (Zurga), Metropolitan Opera de Nova Iorque, 1996]

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O Rei de Lahore, de Massenet

Local da acção: Lahore, Paquistão
Ano de estreia: 1877, Paris

Também este libreto de Louis Gallet envolve dois homens apaixonados por uma sacerdotisa. Ela é Sitâ e foi consagrada ao deus Indra, um dos homens é Alim, rei de Lahore, e o outro é o seu ministro Scindia, que é também tio de Sitâ. Scindia aproveita a confusão de uma batalha contra os invasores muçulmanos para ferir Alim, sem que ninguém se aperceba, anuncia a morte do rei e apodera-se do trono. Fracassa, porém no intento de casar-se com Sitâ, que lhe resiste. Entretanto, a alma de Alim ascendera ao Paraíso, onde consegue convencer o deus Indra a devolver-lhe a vida para que possa reencontrar Sitâ – o pedido é concedido mas com duas condições: Alim regressará não como rei mas como homem de humilde condição e só viverá enquanto Sitâ viver. Após várias peripécias, Alim e Sitâ reencontram-se, mas o malévolo Scindia surpreende-os e agarra Sitâ, que, desesperada, se apunhala. Morre e com ela morre também Alim, pelo que as suas duas almas se unem e ascendem aos céus, para grande frustração de Scindia.

[“Grand Scéne de Indra”, por Federico Sacchi (Indra) e Giuseppe Giplai (Alim), com direcção de Marcello Viotti e encenação de Arnaud Bernard, Gran Teatro La Fenice, Veneza, 2005; Alim suplica a Indra a oportunidade de regressar à Terra para poder estar ao lado de Sitâ]

Lakmé, de Delibes

Local da acção: Índia
Ano e local de estreia: 1883, Paris

Em rapaz, Julien Viaud, enfeitiçado pelas histórias contadas pelo seu irmão mais velho, que era oficial da marinha, sobre as suas aventuras amorosas no Taiti, não descansou enquanto não lhe seguiu os passos: tornou-se também oficial da marinha e em 1872 estava no Taiti, onde se integrou na vida local, sendo conhecido entre os indígenas como Loti, o que lhe inspiraria o pseudónimo literário que mais tarde adoptaria: Pierre Loti. As suas experiências sentimentais durante a estadia na ilha foram relatadas no romance autobiográfico Le Mariage de Loti, que descreve os amores entre o oficial Loti e a jovem taitiana Rarahu (Rarahu foi o título dado à primeira edição do romance, em 1880). E o que tem a isto a ver com o Extremo Oriente?

Acontece que os libretistas Edmond Gondinet e Philippe Gille tomaram o romance de Loti, cruzaram-no com o conto Les babouches du Brahamane, de Théodore Pavie, e, sem grandes cerimónias, transpuseram a acção para a Índia sob domínio britânico, no final do século XIX, e colocaram o oficial britânico Gérald a apaixonar-se pela sacerdotisa Lakmé. Mais uma sacerdotisa?! É verdade, nas óperas oitocentistas de temática oriental, os objectos de desejo dos homens são quase sempre sacerdotisas ou princesas inacessíveis ou odaliscas de um harém, de forma que o sexo está sempre rodeado de interdições (o Dr. Freud deveria ter dedicado alguma atenção a isto).

Para piorar tudo, o pai de Lakhmé é Nilakhanta, um sacerdote brâmane que odeia visceralmente o ocupante britânico. Já se está a ver que a história não pode acabar bem.

[Dueto “Sous le Dôme des Jasmins”, mais conhecido como “Duo des Fleurs”, pela soprano Anna Netrebko (Lakmé) e pela mezzo-soprano Elina Garanca (Mallika); Lakmé e a sua aia Mallika colhem flores junto ao rio, perto do local onde os oficiais britânicos vão fazer um piquenique, propiciando o primeiro encontro entre Lakmé e Gérald]

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Madame Chrysanthème, de Messager

Local da acção: Nagasaki, Japão
Ano e local de estreia: 1893, Paris

Pierre, um oficial a bordo de um navio francês ancorado em Nagasaki, apaixona-se por Chrysantème, uma gueixa. Pierre casa-se com Chrysantème, com a autorização dos pais desta e mediante um contrato temporário, susceptível de renovação. O casamento dura o tempo da estadia de Pierre e, na verdade, este nunca consegue uma plena intimidade com a gueixa.

O libreto de Georges Hartmann & Alexandre André inspirou-se no romance Madame Chrysanthème (1888), de Pierre Loti. Poderia pensar-se que Loti, à míngua de ideias, decidira refazer Le mariage de Loti, de oito anos antes, transpondo a acção do Taiti para o Japão, mas há indícios de que Loti, que esteve efectivamente em Nagasaki em 1885, e contraiu um casamento temporário com a geisha Kiku-San (Madame Chrysanthème), numa experiência com muitas afinidades com o enredo de Le mariage de Loti.

