Intendente
Duarte Drago
Duarte Drago

Anjos e Intendente: os bairros mais coloridos de Lisboa por quatro guias locais

A Almirante Reis é o eixo e há um mundo a girar em torno dela. Estes são os roteiros de quem vive e de quem cresceu aqui

Hugo Torres
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Era uma vez uma portuguesa, um nepalês, um bengali e uma chinesa, todos alfacinhas. Os três primeiros vivem entre os Anjos, o Intendente e o Martim Moniz, subindo e descendo a Almirante Reis e a Rua da Palma, trocando dois dedos de conversa com a vizinhança, picando aqui e ali, bebendo isto e aquilo. São guias locais perfeitos para este centro de multicularidade que é esta parte de Arroios, para nos levarem a sítios que não são nem novidade nem clássicos. Os sítios com a chancela de qualidade atribuída pelos hábitos de todos os dias. A nossa última guia cresceu aqui, mudou de cidade, mas regressa sempre. Há produtos que não se encontram em mais nenhum lugar. Era uma vez Marta Silva, Bishnu Chhapkuli, Moin Uddin Ahamed e Yan Li Wu. Vamos com eles.

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Os roteiros de quem vive nos Anjos e no Intendente

Marta Silva

Gestora cultural e bailarina, 40 anos

O bairro não seria o mesmo sem  ela. Através do Largo Residências (e antes do Sou, nos Anjos), Marta Silva tem desde 2011 um papel central na revitalização do Intendente, envolvendo a comunidade e trabalhando com os mais vulneráveis. É-lhe, por isso, “muito difícil separar o lado pessoal do profissional” quando lhe pedimos um roteiro. Vai aonde estão as pessoas mais antigas do bairro – o que, ao pequeno-almoço, pode ser no Balcão do Almirante (Avenida  Almirante Reis, 6D) com reforço de  cafeína no Largo Café Estúdio (Largo do Intendente, 16). E se ao almoço isso começou por ser no Cova Funda, agora é n’O Compadre  (Rua do Saco, 56). “Um típico português onde se come  bem e a bom preço.” Opta quase sempre pela dourada ou o salmão (6,50€), mas o prato do dia fica a 4€. As alternativas são o chinês clandestino (Rua do Benformoso, 43) e o indiano Ghoroa. A fruta e os legumes são comprados “quase religiosamente” no Mercado do Forno do Tijolo. As compras do dia são feitas na mercearia do Dan, um bom conversador formado em Física com quem a filha mais nova de Marta está a aprender nepalês – uma palavra por dia. Já lá vamos.

Bishnu Chhapkuli

Empresário, 36 anos

A mercearia do Dan (Rua Antero de  Quental, 35) tem três cadeiras à porta e uma máquina de café lá dentro (0,50€ a chávena). Não é uma modernice das compras a granel: os clientes vêm aqui para passar o tempo. Dan é atento,  conversador, alegre. Quando pedimos para falar com ele, pôs-nos à frente do vizinho, que estava ali para “conversar um bocadinho”. Criou a ponte e recolheu ao balcão. São os dois nepaleses. Bishnu, que estudou Musicologia antes de vir para Lisboa em 2007, é dono do El Cartel no Mercado de Fusões (Praça do Martim Moniz), onde costuma estar, e do restaurante Babete (Calçada do Duque, 57 ). Os pequenos- almoços são feitos em casa, “com muita fruta e muitos legumes” comprados nos supermercados da zona ou, se faltar algo na hora, em mercearias como a de Dan. Quando come fora, gosta de ir ao Diyalo (Travessa da Palma, 2 B)  ou de atacar os momos, que são uma espécie de dumplings com  recheio de carne ou vegetais  (4,5€), e a carta nepalesa do Munal (Calçada do Desterro, 23). Paga em ambos uma média de 10€.

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Moin Uddin Ahamed

Funcionário público, 32 anos

Nem tudo o que tem especiarias é indiano – mesmo que diga “restaurante indiano” à porta. Pode ser artimanha para chamar o cliente pela familiaridade. Quando foi a última vez  que disse: “Vamos comer a um bengali”? Nós fomos. Cortesia de Moin, técnico do Centro Nacional de Apoio ao Imigrante que faz a triagem de documentos para o SEF, que nos levou ao Spicy Hut (Rua do Benformoso, 270) e ensinou que por aqui também se servem pequenos-almoços. Prove-se chapati com roti de lentilhas, a acompanhar ovos mexidos e depois deep fried, e chá. A fama local do restaurante deve- se, no entanto, às suas apuradas refeições de almoço e jantar (15€/pax). Não fica muito longe dos sítios onde Moin gosta de ir beber um copo: Josephine, Infame ou Largo Café Estúdio, tudo no Largo do Intendente. Mas este antigo estudante de jornalismo, em Lisboa há oito anos, prefere almoçar mais perto do trabalho, no “restaurante do senhor João”, onde até recentemente pagava ao mês as refeições de todos os dias. Como se chama? “Nunca olhei para o nome. Aqui no bairro conheço pelo nome das pessoas.” Fomos lá dar de qualquer  forma: O Anjo (Rua Maria Andrade, 60), onde se come por 10€ e a palavra snack não envergonha ninguém.

Yan Li Wu

Tradutora, 29 anos

Veio com nove anos para Lisboa. A Mouraria foi o primeiro bairro onde morou. Cresceu aqui, a ir todos os dias à cafetaria Mourinha, logo no início da Rua do Capelão. “O galão era uma novidade. Não há na China. E eu bebia  sempre.” Comprava peixe com a mãe na porta ao lado, numa peixaria que entretanto fechou. Hoje já não mora ali – mudou-se primeiro para o Saldanha e depois o preço das casas levou-a para Sintra – mas regressa sempre. Vem ao supermercado Hua Ta Li (Rua Fernandes da Fonseca, 16) e ao mercado Chen (Rua da Palma, 216) comprar vegetais e especiarias chinesas que não encontra noutros sítios, molho de soja e de ostra, produtos já cozinhados como o pato (“é parecido com os vossos enchidos”), rissóis chineses ou peixes congelados que vêm do Mar da China. Reencontra as pessoas do bairro e vai à pastelaria Ren (Rua da Mouraria,  74) beber chá com leite e trincar o tradicional crepe chinês. Quando lhe perguntamos onde almoça, deixa escapar um clandestino mas emenda-se rapidamente: “Este ainda não se  oficializou. É melhor não dizer.”

Comer, comer e mais comer

  • Indiano

Nos restaurantes desta lista não faltam chamuças, caris ou pães naan quentinhos. Cada um com as suas especialidades, um mais moderno e perito em fazer dosas, uns crepes gigantes; outros mais clássicos e prontos para darem aos comensais o que querem. E, no meio disto tudo, quase numa categoria à parte, um par de goeses que operam uns furos acima da competição.

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  • Chinês

Os Golden Visa não melhoraram só o panorama do imobiliário da cidade. A procura de comida chinesa autêntica e regional aumentou a olhos vistos e já não é tudo acompanhado com arroz chau chau, com rebentos de soja lá pelo meio e com a banana fá si de sobremesa. Desde o Martim Moniz até ao Estoril, consegue-se comer de tudo um pouco, mesmo que por vezes tenhamos de entrar em apartamentos alheios.

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