É em Marvila que tem sido semeado talento e criatividade que fertiliza dezenas de novos projectos, sempre com a ajuda dos armazéns que o bairro ainda vai disponibilizando, quer seja para abrir galerias de arte, restaurantes ou fábricas de cerveja. Uma coisa é certa: há motivos para ir a Marvila (e voltar).
A Startup Lisboa nasceu do Orçamento Participativo da cidade, no qual foi uma das ideias mais votadas. Estabeleceu-se na Rua da Prata, em Fevereiro de 2012, como associação sem fins lucrativos e nestes dez anos já acolheu mais de 400 startups. Em 2016, ficou também com a gestão de um dos grandes projectos da cidade: o Hub Criativo do Beato. O actual director executivo desta incubadora, Miguel Fontes, assumiu funções nessa altura. Vinha da Santa Casa da Misericórdia, com passagem anterior pelo Governo, como secretário de Estado da Juventude. Mas agora o que importa é olhar para a frente – e para cima, não vá aparecer um licorne por cima das nossas cabeças. Falemos sobre isso.
Vamos falar do unicórnio na sala. Como acolheu a Startup Lisboa a promessa de Carlos Moedas, na sua candidatura à presidência da Câmara Municipal de Lisboa (CML), de aqui instalar uma Fábrica de Unicórnios? E, nas suas palavras, o que acrescenta ao modelo pensado pela Startup Lisboa?
Quando ouvi pela primeira vez Carlos Moedas a falar em Fábrica de Unicórnios, entendi que estava a referir-se a uma agenda, mais do que a uma realidade física. Uma agenda mobilizadora, no sentido de dizer que Lisboa devia ter a ambição de criar e continuar a desenvolver o seu ecossistema empreendedor. E, eventualmente, [algumas startups] atingirem esse estatuto mítico. Por isso se chamam unicórnios, de tão raros que são, porque é preciso atingir um nível de valorização de mais de mil milhões de dólares. Depois percebi que não, que a ideia do hoje presidente Carlos Moedas é mesmo de um projecto com materialidade. Mas eu não conheço ainda em que é que se traduz o conceito, quem o vai operar, onde é que vai ficar, quais as necessidades de espaço... Estamos disponíveis para ajudar a pensá-lo. Por outro lado, o que posso dizer é que a Startup Lisboa nestes dez anos não fez outra coisa senão ser precisamente essa fábrica de apoio a startups e fábrica de desenvolvimento de empreendedorismo. Se alguma [startup] do nosso portfólio alguma vez chegará a esse estatuto mítico dos mil milhões de dólares de avaliação, óptimo, mas não fazemos depender a avaliação da qualidade, e a relevância do nosso trabalho, do número de unicórnios. Fazemos depender do número de projectos que por cá passaram, continuam a passar e que têm criado milhares de postos de trabalho ao longo destes anos, que no seu conjunto de empresas já levantaram mais de 340 milhões de euros de investimento e têm vindo a transformar a paisagem do ponto de vista económico da cidade.
Em concreto, foi anunciado um futuro espaço de incubação que irá nascer no espaço da antiga Fábrica do Pão que promete, e cito, “espaços flexíveis e ajustados às dinâmicas de crescimento”. O que podemos saber mais sobre esta expansão da Startup Lisboa?
O nosso modelo de incubação nem é muito dependente da questão do espaço físico. O espaço é a cereja em cima do bolo, mas o bolo não é isso. O bolo é darmos acesso a uma rede de mentores, altamente curados por nós, que estão disponíveis em pro bono para apoiarem o desenvolvimento das ideias de negócio; é o acesso a uma rede de parceiros estratégicos; é o acesso a uma forma de serem comunicados com muito mais força; é a ligação que fazemos a investidores e capital de risco; e, por último, é beneficiarem de uma comunidade de empreendedores. Em cima disto, por vezes algumas startups têm necessidades de espaço e estão connosco na Rua da Prata, que é um edifício pombalino muito bonito, mas com salas pequenas. Então seria estranho que nós próprios, dentro do Hub Criativo do Beato, não pensássemos em ter um espaço que permita complementar este trabalho que fazemos na Rua da Prata. É flexível e ágil, porque permite que salas comecem com uma determinada dimensão, digamos módulos de 25 m2, mas depois podem crescer facilmente em função das necessidades. E não fazia sentido pensá-lo exclusivamente para startups, por muito que o ecossistema seja vibrante e dinâmico. Fazia sentido também dar resposta a empresas que hoje percebem a importância de estar no centro nevrálgico da inovação. Percebemos que havia aí uma oportunidade de promover aquilo que hoje se chama inovação aberta ou colaborativa, ou seja, aproximar este mundo das startups ao mundo das empresas mais estabelecidas.
Já foi em 2016 que a CML atribuiu a gestão do Hub Criativo do Beato à Startup Lisboa. Era, à partida, um projecto que se previa demorado?
