David Jesus
©Manuel MansoChef David Jesus
©Manuel Manso

David Jesus: Fomos conhecer o braço direito de José Avillez

Este Jesus é David, o braço direito de José Avillez desde os tempos do Tavares. O homem que tem nas mãos o leme do Belcanto, a gestão diária da equipa e da cozinha, mas que em tempos quis ser jogador de futebol

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Aos sábados à noite, assim que saem os últimos clientes do Belcanto, a equipa troca as jalecas e os aventais pela roupa de desporto e dirige-se a um campo de futebol na Ajuda. Os jogos duram até às duas da manhã e são mais de diversão do que de competição aguerrida, mas David Jesus admite que joga sempre para ganhar. “Da mesma maneira que não sou capaz de estar na cozinha a jogar para empate, no futebol também não.”

O ritual repete-se sempre que há disponibilidade, com partidas entre os jogadores da casa, com equipas dos restaurantes do Grupo José Avillez ou até com outros restaurantes de Lisboa. “Às vezes eles têm miúdos mais frescos, que correm mais e jogam melhor, mas eu acredito que podemos ganhar tudo. A vontade, a ambição, o sonho, o querer e o espírito ganham sempre.” Guarda-redes, defesa, avançado, Jesus joga em todo o lado. “Futebol é para correr e marcar golos. Lá não sou chefe de ninguém, sou igual a eles.” É este espírito de equipa – e de liderança – que o número dois de José Avillez passa a quem com ele trabalha.

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Quem é Jesus?

É inevitável a analogia com o trabalho de vencer na cozinha. Pensas na terceira estrela?

Não. Obviamente se algum dia lá chegarmos é uma alegria gigante, mas não vai ser nunca uma frustração. Nem para mim, nem para o Zé [Avillez], nem para ninguém aqui. Trabalhamos todos os dias para fazer com que as pessoas que se sentam à nossa mesa saiam tremendamente contentes, que tenhamos feito alguma coisa na vida delas, mas também na nossa. E ir para casa a pensar: ‘Que grande dia’. Isto é que faz a minha pilha estar cheia de energia para a vida e para o trabalho.

Mas nem sempre é um mar de rosas.

Há dias que são mais pesados, mais cansativos e no dia a seguir alguém tem de ligar o gás a essas pessoas para ver outra vez o sorriso na cara delas. E esse é um trabalho que não é só meu, é de todos. No dia em que eu chegar cá mais fraco, as pessoas têm de querer ligar o meu gás também. E isso acontece.

Com 40 anos, pai de dois filhos, Catarina de 13 e Filipe de 9, David Jesus nasceu na Bobadela, onde mora até hoje. Filho único, de mãe portuguesa e pai indiano, tem desde novo uma forte ligação à cozinha: enquanto espaço físico – “era o ponto central da casa, onde eu fazia os trabalhos de casa, onde jantávamos” – e enquanto aprendiz e assistente. A especialidade eram os ovos, as saladas, as sopas. “Desde miúdo que me lembro de tratar dos pequenos-almoços, dos lanches, de ajudar os meus pais.” Desses tempos recorda também o fascínio de assistir à confeção dos temperos indianos do pai, que se mudou de Damão para Portugal com 28 anos. “Ele comprava as especiarias e cozinhava segundo um livro de receitas da avó dele. Eu adorava os cheiros, as receitas, os sabores.”

E o livro? Ainda o usas?

É uma peça de família, mas em casa de ferreiro, espeto de pau. Dou muito valor sentimental àquilo, mas não lhe toco. Digo isto com pena. Há três anos fui a Damão com o meu pai conhecer a família que ainda lá está, os sítios por onde o meu pai viveu. Foi uma viagem muito gira.

Mas tens alguma influência indiana na tua cozinha?

