É o chef português com mais estrelas Michelin, com duas a chegarem de rompante no último ano, primeiro à Tasca, no Hotel Mandarin Oriental Jumeira, no Dubai, e depois ao Encanto, no Chiado, mesmo ao lado do Belcanto, onde há muito se espera a terceira estrela – essa é que ainda tarda. Está na liga dos grandes nomes da gastronomia mundial, mas garante que mantém os pés na terra, até porque nunca se imaginou onde está hoje, mas antes num pequeno restaurante de bairro em Cascais.
Pode um restaurante ser sustentável quando na cozinha não se dá vazão ao plástico, aos sacos de vácuo ou à película aderente? Quando grande parte do seu produto vem de uma grande superfície ou de países longínquos? Quando se desconhece a origem e a forma de produção? Ou quando se paga miseravelmente a quem ali trabalha, forçando a uma sobrecarga horária? A resposta é fácil: não. Mais difícil é combater a desinformação, deslindar as boas práticas, desmascarar o marketing e não ceder ao greenwashing. Essa responsabilidade tem de caber a todos, a quem cozinha e a quem se senta na mesa de um restaurante, a quem produz e a quem comunica, a quem gere e a quem premeia. A sustentabilidade parece vender, ou pelo menos seduzir, mas nem todos os restaurantes que se dizem sustentáveis, sazonais ou biológicos seguem as práticas mais verdes. Ainda assim, há quem se esforce realmente por fazer mais e melhor, de restaurantes com estrela Michelin a projectos mais pequenos, ainda que o caminho seja tantas vezes tortuoso – e até frustrante.
“Hoje em dia, anda toda a gente com a sustentabilidade na boca, mas do que é que estamos a falar quando falamos de sustentabilidade? E por que é que falamos em termos absolutos? Por que é que falamos num restaurante que é sustentável e não falamos de um restaurante que é mais sustentável?” As perguntas são de Rui Catalão, que com Maria Antunes criou os Kitchen Dates, uma espécie de alter-ego do casal que mudou de vida para se dedicar, em termos simples, à literacia alimentar. É dizer, à consciencialização e responsabilização por aquilo que comemos, fazendo-nos entender que todas as nossas decisões têm impacto no planeta. Um dos pontos em que mais insistem é na necessidade de deixar de comer produtos de origem animal e processados. Em 2019, deram que falar quando abriram o primeiro restaurante sem caixote de lixo em Portugal. Mas nem assim se atreviam a rotular-se como sustentáveis. “Chegámos a ficar revoltados quando nas notícias diziam que era um restaurante sustentável. Nunca dissemos isso. A única coisa taxativa que dissemos foi: cozinha sem desperdício. É a única coisa que conseguimos garantir”, explica Rui. O restaurante deixou de existir entretanto, mas não por ter falhado, garantem. “Funcionou enquanto negócio. As pessoas gostavam, estávamos sempre cheios, mas chegámos à conclusão de que o caminho que a pandemia nos estava a fazer levar não era bem o que queríamos para a nossa vida. Ao contrário de muito pessoal nos restaurantes que só se imagina a fazer aquilo, nós imaginamo-nos a fazer muita coisa”, continua. “O nosso foco sempre foi ajudar as pessoas a transitar para uma alimentação, um consumo, mais sustentável. Se passamos o dia enfiados na cozinha, estamos a impactar apenas as pessoas que vêm aqui comer. Não temos oportunidade para ir a escolas falar, não temos oportunidade para ajudar outros negócios directamente a pôr isto em prática.”
São muitos os contactos e pedidos de ajuda que recebem, embora nem todos se traduzam em medidas efectivas, como esclarece Rui. “As pessoas querem fazer um bocadinho para poder dizer tudo. Fazem 5% para poderem dizer que são sustentáveis. E é aí que o erro começa. Por que é que fazemos as coisas? Porque queremos ter um impacto positivo e sabemos a origem desse impacto, ou porque sabemos que ao dizer que somos um restaurante sustentável vamos atrair mais pessoas?”