Na verdade, a Loti poderia aplicar-se o título de um clássico filme de Howard Hawks, A Girl in Every Port, pois já em 1877, de passagem pela Turquia, tivera uma abrasadora paixão por Hatice, uma odalisca circassiana de olhos verdes que fazia parte de um harém (uma experiência que não foi vertida em livro).

[“Le Jour Sous”, por Sumi Jo (Chrysantème), dirigida por Alfredo Silipigni, ao vivo em Seul, 1993]

Madama Butterfly, de Puccini

Local da acção: Nagasaki, Japão
Ano e local de estreia: 1904, Milão

O enredo opõe o amor puro e cego de uma rapariga japonesa de 15 anos (Butterfly) ao cinismo distante de um oficial da marinha americana (Pinkerton) de passagem pelo Japão. Butterfly crê que a cerimónia de casamento que os uniu é para a vida, Pinkerton quer apenas gozar uns bons momentos. Pinkerton desaparece, está três anos sem dar notícias e quando regressa traz consigo a esposa “a sério”, Kate. Só então Butterfly, que entretanto dera à luz um filho de Pinkerton, compreende quão vão fora o seu amor e sai de cena com a ajuda de um punhal.

Se este libreto de Luigi Illica & Giuseppe Giacosa parece ter afinidades com o de Madame Chrysantème de Messager – embora tendo um desenlace bem mais trágico – é porque a fonte é a mesma. Após Tosca (1900), Puccini considerara e rejeitara vários livros e peças como ponto de partida para a sua ópera seguinte. Inesperadamente, acabou por ficar fascinado por uma peça de David Belasco, a que assistiu num teatro londrino – embora pouco ou nada soubesse de inglês. A peça, de pendor sensacionalista, adaptava o conto Madame Butterfly (1898), de John Luther Long, que reclamava basear-se em factos reais. A fonte de inspiração de Long era, na verdade, literária: o romance Madame Chrysanthème de Loti.

[“Un Bel Dì Vedremo” por Renata Tebaldi; Cio-Cio-San/Madama Butterfly foi abandonada por Pinkerton, mas alimenta a esperança de um dia ver surgir uma pluma de fumo no horizonte que assinalará o regresso do seu amado]

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Turandot, de Puccini

Local da acção: Pequim, China
Ano e local de estreia: 1926, Milão

Por decreto do imperador da China, Altum, o pretendente de sangue real que seja capaz de adivinhar os três enigmas postos pela sua filha, a princesa Turandot, receberá a sua mão e o trono imperial. A proposta é tentadora, mas as letras pequenas do contrato são capazes de arrefecer os ânimos dos protenciais concorrentes: quem falhar a resolução dos enigmas será decapitado. É o que acontece ao Príncipe da Pérsia logo no início da ópera, o que não dissuade Calaf, filho de Timur, rei da Tartária, de apresentar a sua candidatura a esta espécie de “lotaria chinesa”.

O exotismo continuava em alta na Europa do início do século XX e quando Giacomo Puccini mergulhou na pesquisa de um assunto para a sucessora de Il Trittico, estreada em 1918, acabou por ir parar à peça Turandotte (1762), de Carlo Gozzi, que fora alvo de uma encenação moderna em Berlim, em 1911, por Max Reinhardt. Na verdade, tal como houve uma Madame Chrysantème de Messager a preceder Madama Butterfly, também em 1917 estreara a Turandot de Ferruccio Busoni, o que não dissuadiu Puccini de musicar a peça de Gozzi, com a colaboração dos libretistas Giuseppe Adami e Renato Simoni. E com tanto empenho o fez que Turandot é por muitos considerada o cume da sua obra, embora um cancro na garganta tenha impedido o compositor de a terminar – o final é da autoria de Franco Alfano.

[Final da ópera na faustosa encenação de Franco Zeffirelli, com direcção de Andris Nelsons, na Metropolitan Opera de Nova Iorque, 2009]

Ópera para todos

  • Música
  • Clássica e ópera

A definição de ópera de George Bernard Shaw – “um tenor e uma soprano querem ir para a cama, mas são impedidos de o fazer por um barítono” – tem algum fundamento, mas é uma base que permite imensas variações.

  • Música
  • Clássica e ópera

As primeiras óperas, surgidas no dealbar do século XVII, andaram em volta dos mitos de Dafne e de Orfeu e Eurídice e a mitologia clássica foi o principal tema dos libretos do século e meio seguinte e ainda continua a inspirar compositores no século XXI. 

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