Pedro Mafama lançou este ano Estava No Abismo Mas Dei Um Passo Em Frente, disco de bailes, rumbas e marchas. De festa. Falámos sobre o desafio de fazer música feliz. Mas não só.
Começou por ser uma relação de amizade e de admiração mútua, consolidada através de muito pontuais encontros em palco – um concerto solidário aqui, uma homenagem acolá. No meio destes encontros e conversas, Benjamim ainda tentou enviar uma ideia que tinha começado a explorar ao piano para Samuel Úria, para ver se ele lhe escrevia uma letra e, quem sabe, se a gravavam juntos. Iriam gravá-la, mas foi preciso esperar alguns anos. Antes, Benjamim convidou-o para participar no disco Tozé Brito (de) Novo, que ele produziu com João Correia, e mais tarde se materializou num concerto de tributo na Altice Arena – um dos tais encontros fortuitos em palco. No ano passado, porém, estiveram juntos num episódio do projecto audiovisual Conta-me uma canção. Seguiu-se um espectáculo, meio concerto, meio conversa, no Teatro Maria Matos (Lisboa), já este ano, depois o single “Os Raros” e agora dois concertos concebidos de raiz para os palcos do Teatro Tivoli BBVA, em Lisboa, onde tocam neste sábado, 4, e do Teatro Sá da Bandeira, no Porto, na quarta-feira, 8.
Sem o convite para colaborarem em Conta-me uma canção, era provável que nada do que aconteceu este ano tivesse existido. “Acabou por ser um evento que nos obrigou a encarar a sério a uma parceria que estava ou latente ou que acontecia sempre de uma forma muito despreocupada”, começa por dizer Samuel Úria. Logo a seguir, corrige-se. “Também houve uma vez em que o Luís [Nunes, vulgo Benjamim] veio cantar comigo no Auditório Carlos Paredes, em Benfica. Todos os dias tinha um convidado diferente e o Luís foi um deles. Foi a única ocasião mais oficial em que se leram os nossos dois nomes num cartaz. Mas mesmo aí limitámo-nos a ensaiar no próprio dia e depois à noite apresentámos as canções”, detalha Samuel. “O [espectáculo do ciclo] Conta-me uma canção foi diferente. Foi a primeira vez em que fomos instados a ensaiar, a estarmos juntos e a prepararmos uma coisa nossa.”
“Quando estávamos a ensaiar para o concerto”, tenta explicar Benjamim. “Fui ter com ele ao seu santuário musical, no Alvito”, interrompe Samuel. “E perguntei-lhe pela letra para a tal canção que tinha enviado há uns anos. O Samuel responde que já tinha a letra feita há muito tempo, só que não me tinha dito nada”, lembra Luís Nunes. “Depois eu falei com o manager [do Samuel Úria] e sugeri que seria fixe gravarmos a canção, até para fazermos alguns concertos juntos. Era a altura perfeita para os fazer”, continua a explicar o cantor e produtor. Em princípio, devem “lançar ambos álbuns em nome próprio durante 2024”, adianta-se, e durante um ou dois anos vão ter de andar a tocá-los ao vivo, mas agora não tinham nenhuma obrigação promocional em mãos. “O lançamento [de “Os Bravos”] obrigou-nos a estar juntos, a reunir os nossos managers e as nossas agências a estarem em contacto. De repente, tínhamos uma máquina profissional [a trabalhar em conjunto], e sentámos-nos numa mesa de reuniões, a discutir estes concertos.”
Desde então, encontraram-se pontualmente para ensaiar, foram discutindo o alinhamento e partilhando ideias, até que no último mês começaram a trabalhar com outra intensidade. Têm-se encontrado, num estúdio em Marvila, para ensaiar e reinventar juntos as canções de um e de outro. “Já havia um conhecimento múltiplo da nossa discografia, mas é claro que as canções ganharam uma nova vida nos ensaios. Nem que seja pelo simples facto de estarmos ambos a tocar tudo. Tirando uma ou outra coisa, o grosso do concerto somos nós a funcionar como um duo, como uma banda que tem dois compositores”, define Samuel. “Até porque não vamos só estar a tocar guitarra. Há alguma exploração tecnológica que nos permite, não fingir que temos uma banda, mas construir musicalmente camadas mais densas do que [se fôssemos] só dois músicos a tocar acusticamente. E existe uma vontade de contar uma história ao longo do alinhamento e de criar uma narrativa”, conclui Benjamim.
“Antes dos concertos, o Luís mandou-me uma lista no Spotify, com canções que gostava de tocar. Lembro-me que também já tinha algumas canções anotadas, e das minhas canções que ele escolheu – tirando uma [do Caminho Ferroviário Estreito, de 2003] de que ele se lembrou, acho que batia quase tudo certo com o que eu tinha pensado”, recorda Samuel. Apesar de estarem sintonizados, além de partilharem ideias e influências, nesta two-man-band, cada um desempenha funções específicas. “Exploramos as vertentes mais fortes de cada um no espectáculo. Tanto a minha vertente de produtor, como a vertente do Samuel de frontman, de anjo sexual”, diz Luís Nunes, com um sorriso nos lábios, citando as imortais palavras de uma fã de Úria. “Podes citar-me.” Desta vez, é Samuel Úria quem se ri.
Quem os ouve, sente a cumplicidade entre ambos. Também é por isso que estes espectáculos vão acontecer; que tinham de acontecer mais cedo ou mais tarde. “Já ensaiei mais para este concerto com o Benjamin do que com toda a gente que tem tocado comigo ao vivo nos últimos anos”, contabiliza Samuel, se bem que é capaz de estar a exagerar. Até para garantirem que esse trabalho não foi em vão, confessam que não se importariam de dar mais alguns concertos, se a oportunidade surgir. Benjamim vai mais longe: “Daqui a uns tempos, podemos perfeitamente estar a fazer um EP, um álbum, ou a fazer uma residência. Acho que é completamente possível. Só que não há um plano.” Por agora.