★★★★☆ O “teen spirit“ está a fervilhar com “When We Fall Asleep, Where Do We Go?”, um disco de uma cantora-fenómeno, com apenas 17 anos, que esgotou a Altice Arena em três tempos. O futuro da pop é agora – e o último a chegar é um ovo podre.
★★★★☆
Uma boa história é meio caminho andado. Acontece que os Black Midi não estão interessados em contar nenhuma. Até teriam algo para dizer: conheceram-se na BRIT School, uma escola secundária inglesa inspirada na série de televisão Fame (gratuita, financiada pela indústria discográfica), a mesma que frequentaram estrelas como Adele ou Amy Winehouse, e começaram a tocar por ali. Depois poderiam passar ao concerto na Islândia, um concentrado de energia numa pequena sala que funcionou como rastilho de pólvora quando foi publicado no YouTube, no início do ano. Mas as entrevistas que têm dado revelam quatro jovens adultos pouco empenhados em fazer conversa, em construir uma narrativa que venda – a não ser que essa conversa seja sobre videojogos, aí entusiasmam-se (não é por acaso que as “fotos” promocionais são animações 3D como a que está acima); no entanto, se lhes perguntam pelas influências musicais, aborrecem-se.
A postura aparentemente desinteressada, aliada à incompreensão pela presença incipiente nas redes sociais (eles, a Geração Z!), está a ajudar a criar o culto à volta dos Black Midi, que actuam nesta quarta-feira na Galeria Zé dos Bois, depois de terem passado pelo Vodafone Paredes de Coura no Verão. Isso e a música, claro. Apesar de o disco de estreia, Schlagenheim, ter sido lançado há apenas três meses (nomeado para o Mercury Prize), andam nas bocas do underground londrino há algum tempo. Bocas de queixo caído pela heterodoxia e a mestria instrumental (em particular com os dotes do baterista Morgan Simpson, que tem recebido elogios em barda), pelas colagens e arrancadas rítmicas, pelas cordas tonitruantes, pelo surrealismo e a abordagem vocal de Geordie Greep. É como se o space rock pesado dos Oceasize e o psicadelismo progressivo dos Amplifier tivessem descido de Manchester para Londres, e desenvolvido uma obsessão por Talking Heads, geometria e videojogos shoot ‘em up.
Schlagenheim é um álbum de math rock e espírito punk, tridimensional, cerebral e tremendamente libertador na sua sobreposição de camadas harmónicas em que o noise é enxertado para as melodias de recorte literário típicas do rock progressivo. Cada segundo é uma prova do nível elevadíssimo em que estes miúdos – perdão, estes músicos – tocam e compõem, tentando desbravar caminho, por uma das mais densas florestas do rock, para o paraíso da originalidade. Mesmo quando julgamos apanhá-los numa recriação de Jeff Buckley, em “Western”, eles estilhaçam as expectativas e põem o baixo galopante de Cameron Picton na linha da frente (e com isto só falta tecer loas à industriosa guitarra de Matt Kwasniewski- -Kelvin). A abrir, “953”, é uma excelente síntese da riqueza que se encontra disco fora, em que cada tema é uma peça imprescindível ao todo. Mais à frente, “Near DT, MI” é um rasganço sónico com pausa para terror psicológico e “bmbmbm” é o melhor exemplo da loucura contida nesta compulsão musical, que “Ducter” fecha em eléctrica e possuída apoteose. No conjunto, o disco fica na vertigem das cinco estrelas. Na berma do precipício. O que se espera a seguir? Que dêem um passo em frente.