Bruno Rocha, chef executivo do Bairro Alto Hotel, à frente da cozinha do BAHR, não tem meias-palavras: “Preocupa-me que a sustentabilidade seja utilizada como veículo comercial, propaganda de negócio. Isso é falta de carácter. E não é justo”. Um restaurante 100% sustentável é uma utopia, defende. Nem por isso vira as costas à luta, sabendo que fala de um lugar de conforto. “Num projecto como o Bairro Alto Hotel a vida é simplificada porque há uma preocupação geral. Eu consigo ter este discurso muito empolgado porque tenho esse respaldo, mas também contribuo muito para essa visão.” E não foi sempre fácil, assegura, lembrando o risco corrido quando o hotel de cinco estrelas fechou para obras de ampliação em 2017, numa altura em que Lisboa se tornava já um destino apetecível. “Reabrimos dois anos depois sem os clichés hoteleiros. Não há hambúrgueres ou pequeno-almoço buffet. Não imaginas o drama que foi marcar uma posição a dizer que este hotel só teria pequeno-almoço à carta, feito à vista e ao momento, com tudo o que é de qualidade. Até dentro da empresa tivemos resistência”, recorda. “Depois veio uma pandemia e toda a gente teve de se alinhar nessa direcção, mas nós já lá estávamos. Tivemos de atirar a primeira pedra, doeu e muito, mas esse caminho está feito.”
O mesmo se aplica às decisões que têm vindo a tomar para que o restaurante se torne mais sustentável. A primeira regra é não haver segredos: se hoje não há um produto, assume-se que não há, sem medo de falhar um prato na carta. Isso tira pressão na cozinha, mas também nos produtores, a base de tudo, aponta Bruno Rocha. “O mindset está na solução, não no problema. Se há um produtor que precisa de um tempo, temos de respeitar isso. Cabe-me a mim encontrar a solução para continuar a ter o mesmo tipo de produto, ou obrigar-me a alterar algum prato em função disso. Se tivermos de o fazer, vamos fazer”, diz. Quando, pelo contrário, o produtor tem excedente para escoar, a disponibilidade tem de ser exactamente a mesma. “No ano passado o Miguel do Hortelão do Oeste teve uma produção de tomate incrível. Não dava conta. Nós ficámos com muito tomate e conservámos em pickle. Usámos este ano”, revela. “Isso também é uma forma boa de rentabilizar o produto e de combater o desperdício.”
No Tricky’s, no Cais do Sodré, é assim que João Magalhães Correia trabalha. “Por exemplo, estou a usar a couve toscana, mas basta que não chova e elas começam a ficar pequeninas e mais fracas. Tenho um fornecedor cheio de kale; usamos a kale. Não há tanto desperdício da nossa parte porque acabamos por usar as coisas, mas também não há desperdício na parte dos fornecedores. Acontece mesmo muito. Às vezes, acho que a criatividade vem mais dessa necessidade”, sublinha. Alexandre Silva concorda. “Criatividade é a palavra-chave para defender a sustentabilidade, porque é preciso que as nossas cabeças não parem de pensar e depois passar essa mensagem às equipas que trabalham connosco. Sem isso, não conseguimos fazer nada”, acredita o chef do estrelado LOCO, na Estrela, e do FOGO, nas Avenidas Novas.
Seguro do seu caminho, Alexandre não sabe pensar os seus restaurantes de outra forma. O desperdício zero é a norma. Tudo se aproveita, tudo pode ganhar uma vida nova. “Vim de uma escola de cozinha em que a comida era aproveitada. E, quando abro o LOCO, é com esse conceito muito bem definido.” Mais tarde, chegou a criar um laboratório de experiências, mesmo ao lado do LOCO, a que chamou I+D. “O desperdício pode ir para uma variante mais fácil, ou seja, mais corrente nas cozinhas, mas pode ir para uma zona mais difícil, mais científica.” Com a pandemia, viu-se obrigado a desistir do espaço, mas nem por isso abandonou este lado de investigação e desenvolvimento, hoje com lastro nos dois restaurantes. “O LOCO preocupa-se se calhar um bocadinho mais porque temos uma equipa que só faz jantares e tem um tempo por dia para conseguir criar. Há coisas que fazemos lá que podemos passar para o FOGO e vice-versa”, explica. Acontece com as bebidas fermentadas, como a kombucha. E há ainda um projecto em cima da mesa para fazer cerveja. “Nós tentamos fazer tudo porque é possível.” As sobras de pão servem para fazer kvass, uma bebida russa; as borras de café podem dar lugar a um miso; e com as vísceras de peixe faz-se garum. “Não somos 100% sustentáveis, fazemos o nosso caminho todos os dias, temos a consciência tranquila daquilo que fazemos e daquilo que queremos fazer e do que já deixámos de fazer porque não fazia sentido.”