As infra-estruturas hoje estão todas concluídas, mas antes de fazer a obra, antes de haver o projecto para as infra-estruturas, antes de fazer a adjudicação da obra, antes de lançar um concurso e tudo isto, foi preciso fazer uma outra coisa: ir conhecer. Não havia nenhuma informação sobre o estado das infra-estruturas e dos edifícios à data. Isto foi um trabalho gigantesco e, apesar de eu ter tido sempre a prudência de dizer que era um projecto de grande fôlego e de anos, obviamente que há sempre uma tentação de acelerar o calendário. Temos sido vítimas – boas vítimas, eu gosto deste problema – de uma estratégia que montámos, e que foi muito bem sucedida até hoje, que é o que chamo “a pescada”, que antes de ser já o é. Nós não esperamos que o Hub Criativo do Beato seja uma realidade concluída, pronta na sua definição final, para o pôr ao serviço da cidade. No primeiro momento em que nos foi possível, começámos a promover o Hub Criativo do Beato para acolher aqui todo o tipo de eventos. Aqui esteve o World Press Photo, os 20 anos do Lux, o evento gastronómico Sangue na Guelra, festivais de música electrónica, festivais de cinema, eventos corporativos, tudo o que tem a ver com empreendedorismo, os nossos Demo Days, os nossos programas de aceleração... Foram centenas de eventos.
Podemos dizer que o Hub Criativo do Beato já existe há muito tempo?
Há muito tempo! E isso criou um bom problema. As pessoas entram, em regra vêem assim por fora e pensam que isto está impecável. Normalmente, quando se fazem esses eventos toda a gente tenta aprimorar o espaço para que a experiência seja o mais agradável possível e as pessoas acham que isto já está pronto. Até termos tanta coisa em obra como agora, achavam que já existia. É um bom problema, porque hoje não há ninguém que não conheça o Hub Criativo do Beato, que por alguma razão já não tenha tropeçado nele... Agora, tem essa questão, põe-nos uma pressão em cima. E a isso respondo: não vai haver um momento mágico de abertura, porque não vamos estar à espera do último edifício para abrir. Vai abrindo, isto é um projecto que sempre foi pensado assim, para ser orgânico, e ir crescendo ao seu próprio ritmo.
E até ao final deste ano o que podemos esperar?
Até meio do ano vamos ter algumas coisas a funcionar, como A Praça, que abre durante o primeiro semestre deste ano, a Factory também vai começar a operar no edifício, provavelmente também até ao final deste semestre, o edifício da Claranet estará concluído até ao final do ano e assim sucessivamente.
E mesmo assim há pelo menos um espaço que ainda não tem destino.
É um único ainda que está nessa circunstância e espero que dentro de pouco tempo tenhamos condições de já não dizer isso assim. Mas é o único entre 20 edifícios que estavam ali.
Um dos espaços vai ser transformado num coliving, uma residência mesmo dentro do Hub Criativo do Beato. A residência da Startup Lisboa na Rua do Comércio vai manter-se?
O que temos é uma espécie de guest house para empreendedores, que tem 14 quartos e que tem cumprido uma função super-importante para quem chega à cidade e tem ali uma casa para ajudar nesse processo de instalação. Aqui estamos a falar de um espaço que vai ter 130 unidades de alojamento, uma coisa grande, e em que a finalidade é dar resposta a uma tendência de há vários anos nas sociedades contemporâneas. Há hoje uma comunidade de trabalhadores independentes, que todos os anos aumenta, de pessoas que não têm sítios onde trabalhar, mas também não têm sítios onde viver, porque saltam muito. Para quem não faz sentido estar a viver num hotel, ou numa solução de Airbnb, porque cinco meses se calhar não é a solução mais interessante, mas também cinco meses não é suficientemente longo para fazer um contrato de arrendamento de uma casa. Esta experiência, que começou nos espaços colaborativos de trabalho, facilmente alargou para este conceito ainda mais abrangente do coliving. Vamos ter pessoas que vão estar aqui por três semanas ou quatro meses, e queremos encontrar uma resposta para esse problema.
E os escritórios da Rua da Prata?
Isso tem uma função diferente, é mesmo só apoio aos nossos empreendedores, é uma coisa pequena. E a ideia é continuarmos com esse espaço a funcionar.
E agora, quais as grandes metas da Startup Lisboa para os próximos dez anos?
Dez anos hoje em dia é uma eternidade. Não me atrevo a ser tão ambicioso para fazer planos para dez anos. Mas para o próximo ciclo as prioridades são evidentes. Uma é conseguirmos concluir este processo do Hub Criativo do Beato e entregar à cidade o projecto na sua globalidade. Passar esta fase das obras, vermos finalmente o nosso sonho a ganhar forma. Isso vai ocupar uma parte significativa da nossa energia. Dentro do Hub Criativo do Beato, nós próprios temos um projecto da Startup Lisboa, que é o nosso futuro edifício. Esse será seguramente uma prioridade nos próximos tempos, para conseguirmos pôr de pé um projecto muito difícil e ambicioso para uma associação sem fins lucrativos. Temos estado a trabalhar nas condições de financiamento, estamos próximos de conseguir fechar esse dossier e de passar à fase seguinte, que é, depois de termos submetido o projecto para ser licenciado, podermos arrancar com a adjudicação da obra.