Steven Wilson
©Hajo MullerSteven Wilson
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Uma história do prog rock em dez canções

A vinda a Lisboa de Steven Wilson, a figura cimeira do prog rock nas últimas duas ou três décadas, é pretexto para recordar alguns momentos-chave de um género musical que costuma dividir as opiniões

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Época e local: Grã-Bretanha, de finais dos anos 60 até meados dos anos 70

Origem do nome: “prog” é uma contracção de “progressive”, o que pressupõe que o “rock progressivo” seria uma forma de rock mais sofisticada e avançada do que aquele que se ouvira até então. Sinónimos: symphonic rock (“rock sinfónico”) e art rock. A música pop-rock sempre sofrera de um complexo de inferioridade face à música clássica e ao jazz: vendia muito mais, mas faltava-lhe sofisticação e respeitabilidade. Os Beatles e os Beach Boys foram dos primeiros a recorrer a arranjos orquestrais elaborados e a tirar partido das vastas possibilidades de manipulação sonora que o estúdio oferecia, fazendo com que as sessões de gravação dos álbuns se fossem tornando cada vez mais longas e perfeccionistas.

Forma: o termo “canção” usado, por conveniência, no título acima, seria visto como inadequado por músicos e público. A maioria dos grupos de prog rock abandonou a canção convencional, com três minutos de duração e assente na alternância de estrofe e refrão e investiu em longas peças compostas por múltiplas partes, minuciosamente arranjadas, por vezes com longas digressões instrumentais ou declamações solenes entre as partes cantadas. O álbum como colecção de unidades musicais desirmanadas deu lugar ao “álbum conceptual”, com as várias “peças” sujeitas a um conceito unificador, que podia ou não envolver uma narrativa.

Instrumentário: a clássica trindade guitarra/baixo/bateria foi dilatada com a nova geração de teclados electrónicos, como o moog, o mellotron e, depois, um sem fim de sintetizadores (que faziam com que os teclistas ficassem ocultos do público por uma muralha de equipamento), e com instrumentos “exóticos”, das tradições africanas e asiáticas. Foi também uma época em que os kits de bateria, até aí muito simples, cresceram desmesuradamente, com a parafernália de pratos e tambores a poder ser complementada por sinos, triângulo, glockenspiel, timbales de orquestra e gongos, podendo estes ter dimensões colossais.

Keith Emerson à bulha com um dos seus teclados: alegoria de um género que ruiu sob o seu próprio peso?

Código de vestuário: alguns músicos – como os Pink Floyd – vestiam-se como quaisquer outros músicos rock da época, outros – como os Yes e Peter Gabriel, dos Genesis – davam preferência a túnicas, capas, botas e calças e coletes justos prateados que pareciam saídas do guarda-roupa de um filme de ficção científica de série B. Entre os fãs nunca se desenvolveu um código de vestuário específico.

Cabelo: a maior parte dos músicos usava-o comprido, até aos ombros.

Apresentação ao vivo: foi com o prog rock que os concertos começaram a ganhar cenários e jogos de luzes elaborados e a incluir projecção de imagens. Como a música era muito complexa, a maior parte dos músicos eram forçados a uma postura relativamente estática (a agitação frenética de Keith Emerson era uma excepção, tal como as actuações teatrais de Peter Gabriel).

Capas dos discos: predomínio de temas fantasiosos, ligados à ficção científica ou a mitologias, antigas ou inventadas. As paisagens fantásticas do ilustrador Roger Dean (que também foi o cenógrafo dos extravagantes espectáculos dos Yes) são a imagem de marca do género. As capas que se desdobravam em várias laudas tornaram-se comuns. Todo este aparato gráfico acabaria por perder-se com o advento do CD, cujas minúsculas dimensões são incapazes de fazer justiça a grafismos idealizados para os 31 x 31 cm de cartão dos LPs.