O respeito pela natureza é rentável
À semelhança de Bruno Rocha ou de João Magalhães Correia, Alexandre Silva anda a passo dos produtores. Ou melhor, da natureza. “Não somos ninguém para fazer com que a mãe natureza ande ao nosso ritmo. Somos nós que andamos ao ritmo dela e se eu só tenho dez quilos de batata raiz de cana, só tenho isso. Não tenho de andar a ameaçar o produtor.” Esta é até uma conversa que deixa o chef “nervoso”, confessa. “Aquela coisa dos produtores não darem consistência aos chefs… Os chefs é que têm de se adaptar aos produtores e àquilo que eles conseguem fazer. Quem sou eu para pedir 60 cabritos a uma pessoa que só consegue criar 20 por mês?” Os exemplos continuam: “Ai, este ano não há trufas. Não há trufas, não há. O mundo não vai acabar porque não há trufas”.
É por isso que João insiste no respeito pelo trabalho de cada um neste ciclo. “Quando conheces as pessoas e o trabalho que elas fazem, acabas por ter respeito até por uma couve. Tu sabes o trabalho que aquilo dá a cultivar, tu olhas para as coisas e queres aproveitar.” Para o chef do BAHR, a convivência saudável entre produtor e cozinheiro “é das partes mais bonitas” do seu trabalho. “Hoje em dia, o WhatsApp é uma maravilha. Recebo fotografias do produto. Perguntam-me o que fazer com aquilo. É bonito o produtor estar no Norte e eu daqui conseguir acompanhar”, aponta.
António Galapito, chef do Prado, quase perde a conta aos produtores com quem trabalha. São muitos e a lista não pára de crescer, seja porque os encontra, porque lhe recomendam ou porque os mesmos chegam ao restaurante da Sé por iniciativa própria. “Não podes dizer que és sustentável por não teres desperdício e depois só trabalhas com a Makro. Não faz muito sentido essa conversa”, argumenta.
Quando abriu o restaurante em 2017, não tardou a que lhe colassem o rótulo de sustentável. Galapito torce o nariz. “Não gosto de dizer que somos o restaurante mais sustentável de Lisboa, estaria a mentir.” Por contraponto, menciona o Silo, o restaurante de Douglas McMaster em Londres que é hoje uma referência mundial no que ao desperdício zero diz respeito. “Tentamos fazer o mínimo desperdício, utilizar os produtos todos. É impossível. Para um restaurante do nosso tamanho no centro de Lisboa é mesmo difícil. Olhando para o Silo, eles têm uma infra-estrutura enorme por trás para conseguirem fazer imensas coisas que nós nem temos espaço para. Aí, limita-nos sempre um bocadinho, mas dentro das nossas possibilidades tentamos fazer o nosso trabalho, até porque é mais rentável.”
Foi precisamente no Silo que Lara Espírito Santo e George Mcleod, ela brasileira e ele neozelandês, trabalharam antes de abrirem o SEM, em Alfama, “com o objectivo de criar um modelo operacional com impacto positivo para a indústria da restauração”. “A preocupação ambiental é o que nos faz levantar da cama todos os dias e a sustentabilidade está no nosso ADN. Tudo o que fazemos é determinado, não apenas influenciado, por isto”, diz Lara, a fazer uma pausa no Brasil, via email. “Nós não temos um menu sazonal. A nossa ementa muda semanalmente de acordo com o que a selecta lista de produtores tem disponível naquele momento. Não temos desperdício alimentar, todo o alimento – incluindo partes tradicionalmente descartadas como sementes, cascas, talos, folhas – é utilizado. Não temos caixote de lixo. Todo o resíduo orgânico é compostado. Não temos plástico de uso único. Estamos atingindo nossas metas de 85% sem plástico nas entregas dos fornecedores. Nosso mobiliário é feito de plástico e papel reciclado. Utilizamos alimentos selvagens e espécies invasoras”, enumera, defendendo que sim, existem restaurantes sustentáveis. “Mas são poucos. Existem restaurantes com modelos operacionais que vão além do marketing. O problema é que o nosso actual sistema alimentar não foi concebido para ser sustentável. Quando levamos em conta a cadeia alimentar do começo ao fim, desde os modos de produção extractivos e destruidores, às condições de trabalho, ao uso indiscriminado do plástico, energia e água, a gestão dos resíduos orgânicos, entendemos que é a pior indústria do mundo.”
