Antes do vinho teve uma carreira militar, fez parte da primeira divisão de guardas da rainha de Inglaterra e esteve ao serviço das Nações Unidas no Chipre. Depois disso, uma passagem pela banca. O vinho surgiu por acaso?
Estive à volta do vinho toda a minha vida. Encontrei a minha esposa [Natasha Robertson] a 12 de Março de 1982, em Londres. Casámos em Setembro de 1989 e vim a Portugal em 1994. Entrei para a Taylor’s em Maio desse ano, mas só quatro anos mais tarde é que assumi responsabilidades dentro da empresa. O meu sogro queria que eu ficasse com a presidência para o milénio, por isso, em 2000, assumi oficialmente o cargo de director-geral. Mas, antes disso, a minha carreira militar chegara ao seu pico em Sandhurst [Real Academia Militar em Inglaterra], quando ganhei o prémio de melhor candidato do meu ano, o Sword of Honor. Por isso, depois do exército, fui para a banca. Queria divertir-me [risos].
Foi uma mudança drástica…
Uma das coisas que me define é que não descanso, quero fazer coisas. O sistema militar é mais programado e, para quem quer fazer coisas, não é tão acelerado, daí a passagem para a banca. Em seis anos fazes um grande caminho. Entras com mil euros por mês e passados dois anos podes estar com 100 mil. Mudar para Portugal não foi fácil. Era um país novo, um negócio novo, tudo era diferente. Mas a Taylor’s tem mais de 300 anos e uma empresa com esta idade vale muito. São poucas as que existem no mundo assim. É um negócio da família da minha esposa e eu quis aprender mais. Além de que as minhas experiências diferenciadas ajudaram-me muito. A nível militar, a disciplina, e a nível de investimento bancário, nas compras, na gestão de pessoas, quintas e balseiros.
Como é que estava o sector do vinho do Porto quando cá chegou, em meados dos anos 90, e o que é que aconteceu entretanto?
O vinho do Porto passa sempre por ciclos. Uns bons, outros menos bons. O final dos anos 80 não foi bom, por exemplo. A minha vinda para cá era com o intuito de adicionar valor à empresa. Havia a necessidade de diversificar o nosso peso em outros mercados. Os EUA e o Canadá eram mercados pequenos e agora são substanciais. Quando entrei tínhamos 30 ou 35 mercados e hoje estamos em 103. Há mais internacionalização e, apesar da tradição, temos uma história de inovação. Lançámos um vinho do Porto rosé, o Pink Croft, que faz precisamente hoje [14 de Fevereiro] 19 anos. Tive a ideia em 2005 mas demorou a ser posta em prática. Só em 2008 é que foi para o mercado e acabou por ter uma grande aceitação.
Esse rosé foi uma tentativa de aproximar as novas gerações do vinho do Porto?
Uma grande vantagem do vinho do Porto é que ele tem uma grande autenticidade e as novas gerações querem isso. Hoje, as pessoas até podem beber menos, mas quando bebem, bebem com mais qualidade e até estão dispostas a pagar mais por isso. Pagam a autenticidade, a qualidade, a história do negócio, o sabor… E toda a gente gosta do sabor do vinho do Porto, porque tem fruta, tem estrutura, é doce. Mas tivemos uma tendência muito grande a erguer barreiras perante o consumidor, isto é, em dizer-lhe que ‘com o vinho do Porto faz-se assim e serve-se assado’. Com o Croft Pink não. Não há regras. Com ele fazes o que quiseres, fazes cocktails, por exemplo. Há quem faça granizados.
Mas essa cultura não faz falta? Uma vez vi dois turistas na Avenida dos Aliados a beber vinho do Porto pelo gargalo da garrafa...
Pois…
O The Yeatman, o vosso hotel vínico de luxo, foi pensado para promover essa cultura?
Quando decidimos construir o The Yeatman comecei a viajar pelo mundo a promover o destino. Nós nunca promovemos o The Yeatman, promovemos o destino. O Porto é rico em história, tradições, cultura, arquitectura, comida e bebida e não tinha um hotel que lhe fizesse justiça. Temos cinco restaurantes com estrelas Michelin, um com duas estrelas que é o nosso, e mais 15 ou 20 que podem chegar à estrela. Temos novas lojas, temos coisas fantásticas que quando cá cheguei não existiam. Nessa altura senti que éramos o terceiro mundo da Europa. Hoje estamos na primeira linha e esta transformação, do meu ponto de vista, tem a ver com a alteração da confiança. Ninguém acreditava na nossa cidade. Mas [hoje] os portugueses exigem cada vez mais e melhor.
Investiram 32 milhões na sua construção. Em 2010, quando abriu as portas, as pessoas estavam preparadas para um hotel assim?