Declínio: o prog rock impôs-se na primeira metade dos anos 70, mas na segunda metade da década o público começou a ficar farto de música grandiloquente, faixas de vinte minutos de duração, álbuns conceptuais, letras esotéricas e herméticas e virtuosismo instrumental esfuziante. A ascensão do punk, da no wave e outras correntes musicais, geralmente despojadas e cruas, em reacção à imponência barroca do prog rock, acabaram por atirá-lo para o caixote de lixo da história. As bandas de referência do género dissolveram-se, ou persistiram em discos cada vez mais desinspirados e ignorados fora do círculo de fiéis, ou tentaram acompanhar as mudanças de gosto com concessões pontuais (quase sempre ridículas), ou mudaram radicalmente de sonoridade, abraçando a mais banal pop comercial. Na entrada dos anos 80, o prog rock e os seus excessos já eram assunto de troça entre a crítica e o público – e é verdade que poucos géneros se puseram tão a jeito para serem ridicularizados.

Uma história do prog rock em 10 canções

“A Whiter Shade of Pale”, Procol Harum

Ano: 1967

É muito provável que esta seja a única canção dos londrinos Procol Harum que a maior parte das pessoas conhece. O grupo formara-se em Abril de 1967 e o single foi lançado em Maio e instalou-se no primeiro lugar do top britânico – acabaria por vender um total de 10 milhões de exemplares em todo o mundo. O sucesso do single pressionou o grupo e a editora a fazê-lo seguir, rapidamente, por um álbum, que surgiu em Setembro (intitulado Procol Harum e que não continha, na edição original, o êxito “A Whiter Shade of Pale”), mas os Procol Harum não voltaram a averbar um sucesso comparável.

“A Whiter Shade of Pale” dá papel de destaque à voz de Gary Brooker e ao órgão Hammond de Matthew Fisher, cuja melodia segue de perto a “Air” da Suíte para orquestra n.º 3 de Bach – a apropriação ou namoro com peças clássicas seria um fenómeno recorrente do prog rock. Em Procol Harum e nos álbuns subsequentes a banda recorreu amiúde a orquestras, nem sempre com resultados felizes, como atesta, por exemplo, “Conquistador”, do álbum de estreia, que soa como uma versão grandiloquente da concorrente espanhola ao Festival da Eurovisão circa 1970.

“Nights in White Satin”, The Moody Blues

Ano: 1967

The Magnificent Moodies, o álbum de estreia, em 1965, da banda de Birmingham The Moody Blues, não deixava adivinhar o que viria a seguir: era uma colecção de despretensiosas e olvidáveis cançonetas rhythm’n’blues. Para o segundo álbum, Days of Future Passed (1967), o grupo, que entretanto sofrera substanciais alterações na sua formação, reinventou completamente o seu som. Os teclados de Mike Pinder – e, mais especificamente, o mellotron, um proto-sampler capaz de emular o som de uma orquestra de cordas – e os arranjos orquestrais – tocados pela London Festival Orchestra – tornaram-se dominantes e o grupo abriu-se a influências psicadélicas. O álbum tinha também a novidade do conceito unificador: pretendia retratar um dia na vida de um homem comum.

O resultado pode soar hoje demasiado acetinado e mole, mas foi um passo pioneiro do prog rock.

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“The Court of the Crimson King”, King Crimson

Ano: 1969

É raro uma banda estrear-se com um álbum tão inovador, ousado e maduro como In the Court of the Crimson King. Se os Procol Harum e os Moody Blues ainda andavam a tactear o terreno, os King Crimson, cujo primeiro ensaio tivera lugar em Londres em Janeiro de 1969, sabiam bem o que estavam a fazer – e tão bem o sabiam que, após um segundo álbum nos mesmos moldes, In the Wake of Poseidon (1970), entenderam que o assunto estava encerrado e rumaram a novas paragens, numa demanda incessante que prossegue até aos nossos dias e que tem como único elemento fixo o guitarrista Robert Fripp (o que não quer dizer que a forma de operar da banda não seja cooperativa).

In the Court of the Crimson King não se limita a oferecer modelos perfeitos de canções prog rock – como “I Talk to the Wind” ou “The Court of the Crimson King” – também prefigura o que seria o jazz metal do século XXI, com a abrasiva “21st Century Schizoid Man”.