As referências, além do Silo, são o Amass em Copenhaga, o Nolla em Helsínquia (do chef português Carlos Henriques) e o Future Food System, em Melbourne. Em Portugal, escasseiam-lhe os exemplos, mas aponta o restaurante da Herdade do Esporão, em Reguengos de Monsaraz, que no ano passado conquistou não só a estrela Michelin como a estrela verde, pelas boas práticas sustentáveis. Não por acaso, Carlos Teixeira pratica muito daquilo que Lara especifica. “Todo o nosso projecto, desde a forma como vamos comprar à forma como produzimos, como tratamos, como servimos, toda essa envolvência, é o cuidado que temos com a sustentabilidade”, explica o chef da Herdade do Esporão. “Temos a nossa própria horta, produzimos os nossos vinhos, os azeites, tudo o que fazemos no restaurante é feito por nós, de fermentações a preservações”, começa por explicar. “Também tentamos focar-nos em animais que são pragas na nossa zona para ajudar um bocadinho mais o meio-ambiente. Os lagostins, os lúciospercas, os javalis. Até porque têm valor gastronómico.”
Em Santarém, Rodrigo Castelo, chef do Ó Balcão, sabe bem do que Carlos Teixeira fala. Tudo no seu restaurante é feito em casa, do pão aos fumados, da salmoura à cura, tão importante nos peixes de rio que trabalha, tal como nas carnes. “Acontece tudo de uma forma muito natural. Cozinhamos aquilo em que acreditamos. Isso é o nosso ADN”, justifica. O Ribatejo corre-lhe no sangue, é isso que serve à mesa, procurando reduzir cada vez mais a sua pegada, dando visibilidade a uma matéria-prima tantas vezes descartada. “Nós cozinhamos mesmo o que temos ao pé de nós e isso emociona-nos, faz com que a nossa cozinha seja muito sustentável.” O segredo, acredita, é não estar preso a nada. “Quando estás a fazer menus de degustação e estás a fazer uma cozinha ainda mais gastronómica e criativa, permite-te sonhar mais. Eu também sou autodidacta e um autodidacta não está preso a livros, faz o que quer. Isso permite que eu possa agarrar em tudo”, defende. O caviar, aqui, é de peixe do rio. “E estamos a falar de um barbo que antigamente só era usado para fazer caldos. Nós usamos o barbo todo. Usamos a cabeça e as espinhas para o caldo, a barriga para um prato e o resto do peixe para a sopa. E usamos as ovas para o caviar”, aponta.
Falta compromisso
>Fundamental também tem sido o trabalho que tem vindo a desenvolver com peixes predadores, como o siluro, responsável pela diminuição dos peixes tradicionais do rio. “A sustentabilidade também vem daí. Há peixes nativos que não vivem se não cozinharmos os predadores”, afirma, contando que graças a essa preocupação “começa a ser mais apelativo para os pescadores irem à pesca desses peixes”. Ainda assim, não há tantos restaurantes como gostaria a servi-los.
A falta de compromisso talvez seja a resposta imediata dos chefs quando questionados sobre o caminho ainda longo que há por fazer na restauração. “Isso foi um ensinamento que recebemos do Carlos Henriques do Nolla. Disse-nos para criar uma lista de regras e seria essa lista a fazer-nos cumprir esse compromisso. Criando essas regras sabemos que se sairmos delas já não estamos alinhados com aquilo que decidimos fazer”, explica Maria dos Kitchen Dates.
