Ler é, habitualmente, um processo individual e silencioso. Mas o silêncio a que Kagge se refere vai além da componente sonora – prende-se com um equilíbrio pessoal, uma fruição do espaço e do tempo, o combate à ansiedade e voracidade que nos conduzem diariamente (no trabalho, no uso das redes sociais, nas relações afectivas).
Kagge apela a uma concepção de vida algo artificial, tantas vezes defensável e defendida num plano teórico, mas dissidente das próprias práticas quotidianas de quem o faz. Um pouco à semelhança dos ecologistas radicais que se deslocam de avião. O tom do livro é um pouco new age (a maior dificuldade de caminhar no Pólo Sul terão sido os 50º Celsius negativos. E o segundo desafio mais difícil? “Estar em paz comigo mesmo”).
Contudo, a construção do raciocínio está bem alicerçada e lê-se com gosto e fluidez, encontrando-se várias referências artísticas (Rothko, John Cage, Marina Abramovic). Com formação em Direito e Filosofia, Kagee (n. 1963) é um explorador e montanhista norueguês (esteve no Pólo Norte, Pólo Sul e no pico do Evereste), editor, coleccionador de arte, modelo ocasional de publicidade.
“O contrário do silêncio é o cérebro a trabalhar.” Kagee replica a frase de Marina Abramovic (performer que permaneceu 512 horas em silêncio, numa galeria, acolhendo visitantes diante de si sem trocarem uma palavra) para ilustrar aspirações-limite. “A história de Nova Iorque foi sempre moldada pela ideia de ganhar dinheiro e de todo o ruído que isso implica”, escreve o explorador. Reflictamos. Em silêncio.
Erling Kagge, Quetzal, 160 pp, 15,50€, ***