Eu analisei o mercado. 300 mil pessoas visitam, por ano, as caves de vinho do Porto. Se uma pessoa está interessada em vinho do Porto, então está interessada em vinhos e isso leva a que esteja interessada em boa comida também. [Portanto] construímos um hotel dedicado ao vinho. Não só ao vinho do Porto, mas sim aos vinhos portugueses, com comida de qualidade, no sentido de chegar à estrela Michelin, e com 82 quartos. Os preços por noite eram de 260€. As pessoas diziam: ‘ele está maluco’ ou ‘o seu hotel é lindíssimo mas é o dobro de um quarto no Sheraton’. Eu respondo que nós oferecemos mais, oferecemos vistas fantásticas, oferecemos individualidade. O nosso segmento é de luxo, de lazer. O Sheraton é de conveniência e de negócios.
Qual foi a vossa taxa de ocupação no ano passado?
Foi de 84%.
Ainda sobre a cultura do vinho e o turismo, o vosso projecto World of Wine tem data prevista de abertura no Verão de 2020. São 100 milhões euros, 30 mil metros quadrados...
Seis museus, dez restaurantes, wine bars, lojas, estacionamento, uma nova praça para a cidade. Há uma grande sinergia nisto. Para uma empresa de vinho do Porto, como é o nosso caso, onde temos consumidores interessados em aprender, quando eles vêm conhecer as nossas instalações, em duas horas temos uma grande oportunidade para lhes dar informação e também para estabelecer uma ligação emocional com o consumidor final. Isto ajuda o nosso core business. Ficam a entender mais sobre a nossa cidade e isto é muito positivo. Mas não promovemos apenas o vinho do Porto, mas sim todos os vinhos portugueses.
Tem, portanto, uma vertente pedagógica?
Sim. Esta cidade tem dois grandes desafios. Primeiro, temos uma época baixa longa e poucos museus, por isso, se queremos captar pessoas na época baixa, precisamos de actividades que eles possam fazer dentro de portas. O segundo desafio é passar a média de 2,6 noites [que os turistas permanecem na cidade] para 3. Temos de os captar. Eu vou promover vinhos do Porto e vinhos de mesa dos meus concorrentes, mas vale a pena porque é por um bem maior. Vamos ter um museu de vinhos portugueses de mesa porque não há nada sobre isso na nossa cidade e vai ser uma empresa que não está envolvida em vinho de mesa que vai construir este museu. Com este museu vamos explicar a metodologia, a região, o solo, o clima, o trabalho agrónomo, o envasilhamento, o processo de fábrica. Vamos chamar a atenção para as especificidades das várias regiões do nosso país. Depois, vamos pôr as pessoas a provar vinhos para descobrirem o seu estilo.
Mas além desse museu há outros.
Vamos ter um museu sobre a história da cidade, outro dedicado à cortiça, outro sobre os copos nos últimos oito mil anos, um dedicado à moda e design e ainda um museu para exposições temporárias, que poderá receber pintura, escultura, carros...
E agora a actualidade. O vosso volume de exportação para Inglaterra é de 35%. É substancial. Com o Brexit, como é que vai ser?
A Inglaterra é um mercado muito importante para nós e, obviamente, agora com o Brexit está tudo na mão de Deus. Não sei. Se Theresa May não sabe, eu não sei. Eu tenho uma opinião – é que ela é maluca em não alterar a sua estratégia quando a volta foi contra. É ridículo. O Brexit é ridículo do meu ponto de vista. Obviamente que há riscos para o nosso negócio porque somos muito dependentes do mercado. Se [o Reino Unido] sai sem acordo, o valor cambial vai cair, vai ter impacto no nosso negócio, vai ter impacto em tudo e all bets are off.
Ainda antes dessa possível saída da União Europeia aconteceu a Climate Change Leadership, de 5 a 7 de Março, onde várias personalidades, como Al Gore, estiveram presentes. De que forma a indústria de vinho pode mitigar os efeitos das alterações climáticas?
A base da produção de vinhos é agrícola, ou seja, somos lavradores. Usamos a palavra terroir, mas a implicação de usarmos essa palavra é sabermos exactamente de onde vêm os nossos vinhos. E por que é que é importante? Porque há algumas especificidades no vinho que outros produtos agrícolas não têm. Temos uma planta forte, muito resistente, que podes plantar em locais remotos, problemáticos, com temperaturas altas e com pouca água. Mas é também um fruto sujeito a doenças, infecções e isto é um problema para os agricultores. O nosso sector é importante. Somos o alimento socioeconómico daquela região, ou seja, se tiras a videira do vale do Douro não há nada lá. Nós somos responsáveis por zonas remotas. E podemos usar toda esta nossa informação. Muitos negócios pensam voltados para si próprios, mas a verdade é que as alterações climáticas atingem a tua quinta e a do vizinho. É o mesmo desafio. Eu preciso de dar o braço ao meu vizinho. Vamos concorrer em história, qualidade, blá, blá, blá, mas não podemos concorrer com alterações climáticas. A base é isto.