Talvez. Se bem que a minha mãe sempre foi muito seguidora da cozinha portuguesa. Foram os pais que o incentivaram a seguir a área de cozinha. “Foi uma fase estranha da minha vida. Não sabia o que queria, só pensava em futebol, mas já tinha percebido que não ia ser o meu futuro.” Prestes a fazer 16 anos, numa conversa séria de família, a mãe falou-lhe na carreira de cozinheiro. Pareceu-lhe boa ideia. Entrou na Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa e fez o curso de equivalência ao 12º ano. “Aos poucos é que fui ganhando a paixão e amor pela cozinha a sério. Mas aí a experiência valeu mais uma vez por aquilo que sempre consegui retirar de melhor dos sítios: as pessoas, a amizade.”

Cresceu e estudou “quase numa aldeia” e sempre valorizou o espírito de grupo. “Na escola, na catequese, no futebol, encarava as pessoas como os meus amigos. Sempre fui muito ligado à união, ao espírito de equipa, à amizade. E nas cozinhas é isso que faz a diferença. A amizade cresce e torna as coisas especiais.”

No fim do curso, trabalhou em restaurantes de cozinha brasileira, italiana (com o chef Augusto Gemelli e no Hotel Dom Pedro) e, em 2001, tinha então 20 anos, surgiu a oportunidade de ir abrir o hotel Pestana Palace com o chef francês Aimé Barroyer. “Como sempre, decidi na base da amizade, porque era uma brigada com seis pessoas com quem tinha estudado. Era um bom sítio para estarmos todos juntos.”

Estamos a falar das brigadas à antiga, estilo escola francesa?

De certa forma, sim. Passei lá seis anos e meio, aprendi imenso, a carga de trabalho era muito grande, física e psicológica. Era solteiro, vivia em casa dos meus pais, deixei de jogar à bola com os amigos, mas a nível profissional foi muito bom. Foi o primeiro contacto com a alta cozinha e há 18 anos o panorama da alta cozinha portuguesa era diferente. Vinha de alguém [Aimé Barroyer] com conhecimento e experiência que nós não tínhamos cá. Que nos obrigava a fazer pesquisas sobre a história e o receituário português, a irmos buscar os sabores e as tradições mais antigas.

Foi nessa altura que conheceste o José Avillez

Conhecemo-nos durante os 15 dias que o Zé passou no Pestana Palace e depois tínhamos amigos em comum. Quando eu saí, estive três/quatro meses a fazer pesquisas e a descansar e surgiu a oportunidade de ir trabalhar com o Zé para o Tavares, em 2007. Com objetivo claro de chegar à estrela Michelin, de fazer do Tavares um sítio de referência em Lisboa. Falou comigo e não hesitei. Acho que foi a melhor coisa que fiz na vida.

E trabalham juntos desde então?

Foi uma relação de amizade
 e de profissionalismo que se criou rapidamente. Criámos uma sintonia muito forte logo 
de início e fomos construindo o nosso caminho juntos. Isso torna as coisas sempre mais fáceis. Em alguns pontos somos parecidos. A paixão que temos pela cozinha é semelhante. Desde o princípio quisemos criar uma cozinha com muito rigor, muita disciplina, muito foco, mas ao mesmo tempo com bom ambiente, onde as pessoas podem estar, falar e participar. As pessoas sentem que isto é delas da mesma maneira que nós sentimos.

Com o Belcanto a servir almoços e jantares de terça a sábado,
 as semanas na vida de David Jesus seguem uma rotina apertada. “Chego todos os dias às nove da manhã, arranjo o peixe, trato de uns e-mails. Gosto de começar sem a movimentação da manhã. A equipa começa só às 10.00 e
eu gosto que eles cumpram horários. Quando chegam mais cedo, digo para irem beber um café e voltarem para se fardarem com tempo.” Entre as 16.30 e as 18.00 há uma pausa, em que a Rua Anchieta, nas traseiras do restaurante, se enche de cozinheiros fardados, e David Jesus aproveita para conviver com a equipa. “Estar com eles, trocar impressões, falar de futebol.”

