Do lado de lá do Atlântico o sucesso não é medido da mesma forma. Não é uma questão geográfica, social, política ou geracional. Num mercado que transpira tanto talento, em que o canibalismo artístico é omnipresente, em que as portas de entrada são pouco mais do que pequena parcela no enorme alinhamento necessário para alcançar o topo, e em que as hipóteses são paradoxalmente mínimas e vastas, talvez um Grammy seja uma boa bitola.
Quando as respostas às nossas perguntas chegaram à caixa de e-mail, não vinham num ficheiro de áudio. Cada uma delas tinha sido respondida em texto, sem os aparentes constrangimentos que agora fazem com que tudo o que pára na folha tenha de ser escrito com urgência. E essa postura de Will Westerman acaba por ser transportada para a música, música essa que não é feita como um mero exercício estético, mas porque lhe reflecte o presente, os pedaços desse presente, porque de alguma forma se consegue rever nela.
Embora, caso alterasse o rumo, na forma como faz a música, ou no estilo em que a faz, isso não o transformasse noutra pessoa. “O artista pode ser consistente ao criar músicas radicalmente diferentes entre colecções ou mesmo entre faixas individuais de um disco – o desejo de desafiar e surpreender pode ser outra faceta da identidade”, diz. E é por isso que acredita que “a estética tem um peso superior ao que devia ter [na música]”, é uma coisa de apresentação, não é a substância.
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Na passada sexta-feira, depois de vários singles avançados e com um EP, Ark (2018), como apresentação, o músico britânico condensou toda a substância num disco, o primeiro longa duração, Your Hero Is Not Dead. Uma afirmação independente que se relaciona ao mórbido com uma inflexão positiva. “Escrevi o disco com o objectivo de documentar a luta para encontrar a luz sem desconsiderar as coisas sombrias. Queria fazer algo com compaixão no centro. É humanista.”
12 faixas, construídas em torno do sentido que o momento exigia, fosse ele de dor ou alegria. Westerman não quer ditar sensações a quem o ouve, e mesmo que já tenha dito que “gostaria que as pessoas pudessem viver no disco”, é preciso esmiuçar o contexto. “O meu trabalho é fazer algo para as pessoas tirarem as suas próprias conclusões”, esclarece. “Não acho muito justo ou importante dizer às pessoas como é que devem interpretar o meu trabalho depois de terminado. Espero, no entanto, que isso possa ser sentido, espero que haja uma conexão.”
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Ao lado, na construção de Your Hero Is Not Dead teve Bullion, DJ e produtor britânico, actualmente a residir em Lisboa, que Westerman conheceu através do seu ex-manager. Uma relação que ele descreve como “uma circunstância muito agradável”, que diz ter sido “uma grande sorte”, e que chegou a fruição plena quando os dois viajaram até Olhão, no Algarve, para construir o disco. “Era lindo, quase completamente deserto. Sinto falta daquele lugar; era uma maravilhosa janela de tempo”. A janela transformou-se num período de reflexão em que diz estar agora, uma altura de perceber para onde quer ir.
Talvez o que se segue venha a explicá-lo ainda melhor, de forma mais profunda. Porque, mais do que um disco, Your Hero Is Not Dead foi também a terapia que encontrou para lidar com o Transtorno de Défice de Atenção que lhe diagnosticaram. Ou talvez se concentre na beleza de criar música instintivamente como missão; afinal, parte do quotidiano é filtrada para isso. “Gosto de tocar, pelo acto de tocar, mesmo que não faça nada com a música que me vai sair.”
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Para conhecer há cinco singles: “The Line”, “Your Hero Is Not Dead”, “Waiting On Design”, Think I’ll Stay” e “Blue Comanche”, todos com ilustração do português Bráulio Amado, responsável também pela capa do disco. Sobre isso, Westerman não tem dúvidas: “É um tipo incrível, é um prazer enorme conhecê-lo e ter o prazer de o ver contribuir para isto que fizemos. É engraçado, parece haver uma linha que liga este disco a Portugal. É bom!"