Situemos uma coisa: estamos numa casa de topologia estranha; estamos perante um declive formado pela oposição de duas rampas; estamos num jardim inclinado onde a vegetação rasteira são pregos, ervas daninhas que até já a mesa galgaram; estamos em terreno aberto mas conseguimos ver as fronteiras; estamos na Europa. Sweet home Europa é um texto do dramaturgo italiano Davide Carnevali que João Pedro Mamede leva ao palco da Sala Estúdio do D. Maria II. Estreia esta quinta-feira e por lá fica até dia 27 de Março.
Texto que foi parar às mãos do criador português por sugestão de Tiago Rodrigues: "Gostei muito, está sempre a deslizar do plano literal para o alegórico e isso acaba por ser muito interessante para falar do problema europeu, através de abóboras, abóboras no cu, canas de pesca”, explica Mamede ainda que quase não precisasse – quem segue o seu trabalho sabe que esse deslize que o próprio sugere é fruta que nunca dispensa.
Nem ele, nem nós. É que este jardim pode ser pré-civilização e ocupado por países de discurso hábil, em esgrima intelectual; pode ser duramente actual e protagonizar jantares de negócios que decidem os destinos de vários povos; pode ser um regresso a casa, um filho e uma mãe que já só conversam porque o robalo está no forno e vai demorar.
Uma coisa é certa: ao mesmo tempo que uma série de quadros de situações – mais ou menos concretas – projectam conclusões maiores sobre o problema europeu, há um pianista (Daniel Bernardes) que contamina o discurso e que também é contaminado. Que acrescenta catarse, humor, emoções. Também há uma abóbora fálica e saída do Entroncamento, uma cana de pesca que só apanha metal e latão. É um tremendo e curioso nonsense, que parece interligar-se com uma espécie de sentido, suportado por frases repetidas durante todo o espectáculo. É o micro para o macro, o quotidiano para a consciência colectiva, é, no limite, seres humanos a tentarem comunicar: “A peça fala do problema europeu também através das relações humanas, do abismo das mesmas, o grande alcance da peça pode ser até esse: um apelo ao diálogo, à conversação”, comenta João Pedro Mamede.
Ah!, exacto, a comunicação. Essa madrasta insistente que volta não volta promove frases como: “– Estás a dizer isso em sentido figurado? – Em parte.” Claro que nesta Sweet home Europa tudo é em parte qualquer coisa e em parte outra. Tudo é Turquia, Hungria, França. Nem que seja em sentido figurado.
Teatro D. Maria II. Qua 19.30. Qui-Sáb 21.00. Dom 16.30. 6€-12€.