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Fotografia: Manuel MansoRestaurante Loco
Fotografia: Manuel Manso

O Congresso dos Cozinheiros é para falar, mas sobretudo para ouvir

Ao longo de dois dias, o mundo da gastronomia olha-se ao espelho no Congresso dos Cozinheiros. Deslindamos o programa.

Cláudia Lima Carvalho
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Sem segredos, nem tabus, descomplicando o que pode parecer complicado. Tem sido este o caminho percorrido pelo Congresso dos Cozinheiros, cuja 17.ª edição acontece este domingo e segunda-feira, dias 17 e 18, no Nirvana Studios, em Oeiras. “Pessoas, Natureza, Gastronomia” é o tema de 2021, numa extensão do que aconteceu no ano passado que tinha “Pessoas” como mote, focando-se essencialmente na saúde mental de todos os que trabalham nas cozinhas. As lições do passado, o impacto do presente e o futuro que se quer diferente, debatidos por quem melhor conhece o meio: os chefs e profissionais da área, com vários convidados internacionais, entre os quais se destaca Dabiz Munõz, que tem em Madrid o DiverXo, três estrelas Michelin, e que foi considerado recentemente o melhor cozinheiro do mundo nos The Best Chef Awards. 

Depois de um ano em que o Congresso aconteceu de forma condicionada, como toda a nossa vida, a edição deste ano volta a estar de portas abertas ao público, permitindo “um bom mergulho no mundo da gastronomia”. “Para quem pensa que a gastronomia são só os chefs e os pratos à mesa dos restaurantes, o Congresso dos Cozinheiros abre a porta escancarada para se perceber chefs, pratos e restaurantes, mas também o impacto social da gastronomia na sociedade”, diz à Time Out Paulo Amado, responsável pelas Edições do Gosto, que promove o evento. “Além disso, permite o debate interno, que é algo que este Congresso conseguiu fomentar desde que foi feito, há 17 anos.”

O tema, à semelhança do que tem acontecido, não podia ser mais actual. Se no ano passado se debateu a saúde mental na cozinha num momento em que os restaurantes lutavam pela sobrevivência num tempo incerto e passado em parte de portas fechadas, este ano foca-se nas pessoas, no seu impacto na natureza e na gastronomia, e vice-versa, ou não estivesse tudo ligado. “Temos uma palavra a dizer, temos de procurar os temas que são estruturantes para o futuro. A graça é que fazemos isto com uma herança de 32 anos [das Edições do Gosto]”, continua Paulo Amado, para quem este encontro “é um grande momento de partilha para a evolução, [para] fomentar o conhecimento”. 

“É preciso divulgar que a cozinha e o negócio da restauração e da gastronomia é muito mais do que aquilo que aparenta”, acrescenta ainda, defendendo que é preciso mostrar como há escolhas que podem mudar a vida de muita gente – e até do planeta –, tanto do lado de quem tem o poder de decisão atrás do balcão, como daquele que consome. “Se um cozinheiro decidir comprar a 50 metros, a 50 quilómetros ou a cinco mil quilómetros, isso tem impacto no ambiente, na economia, na cultura. Nós, conscientes de tudo isso, vamos tomando decisões”, exemplifica. 

Para falar deste tema, logo no arranque do Congresso, estará o colectivo FoodRiders (Dom 09.30), de Damian Irizarry, Diogo Noronha e Marta Fea, com a sua Ameaça Vegetal, mas também Carlos Henriques (Seg 16.30) que abriu na Finlândia o Nolla, um restaurante sem caixote do lixo. Os estrelados João Rodrigues, do Feitoria, Alexandre Silva, do LOCO, e Henrique Sá Pessoa, do Alma, fecham as hostes com uma discussão sobre “A luta verde e o futuro do fine dining” (Seg 18.45). 

Para Paulo Amado, estamos “perante uma nova geração da cozinha em Portugal que é mais consciente da sua relação com a sociedade, da relação com os outros”. “Houve uma grande mudança.” E é por isso também que a edição deste ano não podia nem abandonar as pessoas que deram tema à última edição, nem ignorar a crescente consciencialização ambiental. 

“Levámos, por exemplo, 17 anos a apresentar um painel africano, a debater-se o tema. Este ano vamos ter dois painéis africanos. É preciso reconhecer a cultura africana como parte do nosso país e precisa de palco para ser valorizada”, explica o responsável. E revela: “Entendemos que é uma das tendências para o próximo ano devido ao actual contexto geracional, vai ser um dos temas do que ano que vem.” Vão falar da “Conexão Africana”, André Magalhães, da Taberna da Rua das Flores, no primeiro dia (Dom 10.30), e Ieda de

Matos e José Carmo, da Casa de Ieda, e Bel Coelho, do Cuia, ambos em São Paulo (Seg 11.10). 

“Não somos só o Congresso dos Cozinheiros, estamos aqui perante um conjunto de perspectivas sociais conscientes do papel que a gastronomia pode ter em sociedade”, conclui Paulo Amado. 

Os bilhetes estão à venda no site do evento e o preço varia entre os 45€ (um dia) e os 80€ (dois dias), dando acesso a toda programação, que pode ser consultada online, entre demonstrações de cozinha, degustações de comida e bebida e debates.