O casal espanta-se por numa altura em que tanto se fala de emergência climática, a discussão não se focar na alimentação. “O sector alimentar tem maior impacto do que todo o sector dos transportes juntos (os aviões, os carros, os camiões, tudo junto). E grande parte disso está associado à produção de produtos de origem animal. Não se vê isso ser reflectido na comunicação”, aponta Rui. “Se vamos ter uma discussão séria sobre a sustentabilidade na restauração, temos de discutir o que está nos nossos menus.”
Um restaurante como o Pigmeu, em Campo de Ourique, com uma carta feita apenas de porco, pode ser por isso um paradoxo, pelo menos para Rui e Maria. Mas as preocupações de Miguel Azevedo Peres não estão assim tão distantes das dos Kitchen Dates. “Nós temos um princípio base de nose to tail, de consumir o animal ponta a ponta, sem desperdício, mas não é só isso”, garante. Há uma atenção redobrada na escolha de produtores. “Trabalhamos com produtores que, além de biológicos, fazem agricultura regenerativa. Sobretudo na produção animal, esse tema é muito relevante. Ou seja, procuramos uma produção que não só consegue conservar os ecossistemas como consegue regenerar”, explica. “Queremos apresentar uma alternativa que seja viável.”
Ao mesmo tempo, enobrecem-se partes do animal habitualmente menosprezadas. “Pegamos nas peças que são normalmente desperdiçadas e fazemos alguma coisa que seja atractiva para pormos as pessoas a comê-las. É preciso ver que essas partes hoje em dia representam 30% do animal, garantidamente, que a maior parte das vezes acaba no lixo”, alerta. Há sempre resistência, mas é caso para dizer que se entranha mais do que se estranha. “Há coisas como os túbaros, que a maior parte das pessoas não quer provar e hoje é dos pratos mais vendidos”, revela Miguel, para quem não se pode falar na redução de consumo de carne, sem que se fale primeiro do desperdício de 30% de carne. “Temos de parar.”
Lara também faz questão de ressalvar que ter carne no SEM não é “apatia ou ignorância”. “Acreditamos que a agricultura regenerativa é uma das práticas mais importantes para a criação de um sistema alimentar de facto sustentável, e os animais de pastoreio são essenciais para a regeneração do solo, o fomento da biodiversidade e a sequestração de carbono”.
Já em restaurantes como o Sála, de João Sá, ou o funcional The Therapist, de Joana Teixeira, a carne não entra. No primeiro, o chef não se restringe às questões ambientais. Podia colher esses louros, contudo o cinismo não lhe assenta. “Aconteceu. Seguimos esse caminho, também porque temos muitos clientes turistas que não comem carne.” Não se pense, porém, que João Sá não está atento à questão. Faz mais do que publicita. Em casa, por exemplo, tem um compostor para onde leva o desperdício da comida, que depois é levado para o jardim do Zunzum, da mulher Marlene Vieira. A carta está hoje mais curta, trabalha com o que está disponível no momento, “fresco o mais possível, de fora o menos possível”. “Gastamos mais de um produto, mas menos variedade, portanto há menos desperdício”, elucida. “Internamente temos de fazer cada vez mais. Num tempo em que as coisas estão a subir tanto, se tiveres pratos que não têm grande desperdício, se tiveres um baixo consumo eléctrico, se tiveres um baixo consumo de água, torna-se tudo mais sustentável”, acrescenta ainda João. “O que não devemos ter é falta de coerência. Para mim, a coerência ambiental não se resume apenas ao ambiente, mas ao dinheiro também. Casas os dois e consegues ter o melhor dos dois mundos.”
