Nuno Mendes
Francisco Romão Pereira
Francisco Romão Pereira

Nuno Mendes, um cozinheiro de memórias

Nuno Mendes voltou a Lisboa, depois da saída do Bairro Alto Hotel, e com um restaurante que tem acesso directo à rua – um sonho antigo –, apesar de fazer parte do Hotel Locke Santa Joana, no Marquês de Pombal.

Cláudia Lima Carvalho
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Chef ou cozinheiro?
Sou cozinheiro. Pirata. 

Actividade favorita quando não estás a cozinhar?
Dormir. 

O melhor prato tipicamente português?
É o cozido alentejano que eu comia em casa da minha avó, que era um cozido à portuguesa, mas na sopa. Porra, as memórias disso... Com hortelã fresca do quintal e com os enchidos todos. As duas coisas que mais me aquecem o coração talvez seja isso e a canja que a minha avó também fazia. 

Livro de cozinha favorito?
Aqui há uns dias, folheei outra vez o Cozinha Tradicional Portuguesa da Maria de Lourdes Modesto. Sinto que folhear esse livro ainda me inspira, ainda aprendo muito com ele.

Se tiveres amigos de fora em Lisboa, onde é que os levas a jantar?
No final dos anos 1970, fui introduzido à cozinha goesa e o restaurante onde ia muito era o Velha Goa, em Campo de Ourique. Aquilo tinha dois espaços, uma cave e uma mesa em cima e eu ia sempre para a sala de baixo. Descia as escadas e os cheiros, os aromas da cozinha… Apaixonei-me pela cozinha com essas coisas. O dono do restaurante era o Sebastião, que era muito amigo do meu pai. O mais próximo que tenho disso agora é o Cantinho da Paz [nas mãos da filha de Sebastião]. Esse é o sítio.

O que é que não suportas comer?
Detesto bananas. E comida sem paixão.

Para quem é que gostarias de cozinhar?
Para a minha avó, para o meu pai...

E o que prepararias?
Não sei, uma canja, comida goesa, as coisas que aprendi com eles. Estou, cada vez mais, a tentar chegar ao que eles faziam, mas já com a minha bagagem. Portanto, se calhar, dava-lhes as minhas memórias desfocadas do que eles fizeram para mim quando era miúdo. 

Qual é o melhor restaurante em Lisboa para um encontro romântico? 
Já não tenho um há muito tempo. Bifanas do Afonso [risos]. 

Qual foi o prato que mais dores de cabeça te deu?
Não olho para as coisas assim. Às vezes fazia coisas que eram um pincel para a equipa e eu: ‘Ok, temos de mudar’. Ou seja, tento ter consciência. Não digo: ‘Paciência, agora aguentem-se’.

Programa de culinária favorito?
Eu via programas de culinária antigos, que repetiam na televisão, como a Julia Child. O Anthony Bourdain era fixe. Sempre me atraíram muito os programas sobre a descoberta com pessoas que tinham uma postura interessante. Não era só aquela coisa gravada num estúdio, mas a aventura toda. O carácter antropológico da comida para mim é importante, dá contexto ao que comemos e a razão pela qual se come o que se come. 

Palavrão favorito quando se entorna o caldo?
No outro dia houve um engraçado: 'Fodeu'. Acho que na minha vida gritei muito pouco na cozinha. Tive muito poucos momentos em que me irritei a sério ao ponto de entrar em parafuso. Comigo, uso muitas vezes o ‘fuck, you idiot’ [risos].

O que é que nunca pode faltar no frigorífico?
Água.

Qual foi a coisa mais estranha que já comeste e onde?
Balut nas Filipinas. É o ovo que está meio germinado. É um bocado lixado, mas o consomé disso é lindo. Ou seja, tens uma parte que é líquida e que é o melhor caldo de galinha que já comeste na vida, mas depois vais pelando e tens a clara já com o embrião. É um pouco gelatinoso.

E qual foi a coisa mais surpreendente?
Os meus avós viviam em Cascais e íamos ao Jardim dos Frangos, se não me engano. Mesas de plástico cá fora, frango com batatas fritas, salada de tomate. Lembro-me de ser o puto na mesa. Há um ano, sentei-me lá com os meus filhos. Estava no mesmo sítio, numa mesa semelhante, a ter a mesma experiência. É incrível. Isso a mim surpreende-me mais do que coisas que provei no Japão ou noutras partes do mundo. 

A melhor bebida enquanto cozinhas?
Olha, comprámos matcha para ter ali na cozinha e fazermos um batch

Condimento favorito?
Togarashi, hondashi, nishiso… 

Qual foi o primeiro prato que serviste?
Sopa de cebola gratinada. Fiz para o meu pai ou para uma namorada. Sempre cozinhei muito. 

Onde jantas quando estás de folga?
Eu sinto-me bem sozinho e gosto muito de silêncio… Provavelmente num restaurante japonês de muito boa qualidade. Ia muito ao Bonsai quando estava aberto. No Porto, tenho um sítio também lá ao pé da Cozinha das Flores. Aqui também já vou conhecendo sítios. Ou, então, vou ao Cantinho da Paz. 

Qual é que seria a tua última refeição?
Gostava que fosse numa praia em Goa com os meus filhos, com a minha avó, com os meus pais, tudo à mistura. Uma cena goesa. 

O que levas para um jantar para o qual foste convidado?
Levo as facas [risos]. Porque eu chego a casa de alguém e: ‘Olha, Nuno, o que é que achas que a gente faz aqui?’ Ok, just get out of the way, go sit down, I'll make it. E acabo eu na cozinha a cozinhar.

Melhor região de vinhos em Portugal?
Adoro os projectos que se estão a fazer nos Açores. É fixe haver loucos o suficiente para fazerem vinhos mesmo no vulcão. Eu gosto de coisas assim um bocadinho fora da caixa e acho que esse pessoal está a arriscar e a fazer coisas incríveis. 

Questionário ao chef

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