Em “The Court of the Crimson King” pode ouvir-se claramente o mellotron, instrumento que se tornaria numa marca distintiva do som dos King Crimson e que é aqui tocado por Ian McDonald – os King Crimson muito raramente recorreram a orquestras, usando os recursos da banda para produzir um som “sinfónico”.

[Primeira parte de “The Court of the Crimson King”]

“Afterwards”, Van Der Graaf Generator

Ano: 1969

Outra banda de prog rock que se estreou com um álbum de perfeita maturidade foram os Van Der Graaf Generator, formados em Manchester em 1967 por Peter Hammill e Chris Judge Smith. Os primeiros tempos foram extraordinariamente instáveis, com inúmeras contrariedades (incluindo o furto da carrinha com o equipamento da banda), quezílias contratuais e constantes mudanças de formação, entre as quais houve a registar a saída de Smith. No início de 1969, Hammill viu-se abandonado pelos restantes músicos e dispôs-se a gravar The Aerosol Grey Machine como um álbum a solo, mas entretanto o álbum acabou por contar com membros do que viria a ser o núcleo central dos Van Der Graaf Generator (Hugh Banton e Guy Evans, que, quase 50 anos depois, continuam ao lado de Hammill), sendo lançado sob o nome da banda em Setembro desse ano. A instabilidade não diminuiu e a banda continuou, nos anos seguintes a ter uma carreira intermitente, atormentada por dificuldades financeiras e sucessivas alterações na formação.

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“Atom Heart Mother”, Pink Floyd

Ano: 1970

Em 1970, os londrinos Pink Floyd já tinham atrás de si quatro álbuns de originais, que atestam apreciáveis mudanças no som da banda. Já ia longe o psicadelismo tresloucado de The Piper at the Gates of Dawn, nascido do génio inflamado de Syd Barrett, cujo comportamento errático o tinha tornado completamente incapaz de trabalho em grupo, e, pouco a pouco, sem renegar as influências psicadélicas, a banda tinha vindo a criar uma sonoridade mais elaborada. Após os experimentalismos de Ummagumma (1969), a banda aliou-se ao compositor, orquestrador e manipulador sonoro Ron Geesin para criar a suíte “Atom Heart Mother”, que preenche todo o lado A do álbum homónimo e que nada deve ao formato canção: é uma peça instrumental de 23 minutos, em seis partes, em que a banda é complementada pelo John Alldis Choir e por elementos da EMI Pops Orchestra.

Stanley Kubrick, um melómano atento e informado, reconheceu de imediato as qualidades desta bizarra suíte e tentou utilizá-la na banda sonora de Laranja Mecânica (1971), mas a banda rejeitou o pedido.

[“Father’s Shout”, I parte da suíte “Atom Heart Mother”]

“The Hut of Baba Yaga”, Emerson, Lake & Palmer

Ano: 1971

Emerson, Lake & Palmer soa a nome de firma de advogados, mas foi um dos primeiros super-grupos da história, reunindo o teclista Keith Emerson (proveniente dos Nice), o vocalista, baixista e guitarrista Greg Lake (vindo dos King Crimson) e Carl Palmer (dos Atomic Rooster e, antes, de The Crazy World Of Arthur Brown). Os Emerson, Lake & Palmer foram o grupo de prog rock que mais recorreu ao repertório erudito: o primeiro álbum, homónimo, de 1970, adaptava excertos da Sinfonietta de Janácek e da Suíte Francesa n.º 1 de Bach; o terceiro álbum, Pictures at an Exhibition, assimilou para a exuberante linguagem prog rock/jazz de fusão do trio o ciclo de peças para piano Quadros de uma Exposição (1874), do compositor russo Modest Mussorgsky – o álbum documenta o concerto ao vivo no City Hall de Newcastle a 26 de Março de 1971 e deixa Mussorgsky bastante maltratado, mas a verdade é que a faceta pirotécnica dos Emerson, Lake & Palmer fez deles um dos mais populares grupos de prog rock, vendendo um total de 48 milhões de discos. Em abono da verdade deverá realçar-se que a vertente mais espalhafatosa da banda convivia com delicadas baladas acústicas de Greg Lake.