Nirvana Studios, Barcarena (Oeiras). Dom-Seg 09.30-19-30. 45€-80€

A escolha do chef

Alexandre Silva (quase) dispensa apresentações. Venceu a estrela Michelin no LOCO quando já dava nas vistas, entrou para a ala dos chefs no Time Out Market, e em 2019 abriu o FOGO. Quando o mundo se fechou, o chef foi para a Zambujeira do Mar, onde deu nome ao Craveiral FarmTable. No Congresso dos Cozinheiros, na segunda-feira, vai procurar destrinçar o caminho que a cozinha pode tomar nos próximos anos. Mas mais do que isso, Alexandre Silva “quer ouvir o que cada um tem a dizer, para aprender”. Especialmente no que diz respeito “aos novos estilos de liderança na cozinha”, tão importantes para o bom funcionamento de um restaurante e para o bem-estar da equipa. Para o chef, este encontro tem sido fulcral para dar dignidade “a uma profissão que foi malvista durante muito tempo”. “Era quase como se os chefs fossem aqueles que não conseguiram fazer mais nada, não estudaram e por isso foram para a cozinha. A verdade é que o Congresso dá formação, põe-nos a pensar e mostra como é preciso estudar. As técnicas de há 20 anos não são as de hoje, há uma evolução constante”, explica o chef, revelando ter particular curiosidade com a apresentação do espanhol Dabiz Munõz. “É uma pessoa bastante criativa e quero perceber o que vai apresentar, para saber se estamos no caminho da vanguarda, no mesmo caminho que os espanhóis”, explica. 

Os ovos não são todos iguais

O que faz do ovo um bom ovo? Os ovos biológicos são melhores do que os que provêm de galinhas engaioladas? E quanto ao frango, é melhor se criado ao ar livre? São tantas as perguntas como as respostas que julgamos ter. Mas será que temos as respostas certas ou apenas perpetuamos mitos que nos foram contando? Madalena Lordelo, professora no Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa e investigadora no Centro de Investigação LEAF (Linking Landscape, Environment, Agriculture and Food), aposta na segunda hipótese e explica porquê em O Ovo – Descascar Mitos da Galinha ao Garfo (Livros Horizonte). Investigadora há 20 anos, com um doutoramento em Ciência Avícola na Universidade da Georgia, EUA, Madalena cansou-se de ouvir sempre as mesmas perguntas, vindas tanto de alunos como de familiares, amigos e consumidores em geral. No Congresso dos Cozinheiros, pretende ainda alertar para a extinção das quatro raças de galinhas autóctones (Amarela, Branca, Pedrês Portuguesa e Preta Lusitânica). “Foi também um dos objectivos para escrever o livro, dar a conhecer às pessoas estas raças portuguesas. São um património incrível, que estamos a abandonar porque não conhecemos”, dizia à Time Out aquando do lançamento de O Ovo. Do lado do consumidor, pouco há a fazer. A pressão tem de ser posta “nos produtores, nos chefs de cozinha, nos restaurantes”. Tal como se enaltece certo produto no prato, o mesmo deve acontecer com o ovo, destacando a origem numa destas raças. “O ovo parece uma coisa tão básica, que não se pensa nele.” 

Dom 17.40

Qual é o melhor pastel de nata de Lisboa?

A competição mais gulosa da cidade, e também uma das que mais fervorosas discussões gera, volta a acontecer este ano. Quem tem o melhor pastel de nata de Lisboa? Em 2019, ganhou a Pastelaria Santo António, no bairro do Castelo. São nove os finalistas, saídos de uma prova que aconteceu ao longo de três dias no Palácio Marquês de Pombal, em Oeiras, aos quais se juntam os três primeiros classificados de 2019, nomeadamente a Pastelaria Santo António, a Pastelaria Aloma e a Pastelaria Patyanne, de Castanheira do Ribatejo. Em competição estão assim, além dos três finalistas já mencionados, o Altis Belém Hotel, a Pastelaria Fim de Século e a Nilo Pastelaria, em Lisboa, o Cantinho da Nata, em Queijas, a Casa do Preto, em Sintra, a Padaria da Né, na Damaia, a Pastelaria Casa do Padeiro e a Pastelaria Nata Morango, ambas na Pontinha, e a Pastelaria Viriato, na Ramada. Para chegar a esta lista, à qual os estabelecimentos da área metropolitana de Lisboa podiam concorrer, foi feita uma prova cega em que se avaliou o aspecto, toque da massa, sabor e consistência da massa, recheio e sabor global. O júri, presidido pelo gastrónomo Virgílio Gomes, é composto pela consultora gastronómica Teresa Vivas, o enólogo Domingos Soares Franco, o foodie Duarte Lebre de Freitas, os chefes de pastelaria Andreia Moutinho e Carlos Fernandes, a blogger e autora de livros de culinária Isabel Zibaia Rafael e os chefes de padaria Mário Rolando e Maria Urmal. A prova final, de onde sairá o vencedor, está marcada para o segundo dia do Congresso.

Novidades gastronómicas

As novidades na restauração multiplicam-se de tal forma que, à medida que damos conta dos restaurantes que abriram nos últimos meses, novas mesas já nos esperam. Felizmente, os projectos que tinham ficado em suspenso dão-se agora a conhecer. Há restaurantes de alta-cozinha, comida democrática e street food, refeições para qualquer hora, pratos daqui e do mundo. 

  • Japonês

A vida retoma a (quase) normalidade e as novidades gastronómicas sucedem-se em Lisboa. Nos últimos meses, apareceram na cidade e arredores novos restaurantes japoneses que prometem dar que falar – na verdade, alguns já têm dado e a prova disso é a dificuldade em arranjar mesa. Há propostas arrojadas onde reina a fusão e casas onde manda a tradição, sem grandes espalhafatos. 

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