Nos dias de folga, este benfiquista joga futebol, claro, é treinador de guarda-redes na equipa do filho (Associação Desportiva Bobadelense), e passeia, sem descurar o lado gastronómico. “A minha filha adora restaurantes bons.”

E se no papel David Jesus é o chef de cozinha do Belcanto e José Avillez o chef executivo, é o próprio Avillez que admite que na prática não é bem assim. “O David é o executivo, eu sou mais o criativo, o realizador.” David acrescenta, “criatividade e sabor foram as coisas que mais me fascinaram no Zé.”

Mas participam ambos na criação dos pratos?

O Zé chega sempre de férias com um caderninho de ideias. Passa-me o caderno e falamos. Às vezes juntamos os sub-chefs à nossa conversa e delineamos estratégias para fazer os testes. Basicamente o meu trabalho é pôr os testes em prática, dar palpites, obviamente. Depois os meus acrescentos vêm das ideias dele. Eu nunca tinha trabalhado com alguém tão criativo e tão genuíno de sabor. Aprendi imenso. Aprendi que podes desenvolver e trabalhar a criatividade, mas que ela não
 se aprende. Já o sabor aprendes
 a trabalhar. Não vale a pena ir bonito, ir com florzinhas, se depois as pessoas põem à boca e aquilo que sentem não é o que nós queremos que elas sintam.

E nunca sentiste o estigma de ser o número dois?


Estou confortável no papel. Aquilo que tu sentes no dia a 
dia de trabalho e a nível pessoal é que te conduz. Se estou com alguém há 13 anos é porque quero, gosto e estou feliz. Vou mudar para quê? Sei o valor que me é reconhecido pelo Zé, a amizade por ele, a admiração por ele e dele. Tenho tudo para me sentir inteiro, não preciso de me sentir um pedaço. Fazemos com que todas as pessoas sintam isso aqui dentro: não são pedaços, são todos.

Confiar em Jesus - O que diz a equipa do Belcanto sobre David

José Avillez, Chef Executivo

“É o homem de confiança. Um dos melhores cozinheiros com quem trabalhei, de uma entrega incondicional a tudo. Espero trabalhar com ele por mais 50 anos.”

Américo dos Santos, Chef de Pastelaria

“Quando trabalhamos com amigos as coisas ficam mais fáceis. Há um respeito grande entre nós e uma confiança que me dá uma alegria imensa trabalhar cá.”

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Miguel Gomes, Sub-Chef

“Foi como um professor, ensinou-me a estar na cozinha, a forma de trabalhar. Para além de haver uma relação de respeito, há uma relação de amizade. Somos uma família e o chef para mim é o pai.”

Olívia Moreno, Copeira

“É uma pessoa organizada, trabalhadora (...) está sempre tranquilo. Quer dizer, qualquer pessoa numa hora ou outra, com tanta gente para administrar... às vezes não é fácil.”

Restaurantes em Lisboa

  • Haute cuisine

A primeira gala do Guia Michelin em Portugal ditou apenas mais duas insígnias douradas para os restaurantes lisboetas na temporada 2018-2019. No total há agora oito restaurantes na grande Lisboa que podem com orgulho ostentar a estrela do mais importante guia gastronómico do mundo. Dá para correr a cidade toda, do centro a Cascais, ainda dando um saltinho a Sintra, ou fazer uma caminhada mais amiga e ficar-se apenas pelo Chiado, agora considerado como o centro da alta gastronomia em Lisboa. Abra o mapa da cidade, guarde uns trocos e marque os pontos desta lista. 

José Avillez, Henrique Sá Pessoa, Alexandre Silva e Miguel Rocha Vieira são alguns dos melhores chefs da cidade e estão à frente destes restaurantes de cozinha de autor em Lisboa. Estendam a passadeira vermelha, que os pratos que aqui desfilam são de assinatura e dignos de paparazzi. 

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