[“The Hut of Baba Yaga”]

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“And You and I”, Yes

Ano: 1972

Os Yes, formados em Londres em 1968, tinham três álbuns no curriculum e tinham vindo a fazer uma trajectória de crescente sofisticação, a que não foram estranhas as mudanças de formação, nomeadamente a entrada do guitarrista Steve Howe em 1970 e do teclista Rick Wakeman em 1971.

Close to the Edge, de 1972, é o primeiro álbum de plena maturidade – e uma das obras-primas do prog rock. Compõe-se de apenas três “canções”, com o lado A a ser tomado por “Close to the Edge” (em quatro partes) e o B a ser repartido por “And You and I” (em quatro partes) e “Siberian Kathru”. Tal como os King Crimson, os Yes não precisavam de orquestras para soarem “sinfónicos”, bastava-lhes o virtuosismo dos seus instrumentistas, a formidável parafernália de teclados de Wakeman e um meticuloso trabalho de composição, arranjo e gravação (que acabaria por exasperar o baterista Bill Bruford, levando-o a abandonar a banda mal o disco ficou terminado).

[“And You and I”]

“Watcher of the Skies”, Genesis

Ano: 1972

Tal como os Yes, também os Genesis, fundados em 1967 em Godalming, no Surrey, tinham vindo a afastar-se das suas raízes pop e folk em direcção ao prog rock, inflexão que esteve associada às alterações na formação. A entrada, em 1970, do guitarrista Steve Hackett e do baterista Phil Collins foi decisiva para que Nursery Crime (1971), o terceiro álbum da banda, entrasse decididamente na esfera do prog rock, via que seria reafirmada no ainda mais refinado Foxtrot, de 1972, uma obra-prima do prog rock. A primeira faixa, “Watcher of the Skies”, cujo título Peter Gabriel pediu emprestado a um verso de John Keats (os letristas do prog rock eram well read), tem uma abertura de um dramatismo e imponência esmagadores, realizada apenas com os teclados de Tony Banks (mais uma vez o mellotron desempenha papel crucial).

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“On Reflection”, Gentle Giant

Ano: 1975

Os Gentle Giant tinham como programa “dilatar as fronteiras da música popular contemporânea mesmo correndo o risco de torná-la impopular”. A verdade é que a extrema complexidade da sua música – mesmo pelos padrões do prog rock – garantia que nunca teriam as hostes de fãs dos Emerson, Lake & Palmer. O grupo formou-se em Londres em 1970 e teve como núcleo os irmãos Shulman – Derek, Phil e Ray – e Gary Green e Kerry Minnear, todos eles exímios multi-instrumentistas, alguns deles com formação clássica.

Os Gentle Giant combinavam rock, jazz, folk, jazz e música medieval e renascentista – as influências “arcaicas” são bem audíveis na fuga de “On Reflection” – uma síntese talvez demasiado ecléctica e imprevisível mesmo para os fãs do prog rock. Free Hand (1975), o quinto álbum da banda e aquele em que é mais notório o esforço de produzir algo mais acessível, foi o maior sucesso dos Gentle Giant, embora mal tenha conseguido entrar no top 50 dos EUA.

“Nowhere Now”, Steven Wilson

Ano: 2017

O britânico Steven Wilson (n.1967), foi frontman dos Porcupine Tree, tem estado envolvido numa mão cheia de projectos e tem colaborado, como músico, engenheiro de som e produtor, com inúmeras bandas (incluindo velhas glórias do prog rock). Os Porcupine Tree, nascidos em 1987, foram o seu “filho favorito”, até ao 10.º álbum, The Incident (2009), mas no início de 2010, Wilson anunciou que iria concentrar-se no seu trabalho a solo, cujo primeiro CD, Insurgentes, surgira em 2008. Desde então lançou mais quatro, sendo o mais recente, To the Bone (2017), que inclui esta “Nowhere Now”.

Embora Wilson fosse o compositor e mentor dos Porcupine Tree, os discos em nome próprio registam mudanças apreciáveis de sonoridade, com os laivos metálicos e agressivos a dar lugar a formatos mais pop e mainstream, tendência que se acentuou em To the Bone.

A To the Bone Tour passa pela Altice Arena, na terça-feira 15, às 21.00, bilhetes a 25€.

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