Isto é ponto assente para todos. Não há sustentabilidade ambiental sem sustentabilidade financeira e social. O que inclui as equipas dos próprios restaurantes. Neste aspecto, não há quem se esqueça de abordar a estabilidade das equipas através da melhoria das condições de trabalho. Alexandre Silva, por exemplo, dá três folgas: “Desde Janeiro que temos uma semana de quatro dias”. No Tricky’s, dá-se um bónus no salário para saúde, e no Prado e no Esporão passou a fechar-se ao domingo. Já no Therapist não há horários repartidos, uma prática que tem afastado demasiada mão-de-obra do sector. No Bairro Alto Hotel, nem a comida do staff é deixada ao acaso. “O nosso refeitório é um restaurante, chama-se Alto e Pára o Bairro”, conta Bruno. “É encarado como um ponto de venda. Tem clientes, só que não pagam”, brinca o chef. “Não podes ter duas caras. Neste negócio, toda a gente conta, toda a gente faz parte da experiência e isso tem de vir reflectido na conta.”
Subir os preços é inevitável
É preciso, por isso, pôr o ónus nos clientes. “Desmotiva-me quando temos clientes que nos dizem que este ou aquele prato são excessivamente caros. Não são, têm é os custos todos que temos com esta visão”, diz Joana Teixeira. Alexandre Silva esmiuça: “Eu não posso comprar um robalo ou um pregado a 40€/quilo e vendê-lo a 30€. É impossível. Agora, os clientes não entendem, nem querem entender. E dizem: ai, mas eu vou àquele restaurante e o robalo está a 25€”. A explicação é simples. “Claro que é mais barato. Eu também vou à lota e encontro peixes a 15€/quilo. Sim, vêm de mar, mas o tipo de pesca com que são capturados é que não é sustentável e isso é um problema”, continua, sem papas na língua. “Um pescador que anda num barco de cinco metros e meio e arrisca a vida todos os dias com uma cana para ir apanhar o peixe tem que ganhar mais por quilo de pescado do que um arrastão que tem 30 metros de comprimento e começa a lavrar tudo com uma rede que vai apanhando pedras, barcos abandonados, pneus e tudo.”
E na conta tudo pesa, adverte Bruno Rocha. “É a comida, mas é também o empregado de mesa, a copeira, o cozinheiro, o chef, a água, a luz, o conforto, a cadeira, o guardanapo, o talher. Tudo tem um preço. O cliente tem que entender que para ter uma determinada experiência há todo um trabalho para aí chegar.”
Com a inflação, estas são reflexões cada vez mais urgentes. Subir os preços é a última medida aplicada, mas quase sempre inevitável. “Aumentámos preços em coisas muito ténues, onde realmente já não conseguíamos comportar, mas também temos estado a tirar da nossa margem para não prejudicar directamente o consumidor”, explica o chef.
E voltamos ao início: transparência e honestidade, acima de tudo. “É uma pescadinha de rabo na boca”, diz João Sá. “As pessoas têm que mostrar o que fazem realmente”, diz Carlos Teixeira. Não basta falar, não basta fazer barulho. “Acho que cada vez tem de haver mais transparência sobre os processos de sustentabilidade porque só assim é que os outros que não sabem e não conhecem poderão aprender e evoluir.” É por essa razão que o chef do Esporão gostaria de conhecer os parâmetros de avaliação do Guia Michelin na atribuição das estrelas verdes. Sabe o que faz, não duvida que merece a distinção, mas há uma responsabilidade da qual o guia gastronómico não se pode demitir. “Acho que é tudo um bocadinho nublado. Como é que eles sabem quem é que tem estas boas práticas? Eu nunca tive um inspector a perguntar-me que formas de trabalhar é que temos, a vir visitar a cozinha, os desperdícios, a horta… Por pena minha, porque eu quero mostrar mesmo o que fazemos”, reforça.
A boa notícia é que há caminho para mudar. Assim haja vontade, como diz Rui Paula, e tempo. “Isto tudo dá muito trabalho. É preciso pensar, ir à procura”, defende o chef com duas estrelas Michelin na Casa de Chá da Boa Nova, em Leça da Palmeira, que recentemente mudou as fardas da sua equipa para umas de tecidos feitos a partir de plástico dos oceanos.
“A sustentabilidade não é uma meta a que se chegue e já está, é um percurso”, lembra Joana. Mas Lara avisa: “Estamos correndo contra o tempo. Temos que mudar, e rápido. Precisamos aprender com os nossos erros e partilhar melhores práticas. Se a restauração quiser ter um futuro, teremos todos que ser mais sustentáveis”.